domingo, 9 de fevereiro de 2020

Envelhecimento do Brasil já compromete o crescimento, FSP

Estudo mostra que, desde 2018, país vive ônus demográfico e só alta na produtividade dará fôlego à economia

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SÃO PAULO
Os fatores que permitiram que a renda per capita do Brasil crescesse acima da produtividade por hora trabalhada desde o início da década de 1980, entre eles o bônus demográfico que se esgotou a partir de 2018, deixarão de contribuir para a melhoria do padrão de vida do brasileiro nas próximas décadas.
A conclusão é parte de um estudo do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), da FGV, que traz um histórico de quase quatro décadas elaborado pelos pesquisadores Fernando Veloso, Silvia Matos e Paulo Peruchetti.
De 1981 a 2018, a renda per capita —indicador usualmente utilizado como medida do padrão de vida da população— cresceu 0,9% ao ano, enquanto a produtividade, medida pelo valor gerado por hora trabalhada, avançou 0,4%. 
O que explica essa diferença é o bônus demográfico, de 0,5% ao ano no período.
Considera-se como bônus o crescimento da população em idade ativa (de 15 a 64 anos) em ritmo superior ao aumento da população total.
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Desde 2018, no entanto, o Brasil passou a ter um ônus demográfico, que vai se aprofundar nos próximos 30 anos, em razão de fatores como a queda na taxa de natalidade. 
Ou seja, por razões puramente demográficas, haverá proporcionalmente uma quantidade menor de pessoas com idade para trabalhar, o que deve afetar a população economicamente ativa.
“A única forma de aumentar a renda per capita e gerar crescimento sustentável no Brasil nas próximas décadas será por meio da elevação da produtividade do trabalhador”, diz o estudo “Produtividade do trabalho: o motor do crescimento econômico de longo prazo”. “Isso só será possível caso o Brasil persista no avanço da agenda de reformas.”
Fernando Veloso, pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do FGV Ibre, afirma que as reformas tributária e do mercado de crédito, além da consolidação de mudanças na legislação trabalhista, devem ser prioridade.
“O padrão de vida da população brasileira conseguiu crescer acima da produtividade por causa de fatores que agora se esgotarão. A produtividade agora vai ser decisiva”, afirma. “Não existe uma reforma única que vá resolver. A produtividade cresce pouco há décadas, inclusive em períodos de reformas, que foram claramente insuficientes. A gente precisa de uma agenda mais profunda e abrangente”, diz Veloso ao comentar o trabalho.
Ele defende ainda uma nova agenda para a educação, que permita ao trabalhador se preparar para mudanças no mercado de trabalho e que proporcione a redução da informalidade e a geração de empregos de melhor qualidade.
A geração de empregos informais, segundo o pesquisador, é um dos fatores que explicam a queda da produtividade no período mais recente.
“São pessoas que trabalham em empresas com menos capital, menos acesso a crédito. Há também a questão dos aplicativos de transporte. A pessoa está em uma ocupação muitas vezes incompatível com a habilidade dela”, diz o pesquisador.
O trabalho mostra também que a queda na produtividade é um dos fatores que explicam a lenta recuperação da economia desde o fim da recessão de 2014/2016. O valor da produção por hora trabalhada recuou de 2014 a 2018, ficou estagnado naquele ano e caiu nos três primeiros trimestres de 2019.
Segundo Veloso, a piora na produtividade durante a recessão não foi uma surpresa. A estagnação em 2018 e a piora em 2019, no entanto, não eram esperadas. Nesses anos, houve aumento das horas trabalhadas, mas o valor adicionado caiu, por causa da mudança na composição do mercado de trabalho, com participação maior da informalidade.
Veloso cita o mais recente relatório do Ibre sobre produtividade do trabalho, que mostra aumento do indicador na agricultura, ligeira queda no setor industrial e reduções fortes e ininterruptas desde 2014 nos serviços, setor que concentra 71% das horas trabalhadas no país.
O trabalho cita ainda outros fatores que não devem contribuir para o aumento da renda per capita no futuro. As horas trabalhadas recuaram no período analisado, seguindo uma tendência mundial.
A taxa de ocupação oscila de acordo com o ciclo econômico e também não deve dar contribuição positiva. A participação da população economicamente ativa em relação às pessoas em idade ativa segue estagnada desde 2010.
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Descrição de chapéuCINEMA Dois Papas, presença de cor brasileira no Oscar, tem cenas gravadas pela Folha, FSP

Imagens são parte de reportagem da série 'Um Mundo de Muros', publicada em 2017

SÃO PAULO
“Construa pontes, não muros”, pede a inscrição grafitada, não por coincidência, em um muro —e pouco importa em que país.
O registro da arte urbana marca, em “Dois Papas”, o fim de um discurso de Francisco (então apenas Jorge Bergoglio, antes de virar bispo), sobre exclusão, em 1998.
No filme (que neste domingo concorre em três categorias do Oscar), a fala serve como redentor ponto final de uma longa reflexão do argentino acerca de sua atuação na ditadura do país vizinho e um subsequente período de exílio pelo qual passou de suas atividades na ordem jesuíta.
“Nos dias de hoje devemos dizer não à economia da exclusão”, vaticina, num prenúncio da atenção aos pobres que marcaria sua atuação nos anos seguintes —e chamando, positivamente, a atenção de um superior eclesiástico.
O Muro da Vergonha em colina de Lima, cena que aparece em 'Dois Papas' - Avener Prado - 23.jul.17/Folhapress
“Vivemos um período de tirania de estruturas econômicas injustas, que causam grande desigualdade.”
As imagens que o filme intercala às do discurso exibem barreiras sendo erguidas, em diferentes partes, a separar o mundo em dois lados.
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(Disse o diretor, o brasileiro Fernando Meirelles, em uma entrevista, que por escolha dele, em uma intervenção ao roteiro do neozelandês Anthony McCarten.)
Aqui, qualquer semelhança de “Dois Papas” com a série “Mundo de Muros”, que a Folha publicou entre junho e setembro de 2017, não é mera coincidência: algumas das tomadas exibidas na sequência são parte, justamente, de uma das reportagens.
As imagens foram captadas pelo repórter-fotográfico Avener Prado no Peru, e acompanharam texto de Fabiano Maisonnave sobre o chamado Muro da Vergonha.
A barreira, de 10 km, separa o conjunto de favelas de Pamplona Alta, na capital peruana, do condomínio de luxo Las Casuarinas, na municipalidade de La Molina.
Carga leve de ironia: como conta a reportagem, ela começou a ser erguida nos anos 1980 por um colégio administrado pelos jesuítas locais —para combater danos ao meio ambiente, conforme explicou a municipalidade.
Como outros muros mostrados na série (no filme também), o limenho se presta a bloquear o indesejável, mas também a traçar uma linha, nada sutil, de diferenças.
Uma das mais palpáveis retratadas pela reportagem mostra que, se em Pamplona Alta não há água encanada, as casas de Las Casuarinas se destacam na paisagem vista do alto pelas amplas piscinas.
São do alto, captadas com drone, imagens da Folha presentes em “Dois Papas” (filme disponível na Netflix). Uma delas sobrevoa o condomínio de luxo e dá ré para realçar a diferença da paisagem nas favelas. Outra tem o drone partindo de trás de uma enorme cruz para viajar sobre a encosta limenha.
“Todas as comunidades devem ser instrumento da liberação e promoção dos pobres”, pede Bergoglio no discurso. O filme mistura, cá e lá, relatos verídicos a diálogos fantasiosos; algumas cenas, porém, podemos garantir, são bem reais.