sábado, 5 de outubro de 2019

Ruy Castro - Recatada e do lar, FSP

De tempos em tempos, alguém vem com uma novidade sobre Marilyn ou Sinatra

Há dias, as agências falaram da última de Charles Casillo, uma espécie de biógrafo profissional de Marilyn Monroe. Num podcast disponível na Apple, ele afirma que Frank Sinatra queria se casar com Marilyn em 1961 e foi convencido por seus advogados a não fazer isto. Marilyn iria inevitavelmente se matar, disseram, e, quando acontecesse, o público poria a culpa nele. Segundo Casillo, Sinatra concordou e, claro, Marilyn "se matou", em 1962.
De tempos em tempos, alguém vem com uma novidade sobre Marilyn ou Sinatra. Outros descobrem a identidade de Jack, o Estripador, dão uma nova versão sobre o assassinato de John Kennedy ou descrevem em detalhes o monstro do lago Ness. E ainda outros deslindam o complô no Vaticano que matou o papa João Paulo 1º ou narram a história secreta de como Adolf Hitler e Eva Braun escaparam do bunker por um túnel e passaram incógnitos os 30 anos seguintes, dedicando-se à criação de marrecos na Argentina. Não faltam também os segredos sobre discos voadores que a Nasa tenta esconder. Sempre haverá quem leve essas cascatas a sério.
Mas esta de Sinatra e Marilyn não cola. Os dois geraram, nos últimos 60 anos, cerca de mil livros cada. Milhares de pessoas já foram ouvidas a respeito deles, permitindo um escarafuncho da vida e da obra de ambos, de modo a não restar mais a menor dúvida. 
Em 1961, Marilyn tinha um caso com John Kennedy, intermediado por Frank, e se iludia com a ideia de ser a primeira-dama dos EUA. Sinatra, por sua vez, estava de olho em Pat Kennedy, irmã do presidente e casada, mas em crise, com seu amigo Peter Lawford. Quando o affair com Kennedy acabou, Marilyn, que adorava Frank, achou que tinha uma chance de se casar com ele.
Mas não tinha. A não ser que largasse tudo, virasse uma mulher recatada e do lar e se dedicasse a lhe cozinhar macarrão —como Frank exigia de suas esposas.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

O paradoxo da bondade, FSP Hélio Schwartsman

O homem é bom, mas a sociedade o corrompe, ou é uma peste, e a civilização o mantém na linha?

SÃO PAULO
Podemos dividir os seres humanos em rousseauistas e hobbesianos. Os primeiros acreditam que o homem é bom, mas a sociedade o corrompe; os segundos acham que somos umas pestes e é a civilização que nos mantém na linha. Em “The Goodness Paradox” (o paradoxo da bondade), o primatologista Richard Wrangham (Harvard) aposenta essa dicotomia, dando razão a todos.
Para Wrangham, existem dois tipos de violência muito distintos: a reativa e a planejada. Elas diferem não só moral e juridicamente mas também no plano neurobiológico. No que diz respeito à violência reativa, os rousseauistas estão certos. O homem é o mamífero mais tolerante e pró-social de que se tem notícia. É verdade que às vezes nos irritamos com o próximo e podemos até matá-lo numa explosão de fúria, mas o fazemos numa escala incomensuravelmente menor do que a de nossos parentes mais próximos, não só que os belicosos chimpanzés como também os mais pacíficos bonobos.
O livro 'The Goodness Paradox', do primatologista Richard Wrangham
O livro 'The Goodness Paradox', do primatologista Richard Wrangham - Divulgação
Quando mudamos o registro da violência a quente para a premeditada, aí é Hobbes quem triunfa. Nossa capacidade de cooperar com aliados para matar aqueles que percebemos como inimigos é quase infinita.
Wrangham, numa prosa muito gostosa de ler, destrincha os mecanismos por trás de cada um dos dois tipos de violência e ainda apresenta uma hipótese bastante plausível para o homem ser ao mesmo tempo o mais pacífico e o mais violento dos primatas: a autodomesticação.
 
Retomando ideias de Christopher Boehm que já tive a oportunidade de expor aqui, Wrangham monta um bom caso em favor da tese de que a maior capacidade de cooperação entre humanos levou a uma sociedade que abominava machos alfa, banindo ou mesmo eliminando aqueles que se mostravam excessivamente dominantes. Não apenas seus genes foram excluídos do pool como os próprios indivíduos passaram a pensar duas vezes antes de agir de forma que parecesse muito egoísta. Nascia assim a moral.
helio@uol.com.br
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

China comunista, 70, FSP

Entre contradições internas, o gigante asiático ensaia papel de superpotência

Formação de mísseis nucleares durante as celebrações dos 70 anos da revolução chinesa - Liu Bin/Xinhua
O contraste de imagens na terça (1º) não poderia ser mais eloquente. Enquanto em Hong Kong um manifestante pró-democracia agonizava baleado no peito, em Pequim a ditadura fazia uma inaudita celebração nacionalista e militarista.
Os episódios ocorreram no dia em que foram comemorados 70 anos do moderno Estado chinês. Inicialmente inspirada pela experiência comunista soviética, a China reergueu-se aos poucos de seu passado de títere de atores estrangeiros e da devastação de guerras.
A partir de 1978, sob a liderança de Deng Xiaoping, tomou o rumo que conhecemos hoje, mesclando o centralismo socialista com a exploração capitalista extrema de suas enormes potencialidades.
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O resultado é notório. Segunda maior economia do mundo, vanguarda tecnológica em diversas áreas, expansão do PIB de astronômicos 3.500% em quatro décadas e centenas de milhões de pessoas tiradas da pobreza.
Os números brilham como os neons de cidades ultramodernas, mas escamoteiam problemas.
O regime é uma catedral opressiva construída sobre brutalidades como o Grande Salto Adiante, a Revolução Cultural, a anexação do Tibete, o massacre da Praça da Paz Celestial. A contagem de mortos chega às dezenas de milhões.
Ele lida também com questões estruturais associadas ao progresso, como ociosidade da infraestrutura monumental, a pobreza das áreas rurais e as dores do parto de uma sociedade de renda mais alta —e seus impactos, de demandas políticas a pressões ambientais.
Entretanto a contradição fulcral é a exposta nas ruas da antiga colônia britânica, onde até 2047 o poder total do Partido Comunista deverá compartilhar a paisagem com elementos da democracia liberal.
O híbrido é útil a Pequim, que explora a condição de Hong Kong como posto comercial avançado, mas o entrechoque entre desejo por liberdade e controle estatal sugere o germe de uma queixa mais ampla.
Nesse contexto opera Xi Jinping, o líder que a partir de 2017 imprimiu à ditadura um personalismo inexistente desde os tempos do fundador da nação, Mao Tsé-Tung. Ele vê uma China como superpotência que precisa ter expressão política compatível com a econômica.
O corolário de tal pretensão é o avanço bélico. Os chineses gastaram com defesa US$ 168 bilhões (R$ 687 bilhões) em 2018, montante só inferior ao desembolsado pelos americanos (quase o quádruplo), e o desfile de 70 anos foi um mostruário de armas destinadas a impressionar Washington.
Resta saber como Xi e os EUA irão se equilibrar entre acomodação e disputa, inclusive comercial.