sábado, 21 de setembro de 2019

CNN chega no Brasil em meio a incertezas sobre isenção em relação ao governo, FSP

Licenciada por empreiteiro apoiador de Bolsonaro, emissora já enfrenta um racha com a Record

Nelson de SáJulio Wiziack
SÃO PAULO e BRASÍLIA
​Ainda há uma chance de que aconteça em dezembro, mas o mais provável é que a CNN Brasil só estreie no ano que vem. É quando deve viabilizar os equipamentos e a presença nas principais operadoras de TV paga.
Só então virá a resposta definitiva à maior indagação sobre o novo canal de notícias, que projeta chegar a 400 jornalistas e produtores, uma das maiores redações do país —se será isento ou, como é a CNN Turquia, um veículo de apoio ao governo.
Folha ouviu executivos nas últimas semanas, seguidas vezes, para levantar os principais questionamentos e as respostas a eles.
A exemplo da CNN turca, a brasileira foi licenciada por um investidor local, Rubens Menin, que detém 99% das ações da Novus Media, empresa por trás do novo canal e para a qual indicou seu filho como presidente.
O restante 1% é de Douglas Tavolaro, que trocou a vice-presidência de jornalismo da Record pela presidência-executiva do canal.
Menin, que defende publicamente o governo de Jair Bolsonaro, a ponto de questionar até a cobertura internacional sobre a Amazônia, tem interesse direto em decisões federais.
CNN matéria para a Ilustrada (Ilustração @jairomalta)
Ilustração de Jairo Malta - Jairo Malta
Em julho, por exemplo, se reuniu com o presidente para falar contra a liberação dos saques do FGTS, medida que teria impacto negativo sobre sua construtora, a MRV, a maior do programa Minha Casa Minha Vida.
A resposta aos temores de que o canal seja um esquema para apoiar Bolsonaro é que isso, na verdade, levaria a um processo por parte da CNN americana —que está acionando o canal turco.
Quanto à dependência de recursos federais, a resposta é que a construtora não é o único nem o maior negócio da família Menin, também dona do Banco Inter, hoje com valor de mercado superior.
 
Além do controlador local, também a AT&T —gigante americana de telecomunicações que no ano passado comprou a Warner, da qual a CNN faz parte— tem interesse direto em decisões federais.
 
Precisa do governo para aprovar a fusão com a Warner no Brasil, última etapa mundial de um negócio complexo que começou há três anos.
Seu presidente, Randall Stephenson, esteve com Bolsonaro há três semanas e obteve apoio para tanto, mas nesta semana voltou a enfrentar obstáculos no Congresso.
A expectativa na CNN Brasil, que Stephenson visitou um dia após se encontrar com Bolsonaro, ainda é que a mudança acabe passando, dada a convergência partidária sobre o tema em Brasília.
Com a fusão, a AT&T poderia manter o controle da Sky, a segunda maior operadora de TV paga do país, 
que praticamente já fechou a negociação de carregamento do novo canal brasileiro.
Também estão em curso negociações com as demais operadoras. Hoje elas não são obrigadas a remunerar emissoras com baixa audiência, mas no caso da CNN, que ainda não estreou, os executivos dizem ter conseguido remuneração devido ao valor da marca.
Outro questionamento da CNN Brasil se refere à sua relação com a Record, onde Tavolaro foi um dos principais executivos por 17 anos. A Folha ouviu relatos que confirmaram um afastamento entre o agora presidente-executivo da CNN Brasil e os bispos que comandam a rede de Edir Macedo, inclusive uma crescente concorrência por investimento publicitário e por profissionais.
Nesta semana, a contratação de Reinaldo Gottino pelo novo canal, que tirou um dos principais apresentadores da Record, foi dada como um marco, evidenciando o distanciamento.
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Em seguida, o Jornal da Record de sexta (20) produziu um ataque à MRV de Menin, destacando milhares de ações de clientes que teriam sido lesados pela empreiteira.
Por outro lado, a Record News, eventual concorrente da CNN Brasil, está saindo de cena para dar lugar no início do ano que vem a uma programação voltada a aparelhos móveis e a jovens —em preparação 
por Rogério Gallo, um executivo de entretenimento conhecido pelo trabalho na MTV.
A concorrente do novo canal será a Globo News. É para enfrentá-la que terá 24 horas diárias, pelo menos 16 delas ao vivo, com apresentadores como William Waack, que vai levar para lá seu Painel WW.
A equipe total deve alcançar 700 profissionais espalhados pela sede, na avenida Paulista, Brasília e Rio, mais correspondentes em Nova York e Londres, de onde Evaristo Costa, ex-Globo, comandará uma revista semanal aos domingos.
O modelo de negócio prevê redução de custos, aproveitando-se da reforma trabalhista, com funcionários ligados à administração devendo ser terceirizados —e os contratos com estrelas como Monalisa Perrone, tirada da Globo, se baseando na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
O plano prevê um contrato com a produtora Casablanca, que fornecerá parte das câmeras e dos “switchers”, as mesas de edição, mas muitos dos equipamentos têm que ser adquiridos com os fornecedores da CNN americana.
As encomendas foram feitas, mas as fábricas na China e nos EUA estão atrasadas, o que é dado como um dos motivos para o adiamento da estreia.
O contrato de licenciamento prevê que a CNN original forneça todo tipo de conteúdo para a franquia brasileira —e que esta, quando acionada, produza conteúdo 
em inglês para a edição global.
Segundo representantes do governo, dirigentes da CNN Brasil disseram prever investimentos de R$ 700 milhões, ao longo de dez anos, valor que não foi confirmado pelo canal.

NÚMEROS DA CNN BRASIL

R$ 700 milhões
projeção de investimento em dez anos *
700
previsão do número de funcionários
400
dos funcionários serão jornalistas
24 horas
de programação
16 horas
de conteúdo ao vivo
4.000
metros quadrados na sede, na av. Paulista
99%
das ações sob controle de Rubens Menin
1%
das ações é de Douglas Tavolaro, CEO
US$ 1,1 bilhão
é a fortuna de Menin, segundo a Forbes
* apuração junto ao governo federal

O fim do neoliberalismo, Rodrigo Zeidan , FSP

Ele nunca existiu de fato no Brasil, mas sempre serviu de culpado de conveniência

O neoliberalismo acabou, embora não tenha sido enterrado como deveria. Não há ações mundiais coordenadas neoliberais, como havia no passado. E o neoliberalismo nunca de fato existiu no Brasil, embora sempre tenha servido de culpado de conveniência em uma sociedade que abusa do uso do sujeito indeterminado.
Havia duas essências neoliberais, na política e economia. Em termos econômicos, o Consenso de Washington representava essa doutrina, com uma lista de dez políticas (agregadas por John Williamson em 1989) que pavimentariam o caminho para países em desenvolvimento se tornarem ricos.
Dentre as dez políticas, algumas estavam claramente erradas, como a prescrição de câmbio puramente flutuante e desregulamentação do setor financeiro, enquanto outras se encaixariam como bandeiras da esquerda, como uma reordenação dos gastos públicos para políticas pró-crescimento e pró-pobres, com foco em educação, saúde e infraestrutura. Mas nenhum país emergente jamais adotou todas elas.
Por exemplo, o Brasil nunca teve câmbio sem intervenção do Banco Central, não fez reforma tributária, não liberalizou as taxas de juros ou o comércio e continuou regulando mercados produtivos e financeiros. Dos dez "mandamentos", o Brasil privatizou alguma coisa, teve por um tempo um superávit primário, manteve direitos de propriedade e liberou a entrada de capitais para investimentos produtivos e financeiros.
Ou seja, nunca fomos neo ou mesmo liberais de verdade, nem pra poder reclamar (isso não quer dizer que algumas políticas, como a reforma trabalhista, não se encaixariam num ideário neoliberal, mas fazer uma reforma não significa comprar todo o pacote).
Do ponto de vista político, a ideia do neoliberalismo é a de que os interesses do capital, do malvado FMI e da burguesia local se sobreporiam às dos pobres brasileiros. Mas, de novo, isso nunca aconteceu. Os interesses do capital (se bancos fossem tão poderosos, não pagariam 50% de imposto de renda) e dos gringos são espantalhos para criar uma aura de superioridade moral para quem se diz defensor dos pobres e oprimidos. 
Banqueiros e empreiteiros não decidem como deve funcionar o país. Somos um país de guildas. Elas é que detêm o poder. Não são interesses difusos que tornam o Brasil ingovernável, mas sim o fato de que cada guilda quer o seu quinhão.
Militares vão ganhar aumento. Advogados federais exigem dois meses de férias. Funcionários públicos lutam contra qualquer reforma da Previdência. Sindicatos de empresários querem manter a economia fechada. Ruralistas querem liberar agrotóxicos e desmarcar terras indígenas. Nossa economia é feudal, com cada dono de capitania hereditária querendo levar o seu (no caso da previdência de alguns, o direito de se aposentar ganhando muitas vezes mais que na ativa).
Quem dera esse governo fosse neoliberal, com o superministro empenhado numa agenda de reformas que, pro bem e pro mal, fosse debatida para que decidíssemos em qual ordem as guildas perderiam seu poder. Nada disso.
A extrema direita é só conservadora de baixo nível, os neoliberais não vão vir de noite roubar nossas criancinhas, e a esquerda só vai virar progressista no dia que abandonar esse espantalho.
Somos feudais e o governo de extrema direita é o melhor exemplo disso. Para mudar, primeiro precisamos chegar no século 21, abandonando o uso do sujeito indeterminado e superando discussões da década de 80.
Rodrigo Zeidan
Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.