sexta-feira, 11 de outubro de 2019

A hipótese da estultice, Hélio Schwartsman, FSP

Permanece a questão de saber se Bolsonaro é um sujeito inteligente ou só um valentão

Permanece em aberto a questão de saber se Jair Bolsonaro é um sujeito inteligente, isto é, alguém que se vale de estratégias elaboradas para alcançar seus objetivos, ou apenas um valentão que teve duas ou três intuições corretas e uma enorme dose de sorte.
Os defensores da hipótese de vida inteligente sempre poderão afirmar que ele venceu a eleição mais disputada do país e que vem presidindo um processo de recuperação econômica, ainda que timidíssimo.
Não faltam, porém, argumentos àqueles que sustentam que Bolsonaro não passa de um despreparado que as ruínas da administração petista aliadas às forças do acaso galgaram à Presidência. A prova mais eloquente disso estaria no fato de o primeiro mandatário levantar incessantemente polêmicas nas quais tem muito mais a perder do que a ganhar.
O caso do divórcio entre o bolsonarismo e o PSL reforça a hipótese da estultice. É possível que tudo não passe de um blefe, mas, se a separação for para valer, fica difícil vislumbrar o que Bolsonaro ganharia. Já a lista das perdas é graúda.
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Jair Bolsonaro e Luciano Bivar, presidente do PSL - JC Imagem/Folhapress
Para início de conversa, parlamentares que seguirem o presidente correriam um sério risco de perder seus mandatos. Mesmo que os advogados encontrem um modo de evitar isso, a debandada deixaria milhões de reais dos fundos partidário e eleitoral com uma sigla que terá rompido com Bolsonaro.
Em termos estruturais, o presidente se afasta ainda mais do projeto de criar uma base partidária razoavelmente sólida, que seria importante tanto para dar sustentação a seu governo como para ajudá-lo numa eventual disputa pela reeleição.
Ou Bolsonaro está tantos passos à frente de todos em suas maquinações políticas que temos dificuldade até para reconhecer-lhe a inteligência, ou temos motivos para temer que ele nem sequer consiga definir quais são seus objetivos, menos ainda a melhor estratégia para alcançá-los. Façam suas apostas.
 
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Equipe econômica avalia modelo britânico de contratação de servidores para níveis mais elevados, FSP

Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo
10 de outubro de 2019 | 11h55

BRASÍLIA - A equipe econômica avalia proposta para adoção no Brasil de modelo do Reino Unido de contratação de servidores de profissionais para níveis mais elevados de uma carreira. É a chamada “entrada lateral”. A ideia está sendo analisada pelo time do ministro da Economia, Paulo Guedes, e foi sugerida ao governo brasileiro pelo Banco Mundial (Bird) em relatório sobre a folha de pagamentos do setor público brasileiro.
Paulo Guedes
Ministro da Economia, Paulo Guedes Foto: Adriano Machado/ Reuters
De acordo com o Bird, é possível atrair profissionais mais bem qualificados do setor privado que podem trazer inovações e novas perspectivas. Com a "entrada lateral", o concurso não é para o início da carreira, mas para o topo. O Bird defende contratações mais flexíveis.
No Brasil, o setor público federal apresenta centenas de carreiras com baixa mobilidade entre órgãos do governo e com entrada apenas pela menor nível inicial da categoria. 
O diagnóstico do Banco Mundial é que essa estrutura, combinada com progressões atreladas apenas ao tempo de serviço público, faz com que servidores que chegam ao topo das carreiras não sejam necessariamente os mais bem preparados para ocupar a função.
A reforma de Portugal, feita em 2008, também foi citada como modelo a ser seguido.  No país, mais de mil carreiras existentes foram substituídas por três carreiras gerais e algumas especiais. O governo português acabou com as progressões automáticas por tempo de serviço.
 A reforma em Portugal também estabeleceu uma taxa de reposição de servidores de 2 para 1. Ou seja, duas aposentadorias são necessárias para uma nova contratação.  Também foi permitida a chamada “entrada lateral”, assim como o Reino Unido. 
No Brasil, a junção de carreiras exigiria o reenquadramento dos servidores em um novo quadro salarial, com equiparação da remuneração entre os membros da nova carreira.
O banco também recomendou ao governo federal ter como parte da política de definição de salários de seus servidores a comparação com grupos semelhantes no setor privado, como no Canadá.  Segundo o relatório, o governo canadense adotou, em 2006, uma revisão da política de remuneração de seus servidores públicos federais que teve como objetivo dar aos ministros, altos funcionários e outras partes interessadas, “uma apresentação acessível, integrada e coerente do sistema de remuneração do setor público federal".
Relatório divulgado na quarta-feira, 10, pelo Bird mostrou que os servidores públicos federais ganham no Brasil em média quase o dobro (96%) dos trabalhadores que exercem função semelhante nas empresas do setor privado. O chamado “prêmio salarial” do funcionalismo do governo federal é o mais alto numa amostra de 53 países pesquisados pelo Banco Mundial.     

No Brasil da depressão e da inflação baixa, juros ainda estão muito altos, FSP

Pelo terceiro ano seguido, a inflação vai ficar bem abaixo do centro da meta em que o Banco Central deve mirar. O IPCA anda pela casa de 2,9% ao ano e deve chegar a uns 3,3% ao final deste 2019 (a meta é de 4,25%).
Vê-se carestia apenas naqueles campeões dos aumentos dos últimos anos, como os preços de planos de saúde —está aí um assunto “pop” e útil para uma CPI. Boa tarde, Congresso, hora de acordar.
É uma inflação muito baixa para uma economia deprimida. Sim, depressão ou o nome ruim que se queira dar para o estado de um país em que o PIB deve terminar o ano em um nível 5% inferior ao de 2014.
“Inflação muito baixa”, no caso, quer dizer que, provavelmente, a taxa básica de juros andou alta além da conta. Sim, é preciso reconhecer que, entre outros problemas, é difícil acertar a meta. Que o instrumento da taxa de juros não é assim preciso.
Que há choques, mudanças estruturais difíceis de perceber e algum Sobrenatural de Almeida que a estatística econômica não pesca e blábláblá. Por fim, entre um Banco Central doidão e um mais dado à retranca, em geral é melhor escolher a prudência.
Isto posto, o fato da vida é que um país em depressão como o Brasil terá vivido com inflação abaixo da meta por três anos. É também fato que houve erros extravagantes de previsão de PIB e de inflação medida pelo IPCA (desde o fim da recessão superestimados por consultorias e economistas de banco ouvidos semanalmente pelo BC). É bem provável que parte desses erros feios se deva à subestimação do efeito de uma taxa de juros fora do lugar, em alturas indevidas.
Não se quer dizer que o crescimento da economia poderia ter sido maior de modo notável. No entanto, a despesa de governo, empresas e mesmo famílias com juros poderia ter sido menor caso a taxa básica da economia, a Selic, tivesse sido menor. Quem paga essa conta?
Economistas-padrão não costumam se comover com tal argumento. Apesar de se preocuparem, corretamente, com a dívida pública exorbitante e que ainda cresce sem limite, parecem acreditar que essa despesa extra com juros é uma espécie de fato da natureza ou dano colateral aceitável de uma política monetária (de taxa de juros) que não é perfeitamente calibrável.
Além do mais, no “longo prazo” isso não faria diferença, dizem. Mas, no curto prazo, a dívida pública ainda vai às alturas, um motivo de não enxergamos melhorias em prazo algum.
Recentemente, a nova equipe do Banco Central divulgou projeções de inflação menores, em parte, ao que parece, porque o impacto da desvalorização da moeda (“alta do dólar”) sobre a inflação seria menor.
Provavelmente, a economia parece acomodar de modo mais suave choques de preços em geral. Além do mais, ainda está tão morta que mal reage —note-se que o salário médio no país não cresce desde abril (nas comparações anuais).
Seja como for, as projeções e comunicados do BC causaram um certo sururu entre povos do mercado. Como se diz por aí: “sério?”. O povo se incomodou com uma estimativa de inflação dois ou três décimos menor e, assim, com as perspectivas oficiais mais otimistas para a queda de juros. O mesmo povo que errou grosseiramente as estimativas de PIB e inflação dos últimos dois ou três anos. Hum.
Será preciso apresentar argumentos melhores para dizer que o Banco Central está abrindo a porteira —ou melhor, que está pensando em abri-la. Que abra e que acabe também com o mata-burro.
Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).