quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Zema encaminha privatização de estatal que tem direito a exploração de nióbio, FSP

Governador de Minas Gerais afirmou ainda que objetivo é vender 'todas as empresas de Minas'

Fernanda Canofre
BELO HORIZONTE
A Codemig (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais) é a primeira estatal mineira a ser encaminhada para privatização pelo governo de Romeu Zema (Novo). O projeto de lei com a proposta foi protocolado nesta quarta-feira (9) na Assembleia Legislativa.
Em falas públicas, desde o início do ano, Zema citava sempre a Cemig (energia) como estatal na mira da privatização. Por lei, o estado deve convocar referendo para venda dela e da Copasa (água e saneamento). A opção pela Codemig, segundo o governo, foi pela importância dela para o fluxo de caixa do estado.
“Temos que lembrar que nossa intenção é privatizar todas as empresas de Minas. Estamos enviando inicialmente agora a Codemig, mas é nossa intenção que vá a Cemig, a Copasa e a Gasmig [gás]. Não há, quando se fala de Legislativo, um cronograma definido. [...] Um casamento para dar certo não é porque marcou a data, depende do desenrolar do namoro”, afirmou Zema a jornalistas.
A Codemig detém os direitos de exploração da jazida de nióbio em Araxá —terra do governador, e onde está a maior concentração mundial do minério. Beneficiamento, industrialização e venda do nióbio são feitos pela CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração), que repassa 25% dos lucros líquidos para o estado.
Os valores da empresa são subjetivos e ainda devem ser definidos por um estudo, segundo o secretário da Fazenda, Gustavo Barbosa. Antes da venda, o governo pretende antecipar os recebíveis da participação na venda do nióbio como garantia para tomar um empréstimo com valores entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões. A ideia é que a venda deles seja feita em leilão.
“Na minha opinião, a Codemig é a empresa que mais vale. O outro motivo que, sem dúvida alguma fez com que o governador a colocasse primeiro, é porque é uma empresa que não mexe diretamente com a população, não é empresa de água ou luz”, avaliou o secretário de planejamento e gestão, Otto Levy.
O governo encaminhou ainda à Assembleia pedido de autorização para solicitar à União a adesão ao regime de recuperação fiscal (RRF), e pedido de autorização para antecipação dos recebíveis a que a Codemig tem direito até 2032. O RRF é defendido pelo atual governo como única saída para a crise. 
Os três projetos foram apresentados pela manhã aos líderes das bancadas da Assembleia Legislativa e protocolados à tarde na Casa. Eles fazem parte do programa batizado como “Todos por Minas” e são os primeiros de uma série de outros que virão, segundo Zema. O número total não foi especificado.

DIÁLOGOS COM A ASSEMBLEIA

Para dar encaminhamento a eles, porém, o governo depende da aprovação da ALMG. A assembleia mineira tem hoje quatro blocos —um de situação, um de oposição e dois independentes. Entre 77 parlamentares, 22 estão na bancada do governo. Projetos do executivo tem encontrado dificuldade no plenário e em votações.
Zema diz que tem dialogado com os partidos e avalia sua relação como “melhor possível”. O governador comparou sua situação com a do governo de Jair Bolsonaro (PSL), que também não tinha maioria no Congresso, mas conseguiu a aprovação da reforma da Previdência.
“Tenho mostrado que o nosso governo levantou, não a bandeira do partido A, B ou C, não é a bandeira da ideologia A, B ou C, é a bandeira de Minas e que temos que estar unidos. Eu tenho percebido que eles têm visto essa intenção nossa real”, afirmou.
Bilac Pinto (DEM), atual secretário de governo, deixou a Câmara para assumir a articulação entre os poderes no governo mineiro no final de agosto e diz que a gestão Zema é “aberta, transparente e que mantém sempre um diálogo aberto com o Legislativo”. 
“A reunião com os líderes foi para fazer uma apresentação do plano de recuperação fiscal, que vai ser enviado à Assembleia. Os parlamentares de Minas têm consciência da situação financeira que estamos passando, das dívidas que o estado tem”, diz Bilac.
Segundo o governo, a dívida atual de Minas Gerais chega a R$ 108 bilhões. O estado tem passivo de despesas deixados pela gestão de Fernando Pimentel (PT) de R$ 34,5 bilhões e a projeção é que o déficit de 2019 chegue a R$ 15,1 bilhões —cerca de R$ 4 bilhões a mais do que a previsão do início do ano.
Liminares no Supremo Tribunal Federal (STF) suspenderam o pagamento da dívida de MG com a União, mas, caso elas fossem derrubadas, o estado teria de pagar imediatamente R$ 9,4 bilhões aos cofres federais —o equivalente a três folhas mensais de pagamento.
Com a assinatura do RRF, criado no governo de Michel Temer (MDB) para socorrer estados em crise, o pagamento da dívida ficaria suspenso por três anos, podendo ser renovado por mais três.  
O Rio de Janeiro foi o primeiro estado a aderir ao plano. Em maio, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, disse que Minas Gerais estava mais avançado para assinar o acordo que o Rio Grande do Sul. O estado superou os limites de despesa com pessoal permitidos pela lei de responsabilidade fiscal.

Elio Gaspari Quando foi que isso tudo começou? FSP

Plateia que aplaudiu 'Tropa de Elite' em 2007 mandou um sinal e ele materializou-se na eleição de 2018

Em 2007, o filme “Tropa de Elite” mostrava uma cena na qual o capitão Nascimento, do Bope da PM do Rio, queria saber onde estava o traficante “Baiano”, espancava um jovem e mandava que o torturassem asfixiando-o com um saco de plástico. Esse momento foi aplaudido em muitas salas do país.
Passaram-se 12 anos, Jair Bolsonaro está no Planalto e Wilson Witzel (Harvard Fake ‘15) governa o Rio de Janeiro. Durante a campanha do ano passado o capitão-candidato foi a um quartel do Bope, discursou e repetiu o grito de guerra de “Caveira!”. Eleito governador, Witzel anunciou sua plataforma para bandidos que empunhassem fuzis: “A polícia vai mirar na cabecinha e... fogo!”.
As plateias de “Tropa de Elite” haviam mandado um sinal e ele materializou-se na eleição. Tudo começou ali. O cidadão que aplaudiu a cena da tortura acreditava que aquele deveria ser o jogo jogado, reservando-se o direito de achar que só se deve torturar quem se mete com traficante ou que só se deve acertar a cabecinha do sujeito que vai para a rua com um fuzil.
Wagner Moura como capitão Nascimento em cena do filme 'Tropa de Elite' (2007)
Wagner Moura como capitão Nascimento em cena do filme 'Tropa de Elite' (2007) - Divulgação
Passou-se um ano, não se sabe como o ex-PM Fabrício Queiroz “fazia dinheiro”, e a polícia do Rio acerta não só cabecinhas de bandidos, como também crianças.
O cidadão do aplauso é capaz de fingir que não sabia que esse seria uma das consequências da sua manifestação de felicidade. Por trás da cena do capitão Nascimento havia muito mais.
O repórter Rafael Soares mostrou um aspecto desse desfecho. No dia 13 de novembro de 2014 um PM que servia no Bope tentou convencer o traficante “Lacosta” a executar um major que atrapalhava os negócios do setor: “Manda ver onde mora e quando ele for sair da casa, forja um assalto e rasga ele”.
Depois entrou em detalhes: “Glock com silenciador e carregador goiabada de 100 tiros pow vai brincar com ele. Esse cara tá com marra de brabo”.
Dois meses antes dessa conversa, a PM do Rio havia prendido 23 policiais acusados de extorsão. Entre eles estava o terceiro homem na hierarquia da corporação, sob cujas ordens ficavam os comandantes dos Bopes.
O dilema da segurança nas grandes cidades brasileiras nunca esteve num confronto simples, como a da retórica de Bolsonaro e Witzel, com o capitão Nascimento de um lado e o traficante “Baiano” do outro.
Nas camadas do meio estão policiais, milicianos e todas as combinações possíveis com a bandidagem. Aquilo que começou com o aplauso à cena de “Tropa de Elite” seguiu seu curso e transformou-se numa necropolítica.
Ela finge que combate o crime, mas contém o ingrediente que inibe esse propósito: o PM que queria “rasgar” o major, negociava com o traficante “Lacosta”, a quem chamou de “meu rei”, porque há quem precise de bandido vivo e solto. “Lacosta” vai bem, obrigado. A facção à qual ele se associou foi pioneira na criação de holdings com milícias.
Não há nada de novo nessa constatação. O ex-sargento da PM Ronnie Lessa, acusado de ter participado do assassinato da vereadora Marielle Franco, teve uma carreira complementar à sua atividade no Bope.
Foi guarda-costas de contraventor, teria ligações com a Escritório do Crime e na casa de um de seus amigos guardava 117 fuzis desmontados. Tinha amigos na milícia de Rio das Pedras e uma boa vida, a ponto de ter comprado uma boa casa no condomínio da Barra da Tijuca onde vivia o deputado Jair Bolsonaro.
Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

Há 27 anos o Acre perdia o governador Edmundo Pinto, assassinado a tiros em SP, O alto Acre.com

Sua morte ainda é envolta em mistério porque familiares e amigos não aceitam a hipótese de assalto comum

17 de maio de 1992, 5h30min de uma manhã de domingo. O locutor da Rede Globo, Galvão Bueno, transmitia o Grande Prêmio de Mônaco, a mais importante prova do calendário da Fórmula 1, disputado tradicionalmente num fim de semana de maio, em um circuito de rua, em Monte Carlo, o que exige dos pilotos muita precisão, devido a uma grande quantidade de curvas e a estreita largura das ruas que formam o percurso. O maior vencedor da história do evento é o brasileiro Ayrton Senna, que venceu ali em seis oportunidades e naquele ano de 1992 venceria mais uma vez. O Brasil inteiro vibrou com a vitória de seu já então grande ídolo nacional. Menos os acreanos.
Ex-governador Edmundo Pinto – Foto/internet
Naquela mesma manhã de domingo ensolarado, quando a vitória de Sena parecia inevitável, o locutor Galvão Bueno teve que guardar um pouco de sua alegria para anunciar, com voz pastosa e triste, que o corpo sem vida do governador do Acre, Edmundo Pinto, havia sido encontrado com marcas de dois tiros de revólver, no apartamento 704 do Hotel Della Volpi Gardem, na rua Frei Caneca, centro da capital de São Paulo. O Acre parou para tentar entender o que acontecia. Muitos lutavam para não acreditar no que era transmitido ao longo da corrida e se agarravam à vitória do piloto brasileiro para disfarçar uma dor que, para seus amigos e familiares, não para de maltratar e que se intensifica a cada aniversário daquela tragédia numa madrugada fria a qual, 27 anos depois, parece que ainda não terminou.
Edmundo Pinto era o segundo filho homem do comerciante Pedro Veras de Almeida, um dos muitos cearenses que ajudaram a colonizar o Acre, em meados do século passado. Levava o nome do avô e, segundo Pedro Veras, falecido exatamente 19 anos depois de ter que enterrar o filho governador, previra o próprio destino de glória e poder. Veras contava que, quando tinha por volta de cinco anos de idade, numa festa de aniversário em que alguém, um parente qualquer, perguntou o que aquela criança seria quando crescesse, o menino teria respondido, na lata:– Vou ser governador!
A promessa se cumpriria 32 anos depois, quando, aos 37 anos de idade, Edmundo Pinto se elegera governador, depois de ser vereador de 1983 a 1986 e deputado estadual de 1987 a 1990, quando candidatou-se ao Governo do Estado. Foi eleito em outubro de 1990, após uma acirrada disputa em segundo turno com o então desconhecido petista Jorge Viana, com uma diferença de pouco mais de 13 mil votos. Ficou governador eleito até março de 1991 por conta do interstício da Constituição de 1988, que previa posse de governadores só a partir do dia 15 do terceiro mês daquele ano. Sua posse, mais que um sonho de criança, era sobretudo a manifestação concreta de que, partir dali, o Acre seria governado por um homem abnegado e cheio de ideais de desenvolvimento.
Mas o homem que previra o destino de glória política, segundo reza a lenda de sua família, não poderia prever a própria tragédia, ocorrida tão longe de casa e em condições até hoje misteriosas. Edmundo Pinto deixou o Acre na manhã do dia 11 de maio, uma segunda-feira, após entregar o governo do Estado a uma amiga de longas datas, a desembargadora Miracele Lopes Borges, então presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, a quarta na linha de sucessão. Naquele dia, o então vice-governador Romildo Magalhães estava viajando a tratamento de saúde, o presidente da Assembleia, deputado Ilson Ribeiro, o terceiro na linha sucessória, acompanharia o governador na viagem, de sorte que a governadora seria Miracele Lopes Borges. Mas, uma semana depois, a desembargadora teve que abrir as portas do Tribunal de Justiça para as exéquias do governador.
Série de TV reproduziu a versão da polícia paulista para a morte do governador, cenas nas quais ninguém no Acre acredita
Edmundo Pinto fora assassinado num assalto cometido por ladrões pés de chinelo, disse a polícia paulista na conclusão do inquérito. Uma versão na qual, em todo o Acre, ninguém acredita porque, além das marcas de tiros, o governador foi encontrado com marcas de soco na boca e dentes quebrados – sinal de que tentara lutar com seu assassino. Outro fato estranho: a porta do apartamento não foi arrombada e o filho mais velho do falecido governador, o ex-vereador Rodrigo Pinto de Almeida, que hoje vive em Dubai, nos Emirados Árabe, que diz sofrer ameaças de morte, não tem dúvidas de que seu pai abrira a porta do apartamento do hotel para alguém conhecido, “gente que fazia parte de sua comitiva”.
Mais que um crime, 27 anos de mistério e saudades de um povo.