sexta-feira, 27 de setembro de 2019

O QUE A FOLHA PENSA Bilhões com o pré-sal

Emenda constitucional remove obstáculo para leilão de petróleo ainda neste ano

Vista da plataforma da Petrobras P-52, em Campos, no Rio de Janeiro - Bruno Domingos - 27.nov.10/Reuters
Com a promulgação da emenda constitucional 102, deu-se passo necessário para a realização do tão esperado leilão da chamada cessão onerosa do pré-sal, marcado para 26 de novembro e com arrecadação estimada em R$ 106 bilhões. 
A mudança na Carta era essencial por retirar da contabilidade do teto de gastos federais o pagamento que a União fará à Petrobras e o repasse de 30% da receita para estados e municípios. Evita-se, assim, que o governo descumpra a regra que limita alta de despesas à variação da inflação do ano anterior. 
A estatal deve receber cerca de R$ 36 bilhões, devido à renegociação do contrato celebrado em 2010 com a União por meio do qual adquiriu o direito de explorar até 5 bilhões de barris na zona do pré-sal.
[ x ]
Como a quantia descoberta foi maior e os parâmetros econômicos mudaram, um novo entendimento entre as partes era a primeira condição para destravar um novo leilão do óleo excedente. 
Descontado esse montante, ainda por ser referendado pelo Tribunal de Contas da União, o Tesouro Nacional receberá esperados R$ 70 bilhões como bônus de assinatura, mas terá que dividir 30% com os demais entes federativos.
O Senado fixou partes iguais de 15% para governos estaduais e municipais. A divisão do dinheiro, porém, ainda será objeto de disputa política no Congresso. 
Para não atrasar o leilão e viabilizar o envio do projeto de lei orçamentária ao Legislativo no prazo legal (até 15 de outubro), houve acordo com o governo para a promulgação apenas da parte relativa à exclusão das despesas do teto. 
Os congressistas, em boa hora, inseriram no texto um dispositivo que proíbe o uso dos recursos do pré-sal para pagamento de salários e aposentadorias. Mas não é claro que será assim na prática, dado o histórico de criatividade dos governantes e a força das corporações de servidores. 
Sem reformas que permitam um efetivo controle dos gastos com pessoal, cedo ou tarde qualquer montante será consumido com essas rubricas. A rigidez orçamentária cresce em todos os entes. 
Nesse sentido, é positivo que a negociação da divisão das receitas ainda esteja aberta. Idealmente, qualquer alívio para governadores e prefeitos deve estar associado a contrapartidas efetivas de ajuste.

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

É hora de distribuir a riqueza, diz Thomas Piketty, FT

É hora de distribuir a riqueza, diz Thomas Piketty

Em novo livro, premissa do autor é de que a desigualdade é uma escolha política

Simon Kuper
FINANCIAL TIMES
O novo livro de Thomas Piketty, "Capital e Ideologia", sai em tradução inglesa em março do ano que vem. Eu consegui uma amostra prévia ao entrar na minha livraria local em Paris e pagar 25 euros (R$ 113,36) pela edição francesa. Minha conclusão: o tomo de 1,2 mil páginas será ainda mais influente politicamente que "Capital no Século 21", o estudo do economista francês sobre a desigualdade, publicado em 2013.
Ajudada um pouco por aquele livro, a desigualdade galgou a agenda da esquerda, especialmente nos Estados Unidos e no Reino Unido, dois países especialmente desiguais. Agora, Elizabeth Warren tem uma oportunidade de se tornar a presidente dos Estados Unidos que mais apoia uma redistribuição de renda desde Franklin Roosevelt, enquanto no Reino Unido um líder trabalhista elegível, pós-Jeremy Corbyn, poderia merecer definição semelhante.
Piketty explica por que esse pode ser o momento para uma virada rumo à igualdade, e que políticas públicas fariam com que isso acontecesse.
Em novo livro, premissa do autor é de que a desigualdade é uma escolha política - Joel Saget - 10.set.2019/AFP
A premissa dele é de que a desigualdade é uma escolha política. É algo por que as sociedades optam, e não um resultado inevitável da tecnologia e da globalização. Enquanto Marx via a história como uma luta de classes, Piketty a vê como uma batalha de ideologias.
Cada sociedade desigual, ele afirma, cria uma ideologia para justificar a desigualdade. Isso permite que os ricos durmam confortavelmente em suas mansões enquanto os moradores de rua congelam do lado de fora.
Em sua história excessivamente ambiciosa da desigualdade, da antiga Índia aos modernos Estados Unidos, Piketty relata as justificativas recorrentes ao longo do tempo: "As pessoas ricas merecem sua riqueza". "Efeito cascata". "Restituição via filantropia". "Propriedade é liberdade". "Os pobres não fazem por merecer". "Assim que você começa a redistribuir riqueza, não saberá quando parar, e haverá caos" —um argumento favorito pós-revolução francesa.
"O comunismo fracassou". "O dinheiro irá para os negros" —um argumento, diz Piketty, que explica por que a desigualdade continua mais alta em países nos quais existem divisões históricas entre as raças, como o Brasil, a África do Sul e os Estados Unidos.
Outra justificativa comum, que ele não menciona, é que "impostos altos são punitivos" —como se a principal questão fosse a suposta psicologia por trás da redistribuição, em lugar de seus efeitos reais.
Todas essas justificativas, somadas, resultam no que ele designa como "sacralização da propriedade".
Mas hoje, Piketty escreve, "a narrativa 'proprietarista' e meritocrática" está se tornando frágil. Há uma crescente compreensão de que a assim chamada meritocracia foi capturada pelos ricos, que colocam seus filhos nas melhores universidades, compram partidos políticos e escondem seu dinheiro da tributação.
[ x ]
Além disso, aponta Piketty, os ricos são em sua maioria esmagadora homens, e seus estilos de vida tendem a ser muito prejudiciais ao meio ambiente. Donald Trump, um herdeiro sexista que nega a mudança do clima e foi eleito presidente sem divulgar suas declarações de renda, personifica o problema.
De fato, o apoio à redistribuição está crescendo ainda mais rápido do que Piketty reconhece, especialmente nos Estados Unidos. O número de americanos que desconfiam dos bilionários é duas vezes mais alto do que o de americanos que os admiram, de acordo com uma pesquisa do HuffPost/YouGov.
A geração milênio suspeita especialmente do sucesso. Os adultos americanos de menos de 30 anos dizem acreditar mais em "socialismo" do que em "capitalismo", de acordo com pesquisas do Gallup. Essa geração é dona de propriedade insuficiente para que deseje sacralizá-la.
Os partidos de centro-direita do Ocidente optaram pelo populismo porque sua história de baixa tributação e Estado pequeno não convence mais. O populismo de direita se dirige ao clima antielite e antimeritocracia que existe hoje.
No entanto, redireciona o debate da propriedade para o que Piketty define como "a fronteira". Isso deixa uma brecha no mercado político para ideias redistributivas. Estamos agora em uma conjuntura mais ou menos como a de 1900, quando a desigualdade extrema ajudou a lançar partidos comunistas e sociais democratas.
Piketty estabelece a nova agenda redistributiva. Apela por "justiça educacional" —essencialmente, gastar a mesma quantia na educação de cada pessoa. Favorece dar aos trabalhadores uma influência considerável sobre a maneira pelas qual empresas são dirigidas - como acontece na Alemanha e Suécia. Mas sua principal proposta é para impostos sobre a riqueza.
Longe de abolir a propriedade, ele deseja expandi-la à metade mais pobre da população, que mesmo nos países ricos jamais teve muita coisa. Para fazê-lo, ele diz, é preciso redefinir a propriedade como "temporária" e limitada: uma pessoa pode desfrutar dela durante sua vida, em quantidade limitada.
Ele propõe impostos sobre a riqueza da ordem de 90%, para os bilionários. Dos proventos assim obtidos, um país como a França poderia criar para cada cidadão um fundo de 120 mil euros, ao qual ele teria acesso aos 25 anos. Piketty aponta que impostos muito altos não impediram o crescimento, entre as décadas de 1950 e 1980.
Warren (assessorada por economistas que trabalham com Piketty) está propondo impostos anuais de 2% sobre domicílios com patrimônio de mais de US$ 50 milhões (R$ 207 milhões) e de 3% sobre os bilionários. Ela projeta que isso afetaria 75 mil domicílios e resultaria em arrecadação de US$ 2,75 trilhões (R$ 11,1 trilhões) em dez anos. Pesquisas sugerem que a maioria dos americanos gosta da ideia.
Paradoxalmente, os Estados Unidos plutocráticos podem ser o terreno ideal para o imposto sobre a riqueza. Mark Stabile, economista do Insead, aponta que, primeiro, os americanos ricos agora têm tanto patrimônio que, mesmo que Warren capture apenas uma pequena proporção dele, o valor arrecadado poderia ser alto; segundo, os americanos são tributados com base em sua cidadania, e assim transferir riqueza ao exterior não os salvaria (e Warren imporia tributos de saída altos para quem renunciasse à cidadania dos Estados Unidos); por fim, pense no SwissLeaks e no Panama Papers: agora sabemos muito mais sobre como os ricos escondem seu dinheiro.
Os defensores da desigualdade virão com as justificativas usuais. Mas hoje estamos diante da melhor chance para os partidários da redistribuição."Capital et idéologie", editora Seuil, França
 
Tradução de Paulo Migliacci

7 fatos que você deve saber sobre o hambúrguer de plantas, FSP

Hoje, mas cedo, a jurada do MasterChef Paola Carosella soltou um tuíte que deixou os veganos e os antiveganos em pé de guerra.
Vamos, primeiro, ao tuíte da Paolla:
“Experimentei, por curiosidade, o ‘hambúrguer’ de plantas ‘sabor carne’. Não é hambúrguer, não tem gosto de carne nem textura de carne –o que é óbvio, pois não é carne. Gorduroso, pastoso, desagradável. Uma bosta ultraprocessada oportunista no momento de maior confusão alimentar da história.”
Paola tentou argumentar que não atacava o veganismo, mas a indústria de processados. Não adiantou. Ativistas veganos continuaram a acusá-la de jogar contra o movimento, com argumentos do naipe destes aqui:
“Que solução você propõe para difundir mais o veganismo então, Paola? Sou vegano e não sou o maior fã desse produto, mas pelo menos tem aberto portas pra mais gente conhecer o movimento.” (@HU6OS)
“Cara, o importante é parar de comer carne. (…) A forma que as pessoas aderem ao vegetarianismo/veganismo pouco importa, né?” (@igaidys)
“[O veganismo] não é uma dieta. É uma opção de vida.” (@comunafeminista)
O mais bizarro de tudo é que Paola atraiu a empatia dos bolsominions –que apoiam qualquer posição contrária ao pensamento progressista. Triste.

(Break comercial: siga e curta a Cozinha Bruta nas redes sociais.  Acompanhe os posts do Instagram, do Facebook  e do Twitter.)

Vamos aos fatos sobre o hambúguer vegano.

  1. Não é hambúrguer. Não deveria ser chamado de hambúrguer para não confundir o consumidor. Hambúrguer, a rigor, é feito com carne de boi. Existem, porém, produtos de frangopeixecordeiro e porco que são vendidos como hambúrguer. Tópico passível de alguma controvérsia, portanto.
  2. São, sim, ultraprocessados, como a mortadela, a salsicha e os nuggets de frango. O que define isso? Processados são alimentos que passam por procedimentos industriais que preservam a forma e o gosto originais dos componentes principais. Exemplos: azeitona em conserva, frango temperado, copa defumada, feijão pronto, arroz parboilizado. Nos ultraprocessados, tudo é misturado de forma a mascarar formas e sabores naturais. Exemplos: cereais matinais, hambúrgueres congelados, biscoitos recheados, creme de queijo.
  3. Seu valor nutricional é semelhante ao dos similares feitos de carne –falo das marcas que entraram recentemente no mercado, com a promessa de ter gosto e textura de carne. Ou seja, pífio.
  4. Alegando segredo industrial, as empresas que fabricam esses produtos omitem ingredientes na embalagem. Listam termos como “condimento preparado sabor carne” e “aroma natural”, sem dizer o que há nessas coisas.
  5. A base dos hambúrgueres vegetais é a mesma desde o século passado: proteína de soja. Se eles melhoraram na textura e no sabor, é mérito da indústria alimentícia e seus pozinhos mágicos tipo Sazón.
  6. Não têm gosto de carne. Não têm textura de carne. É tudo ilusão e embuste.
  7. A militância vegana apoia esse tipo de alimento porque é uma arma poderosa na evangelização. Como disse a autora de um tuíte citado acima, os fins justificam os meios.

O debate, algo rotineiro nas redes sociais, desce às catacumbas da indigência intelectual. Tem até gente que zomba de Paola, que é argentina, por cometer erros de português (o que não deveria acontecer “se ela gosta de viver no Brasil”). Podre. Mas não é esse o assunto do post.
Dito tudo isso, cada um come o que quer. E quem quer enganar a si próprio, que o faça. Fui.