quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Ruy Castro Tirem suas conclusões, FSP

Uma técnica de persuasão mais eficaz do que a pura e simples estupidez

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A Polícia Federal concluiu que o senador Flávio Bolsonaro não cometeu os crimes de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica de que está sendo acusado pelo Ministério Público do Rio, por estranhas transações com lucros astronômicos, marotas declarações de bens, movimentações atípicas de dinheiro vivo e invejável evolução patrimonial —tudo isso para um então deputado estadual e dono de uma loja de chocolates próspera no ano inteiro, menos na Páscoa. Ao ser indagado a respeito por um repórter, o presidente Bolsonaro rugiu: "Pergunta pra Polícia Federal!".
Típico de Bolsonaro. Fala todos os dias com os jornalistas, mas, se um deles toca em algo mais delicado ou lhe pede para explicar uma de suas próprias declarações, vocifera cala-bocas como "Chance zero!", "Esquece!", "Ponto final!", "Assunto encerrado!" e "Próxima pergunta!". Ou põe fim de vez à conversa com o incisivo "Acabou, talquêi?" e o já clássico "Pergunta pra tua mãe!" —o primeiro presidente a botar a mãe no meio das ejaculações presidenciais. Mas, no caso das acusações a Flávio Bolsonaro, ele tem razão —só a Polícia Federal consegue explicar por que o livrou. 
Já seu outro filho, o vereador Carlos Bolsonaro, usa tática mais sutil. Em suas postagens nas redes sociais, alinha os argumentos de que precisa para provar um ponto. Mas, em vez de levá-los à conclusão lógica, termina com "Tirem suas conclusões" —dando margem a que seus interlocutores cheguem exatamente à conclusão a que ele quer que cheguem, mas pensando que o fazem por conta própria.
É um coquetel retórico, combinando conceitos de persuasão de massas, técnicas de publicidade e estratégias de livros de autoajuda, tudo bem misturado e servido com uma cereja. Serve tanto para vender sabão em pó quanto para induzir um indeciso a se aproximar de um líder, converter-se a ele e pensar como ele. 
Tirem suas conclusões.

Exportação e indústria estão com vírus, que ainda não é o da China, VTF, FSP

País vende menos do exterior, fábricas batem pino: recuperação ainda é frágil

  • 6
Não é o coronavírus, mas exportações e indústria estão com um bicho ruim. Os números da virada do ano 
são sintomas preocupantes.
As vendas do Brasil para o exterior caem rapidamente desde julho do ano passado, o que ficou ainda mais evidente com os dados de janeiro. 
Em parte, a indústria vai mal porque o país perde mercados, que se implodiram (Argentina) ou andam devagar quase parando (Europa), e não consegue outros clientes relevantes; porque o comércio mundial teve um ano historicamente ruim em 2019.
Diz-se que o desastre assassino de Brumadinho explica o resultado ruim da indústria nacional, que encolheu 1,1% em 2019, número divulgado nesta terça-feira (4) pelo IBGE. É verdade, em parte; é conversa mole, em parte.
A produção da indústria extrativa encolheu quase 10% no ano passado, resultado de país em guerra. Mas a indústria de transformação (as “fábricas”) tem peso de 89% na produção industrial total. Em 2018, havia crescido 1,1%. Em 2019, apenas 0,2%. Ficou na prática estagnada porque setores grandes como montadoras, metalúrgicas e fábricas de máquinas e equipamentos tiveram um ano entre fraco e horrível.
A indústria de alimentos, muito importante, deu uma respirada, mas não bastou para melhorar o resultado geral, nem de longe.
As montadoras de veículos, por exemplo, cresceram quase 13% em 2018 e apenas 2,1% em 2019. As metalúrgicas estão em recessão. A indústria de máquinas e equipamentos mal ficou no zero a zero. Juntas, têm peso de uns 20% na produção industrial, com impactos em cadeia dos mais significativos entre as manufaturas e no PIB em geral.
As exportações dos últimos três meses caíram 14% em relação ao mesmo período igual do ano passado; baixam cada vez mais rápido desde meados de 2019. Estão caindo os preços e as quantidades de soja e petróleo.
Por ora, os tropeços feios de exportações e da indústria não desqualificam ou degradam as previsões de crescimento do PIB brasileiro para este 2020, de algo além de 2%. Mas são evidências da fragilidade da recuperação, uma convalescência difícil, que ainda por cima corre o risco de ser abalada pela infecção do coronavírus, por exemplo, que ainda não há como prever e muito menos medir, por ora.
O que fazer? A receita banal de sempre: cuidar da própria saúde, não importa que bicho ruim venha bater à porta. Para tanto, muito contribuiria termos um governo dedicado ao essencial, que não fosse desvairado etc., o que qualquer pessoa adulta pode imaginar.
Em vez disso, o que se passa? Basta lembrar apenas dos problemas dos últimos dias e horas.
Jair Bolsonaro faz espuma diversionista, culpando os governadores pelo preço alto dos combustíveis (se o ICMS baixar, o governo federal vai bancar as contas de estados arrebentados, quase todos?). 
O governo não tem prioridade clara no Congresso, onde já começa a levar tundas, na primeira semana legislativa. Passou janeiro quase inteiro dando tiros no pé, criando crises de moto próprio (Cultura, Educação, Ambiente, Casa Civil, Justiça etc.).
A recuperação é muito lerda e frágil, com o precário e lentíssimo aumento da massa de rendimentos, com alguma animação de crédito e com a construção civil (residencial) saindo do buracão da recessão.
No mais, investimento mesmo quase não tem e pode haver ainda menos devido à incerteza derivada de um choque externo (coronavírus), piorada pelo desvario contínuo do governo. Está fácil de pegarmos uma gripe.
Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).