segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Doria turbina imagem pública com inaugurações privadas e anúncios duplicados, FSP

Governador busca se manter em evidência com agenda recheada de eventos e entrevistas

Joelmir TavaresCarolina Linhares
SÃO PAULO
Com uma agenda moldada para mantê-lo em evidência, João Doria (PSDB) turbina sua exposição pública ao privilegiar contatos com a mídia, incluir inaugurações e investimentos privados na sua lista de afazeres como governador e anunciar medidas mais de uma vez.
Cotado para disputar a Presidência em 2022, o tucano manteve um ritmo intenso de atividades em nove meses no Palácio dos Bandeirantes —chegou a fazer até o descerramento da placa de instalação de escadas rolantes em um terminal de ônibus de Francisco Morato, em setembro. 
Governador do Estado de São Paulo, João Doria participa da implantação do terminal rodoviário oeste de Franco da Rocha  Local: Franco da Rocha - SP.  Data: 04\09\2019  Foto: Governo do Estado de São Paulo
João Doria inaugura placa de instalação das escadas rolantes de acesso ao Terminal Urbano Leste, em Francisco Morato (SP) - 4.set.2019/Governo do Estado de São Paulo
Folha analisou a agenda dele de 1º de janeiro a 10 de outubro —foram 166 entrevistas coletivas à imprensa em 283 dias, a maioria para anunciar feitos do governo. No período, Doria participou do lançamento de 32 programas, esteve em 58 inaugurações e fez 121 anúncios de medidas.
A tabulação foi feita com base nos registros da agenda oficial divulgada no site do governo e no grupo de WhatsApp usado pela assessoria de imprensa para compartilhar conteúdos de Doria com jornalistas.
Foram excluídas do levantamento reuniões a portas fechadas ou participações em eventos sem relação direta com o governo.
Cerca de 10% dos anúncios e inaugurações descritos na agenda correspondem a ações e investimentos de empresas privadas. Seja no lançamento da nova fábrica da Cargill ou da nova sede da Nestlé, o governador se apropria dos eventos ao posar para fotos e fazer discursos.
No mês passado, por exemplo, o tucano inaugurou uma fábrica de chocolates da Mars​ Wrigley, em Guararema, e posou com uma caixa de Snickers, produto da marca.
Ainda em setembro, ele usou touca e avental no ato que marcou a abertura de uma nova linha de produção da fábrica de sucos Natural One, em Jarinu.
A prática de conciliar interesses públicos e privados foi mais comum no setor automotivo, considerado estratégico por Doria.
Depois de anunciar, em março, o programa IncentivAuto (que dá desconto no ICMS para montadoras), o governador participou de anúncios de investimentos da Honda, da Toyota e da Volkswagen e ainda celebrou a compra da Ford pela Caoa.
Com o programa São Paulo pra Todos, o governador usou a mesma lógica de propagandear um incentivo ao setor privado e, depois, explorar a adesão de cada empresa como uma nova conquista.
Lançado em fevereiro, o programa reduziu o imposto sobre combustível de aviação. Nos meses seguintes, o tucano anunciou à imprensa novos voos de Passaredo, Gol e Azul. Para cada anúncio, uma entrevista coletiva —algumas no Bandeirantes.
As duas plataformas, IncentivAuto e São Paulo pra Todos, exemplificam ainda outra estratégia do governador: a de anunciar medidas antes que elas entrem formalmente em vigor.
[ x ]
Quando Doria lançou esses programas, o governo nem sequer havia enviado as propostas para a Assembleia de São Paulo, onde os deputados poderiam aprová-las ou rejeitá-las.
Anunciado em 5 de fevereiro, o São Paulo pra Todos só foi encaminhado à Assembleia em 18 de abril. Os deputados aprovaram a medida em 26 de junho. Já o IncentivAuto, divulgado em 8 de março, foi proposto ao Legislativo em 11 de junho e recebeu sinal verde em 2 de outubro.
Outra prática do governador é dedicar mais de uma entrevista para anunciar uma mesma medida. O programa SP Gastronomia apareceu na agenda em 13 de agosto, data em que foi apresentado ao tucano.
A medida surgiu mais duas vezes: falas à imprensa em 23 de agosto e em 27 de setembro foram classificadas pela equipe dele como lançamento do programa.
Foi em uma etapa do SP Gastronomia em Taubaté, no último dia 15, que Doria foi recebido com um protesto e gritou aos manifestantes: "Vai pra casa, vagabundo. [...] Vai pra casa, aposentado". O governador acabou admitindo que se excedeu.
Como mostrou a Folha, a agenda de Doria em 2019 também incluiu relançar, com novo nome, um programa da gestão José Serra (PSDB) de habitação para idosos e inaugurar uma estação do Metrô que deveria estar funcionando desde 2014.
O pente-fino na agenda do tucano revela ainda uma predileção por compromissos de curta duração. Raras vezes os itens da pauta se estendem por mais de uma hora.
Com eventos breves, o dia de Doria comporta mais atividades, o que contribui para a construção de uma fama almejada por ele: a de gestor produtivo e chefe que nunca dorme
O cronograma habitualmente é cumprido à risca —o tucano costuma ser pontual e cobra o mesmo de seus auxiliares.
A agenda formatada sob medida para render boas imagens remonta à estreia de Doria na gestão pública. Em seus apenas 15 meses como prefeito da capital, o tucano foi pródigo em criar situações.
Ao longo de 2017, ele surgiu vestido de gari, plantou árvore, pintou ponto de táxi e usou cadeira de rodas para testar uma calçada. Tudo registrado por suas próprias equipes e pela mídia.
Embora mais discreto como governador, ele já embarcou em bote e foi navegar no rio Pinheiros para prometer despoluição, dirigiu trator em uma feira agrícola e botou chapéu de caubói em Barretos.
Jornalista e publicitário, Doria comandou programas de entrevistas na Band e o reality show "O Aprendiz", na Record, antes de entrar de vez para a política.
A experiência faz com que a área mereça atenção especial do governador. Por isso, a agenda é discutida com o secretário de Comunicação, Cleber Mata, e com o coordenador de Marketing do governo, Duílio Malfatti.

OUTRO LADO

Em nota, o governo paulista justificou a presença de Doria em inaugurações e anúncios de investimentos de empresas privadas. 
"É papel do gestor estadual se preocupar e agir para garantir mais emprego e renda para o estado. Portanto, a participação do governador em eventos desse tipo mostra a proatividade da gestão em trazer cada vez mais emprego e receita fiscal", afirma.
Em relação ao anúncio de programas que ainda não foram votados pela Assembleia, o governo diz que "desrespeito seria se a ação fosse por decreto, por exemplo, sem o amplo debate que as questões exigem". 
Sobre os projetos anunciados mais de uma vez, o governo diz que "são compostos por várias fases e cada uma tem sua relevância".

​A AGENDA DE DORIA 
Governador de SP aposta em entrevistas e anúncios para se manter em evidência
De 1º jan.19 a 10.out.19 (283 dias)
  • 166 entrevistas à imprensa
  • 121 anúncios de medida
  • 58 inaugurações
  • 32 lançamentos de programas
Cerca de 10% dos eventos correspondem a inaugurações e anúncios feitos por empresas privadas com a participação do tucano

domingo, 20 de outubro de 2019

Dinheiro extra deve ressuscitar economia em 2020, se Bolsonaro não atrapalhar, FSP


Vinicius Torres Freire
SÃO PAULO
Até a eleição de 2020, um bom dinheiro extra vai irrigar a economia. Deve ser mais de 1% do PIB, uns R$ 70 bilhões ou mais que vão cair na mão de estados, municípios e famílias. Se não houver desastres novos, o estímulo deve aliviar um pouco da depressão.
Como o país observa bestificado um governo dar tiros até na própria cabecinha, caso da turumbamba vulgaríssima do PSL e dos Bolsonaro, sempre pode haver tumulto político sério, com implicações econômicas. Suponha-se, por ora, que não seja assim.
Esse dinheiro extra não será a salvação da lavoura nem o começo do “milagre do crescimento”, nem mesmo de algum crescimento duradouro, necessariamente. Mas deve ajudar a colher umas couves até a escolha dos prefeitos. Que dinheiro é esse?
Entre o final deste 2019 e do ano que vem, devem cair na mão das famílias cerca de R$ 40 bilhões dos saques do FGTS. Outros R$ 2 bilhões de saques do Pis/Pasep. Mais R$ 2,5 bilhões do “13°” do Bolsa Família.
Estados e municípios terão cerca de R$ 24 bilhões dos recursos que serão arrecadados com os leilões de exploração de petróleo, agora em novembro. Vão gastar, claro. Será uma despesa picada, que não vai colocar de pé grandes obras ou projetos. Na verdade, governadores e prefeitos vão pagar muita despesa corrente, salário e aposentadoria e atrasados de fornecedores.
A conta já chega aí a pouco mais de R$ 68 bilhões, quase 1% do PIB ou 50% mais que o dinheiro liberado pelo governo de Michel Temer para dar uma ressuscitada na economia em 2017 (saques do FGTS). O efeito, porém, pode ser maior, ressalvada a hipótese de tumulto provocado pelo governo ou outro choque (desordem na economia mundial, por exemplo).
Algumas prefeituras mais bem arrumadas vão gastar mais em 2020, pois o ano é de eleição. Além do mais, estados e municípios estão recebendo mais dinheiro federal. Sim, por lei, parte dos impostos e dinheiros da exploração de recursos naturais têm de ser repassados para estados e cidades.
Nos últimos 12 meses, a receita total do governo federal ficou estagnada, em termos reais. Mas os repasses para estados e municípios cresceram, em especial graças ao petróleo. As transferências aumentaram em R$ 15 bilhões.
Usando um microscópio, dá para perceber que a economia está em situação melhor agora do que em 2017. Em português claro, há mais crédito para pessoas físicas e as taxas de juros estão menores, em especial a taxa básica no mercado, embora até o custo do crédito bancário esteja um tico menos escorchante. As taxas de juros devem cair mais, daqui até o ano que vem, na ausência de choques e bolsonarices tumultuárias no Congresso. Em resumo, há um alívio nas “condições financeiras”, como dizem os economistas.
Um impulso de mais de 1% do PIB em “dinheiro novo”, para gastar, e taxas de juros menores devem ser ajuda bastante para tirar o crescimento da casa de 1% deste ano e levá-lo para 2% em 2020. Não resolve a nossa situação, óbvio, e se trata por ora de hipótese estatística. Mas seria um alívio, ao menos temporário.
Seria o primeiro crescimento além de 1% desde 2013. É um número que deveria entrar nas considerações políticas e econômicas dos que odeiam e dos que amam o governo.
Vai acontecer? Pode haver choques. Uma crise mundial. Mais à vista, uma crise federal. O regime dos Bolsonaro parece o clichê da reabilitação de pessoas com problemas com drogas: “um dia depois do outro”. Que sempre pode ser pior.
Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).