domingo, 9 de fevereiro de 2020

OPINIÃO ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE Pescando um ministério, FSP

Já dizia Shaw: há um idiota em cada ponta da vara

  • 6
Rogério Cezar de Cerqueira Leite
Alguns sistemas filosóficos elegem, para alguns problemas de difícil resolução, a argumentação pelo absurdo. Vamos, pois, como simples exercício intelectual, expor uma tentativa para compor um ministério absolutamente inepto. Talvez por aí possamos vislumbrar o que seria um ministério adequado.
Para o Ministério de Educação teríamos que procurar no universo universitário um apoucado, com um passado de fracassos acadêmicos. Além de escasso em neurônios deveria ser este senhor inteiramente destituído de qualquer traço de civilidade. Sei que é quase impossível encontrar tanta animalidade em um único ser, mas talvez com muita tenacidade seja possível encontrar um tal exemplar. Eu diria uma espécie de piranha.
O físico e professor da Unicamp Rogério Cezar de Cerqueira Leite, membro do Conselho Editorial da Folha - Keiny Andrade - 29.mar.17/Folhapress
Para a Cultura não basta um ignorante. É preciso envidar esforços para desenterrar um boçal agressivo. Qualquer um que tenha lido Proust, ou Thomas Mann, ou Machado terá que ser eliminado sumariamente. Pior ainda se apreciar Picasso, Renoir ou Portinari. Eu diria que neste caso o pacu é a boa analogia.
Mais difícil, e muito mais difícil, será achar um diplomata convicto de que a Terra é plana e que a missão divina do Ministério das Relações Exteriores é propagar a fé cristã. É uma missão quase impossível.
Somente um presidente obsessivo será capaz de encontrar tamanha raridade. Dizem que para pescar o linguado é preciso um exímio pescador. Linguado é aquele peixe que tem os dois olhos de um lado só da cara, e por isso vê a terra como plana.
[ x ]
Por outro lado, para encontrar alguém para a área de direitos humanos vai ser muito simples. Há uma fartura de obtusos que pretendem que conversam com Deus. Uns em igrejas, outros em grutas ou montanhas —e até alguns que sobem em goiabeiras para um papinho com o todo-poderoso. São tão abundantes como lambaris.
Ainda mais fácil será encontrar um ministro contra o meio ambiente. O mundo está cheio de oportunistas lisos como minhoca.
É preciso encontrar um déspota para o Ministério da Justiça. Um caçador cuja missão divina é enjaular comunistas, esquerdistas e socialistas. E para o que tudo vale. Alguém implacável e com milhares de braços. Uma espécie de polvo monstruoso.
Para assegurar a vitória do neoliberalismo desvairado é preciso encontrar um cardume de barracudas. Talvez seja necessário buscar o pessoal de economia em Chicago.
O leitor desavisado poderia execrar um ministério assim composto. Pois eu não. Acho que seria a melhor coisa que poderia acontecer ao Brasil. Pois imaginem apenas o que aconteceria se viesse a ser o nosso ministério escolhido por um fascista competente. Não é um alívio? 
Aliás, não sei bem por que me veio inexplicavelmente à mente um comentário do dramaturgo Bernard Shaw. Para ele, a pesca é uma atividade “que se exerce com uma vara e um idiota em cada ponta”.
Rogério Cezar de Cerqueira Leite
Físico, professor emérito da Unicamp, membro do Conselho Editorial da Folha e presidente do Conselho de Administração do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais)

OPINIÃO GUSTAVO MAULTASCH A síndrome de Levitsky, FSP

  • 41

Pelo teor das referências que se fazem a ele, até ontem eu achava que Steven Levitsky era o nome de uma síndrome cognitiva descoberta por um doutor Levitsky, e não o nome de um cientista político. A sintomatologia da síndrome seria a seguinte: quando a esquerda vence, a democracia vai bem; já quando ela perde... Aí a democracia padece, vai mal, está morrendo.
Essa síndrome apresenta como comorbidade aquele comportamento já conhecido em nossa esquerda: concorda comigo? Você é bom camarada e está convidado para o próximo chope no Leblon; o bar dá desconto para quem sinalizar virtude! Discorda de mim? Você é fascista.

Gustavo Maultasch de Oliveira - Diplomata, doutorando em administração pública e especialista do Instituto Mises Brasil. Suas opiniões são exclusivamente pessoais.
O diplomata Gustavo Maultasch, especialista do Instituto Mises Brasil - Divulgação
(Mas veja bem, eu não digo que você é fascista porque estou defendendo o meu esquerdismo não; o que é isso. Eu digo que você é fascista porque sou um sereníssimo hermeneuta dos desígnios de nossa República e, de posse dessa capacidade sobre-humana, afirmo categoricamente que você é fascista; nada pessoal, é só um juízo técnico).
Como a esquerda brasileira passou anos elogiando Fidel, Che, Mao, Lenin, Chávez, Maduro, Morales, dentre outros companheiros; como passou décadas mitificando Paulo Freire, mesmo com sua tolerância a assassinatos em nome da “biofilia” da revolução; como chegou a comprar votos do Legislativo no escândalo do mensalão, em franco ataque à democracia; e como a principal chapa da esquerda, nas últimas eleições, tinha como candidato o autor de “Em defesa do socialismo” e como candidata a vice uma comunista que se recusa a condenar os incomensuráveis genocídios dos socialistas; enfim, por tudo isso, eu ingenuamente acreditava que a esquerda brasileira tinha amor sincero e desinibido por todas as ditaduras. Essa não é a galera descolada que fala em amor livre? Então, pensei que eles amassem todos os autoritários.
Mas quão apressada a minha conclusão, e quão enganado eu estava; e aproveito para fazer o mea cuba, ou melhor, o mea-culpa, e compartilhar com vocês o que aprendi: na realidade, vejam só, a esquerda não ama ditaduras; ela ama apenas, notem bem!, aquelas ditaduras que são de esquerda. E não é aquele amor platônico, melancólico e distante não; é aquele amor luxurioso, nos lençóis suados da paixão recente.
[ x ]
Quando descobri isso, meu mundo desabou feito o PIB da Dilma: seria mesmo um caso de —constrange-me até dizer— hipocrisia, incoerência, desfaçatez? Será que a esquerda tolera uma ditadura, tolera uma torturazinha, desde que ela seja de esquerda? Se a ditadura é de direita, condenamos; se é de esquerda, defendemos; isso finalmente eu entendi. Mas e a democracia?
E aqui vem a novidade trazida pela síndrome de Levitsky, que segundo minha pesquisa tem sido transmitida pelo mosquito da zika, ou talvez seja mesmo o velho e conhecido, embora jamais extinto, mosquito da trotsky. A novidade é que, agora, a esquerda não condena apenas a ditadura de direita não; ela condena também, vejam só!, a democracia em que o povo elege livremente a direita.
É bem verdade que democracias são como um preso em Curitiba: demandam atenção e vigilância diárias. Democracias funcionais têm equilíbrio institucional delicado mesmo, e a todo momento há riscos intrínsecos ao sistema político; contem comigo para a diligência constante e a briga por seu fortalecimento.
O problema é decretar risco adicional porque a esquerda perdeu, e com isso começar a denunciar a nova conjuntura política como “morte da democracia”, como se o atual mal-estar do progressista fosse causado por uma sensibilidade apurada de sommelier às vicissitudes da democracia, e não por um mero ressentimento de derrotado, em humilhação narcísica porque percebeu que o povo não o vê com a grandeza e o senso de autoimportância que ele enxerga ao espelho.
E tudo isso fingindo não saber que um dos maiores riscos à democracia brasileira é, precisamente, toda essa narrativa de “morte” da democracia; mais do que diagnóstico, a síndrome de Levitsky é efeito placebo, profecia autorrealizável, daqueles que preferem bagunçar o jogo a aceitar que, simples e livremente, foram vencidos.
Gustavo Maultasch
Diplomata, doutorando em administração pública e especialista do Instituto Mises Brasil