terça-feira, 3 de setembro de 2019

Hélio Schwartsman Em busca de um culpado FSP

De quem é a culpa pela crise dos opioides? A predileção americana por decidir tudo nos tribunais parece ter chegado a uma conclusão. Laboratórios que produzem os analgésicos que deflagraram a epidemia estão sendo processados por estados, condados e municípios. Há mais de 2.500 ações em curso.
Na semana passada, um juiz de Oklahoma condenou a Johnson & Johnson a indenizar o estado em US$ 572 milhões. Em muitos casos, as farmacêuticas preferem fechar acordos e evitar o julgamento. Estima-se que o total de indenizações possa chegar a US$ 40 bilhões, o que ainda seria insuficiente para cobrir os custos com a epidemia, que provocou a morte de 72 mil pessoas por overdose em 2017 e deve ser responsável por mais 500 mil óbitos ao longo da próxima década.
Não há dúvida de que laboratórios estão entre os principais responsáveis pela crise. Foram eles que desenharam os estudos enviesados que levaram à aprovação das drogas e promoveram um marketing que fica entre o criminoso e o irresponsável. É justo que paguem por isso.
É importante, porém, notar que as farmacêuticas não são a única parte com culpa no cartório. A epidemia só adquiriu as proporções que adquiriu porque médicos e até dentistas, contrariando tudo o que se sabia sobre o potencial dos opioides para provocar dependência, prescreveram tão liberalmente essas drogas que elas se tornaram, nos anos 90, a classe de fármacos mais vendida nos EUA.
Reguladores e a própria arquitetura do sistema de saúde americano, que estimula o uso de medicamentos em detrimento de outras abordagens, também têm seu quinhão de responsabilidade.
Assim, se a meta é só encontrar um bode expiatório, condenar os laboratórios funciona bem. Se o propósito, porém, for aprender algo com os erros e evitar crises semelhantes no futuro, então há muito mais roupa suja para ser lavada --e não apenas nos tribunais.
 


Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

Estrella Galicia acelera startups no Brasil para modernizar cervejaria centenária, FSP

Amon Borges
A Estrella Galicia é uma das principais marcas de cerveja da Espanha. O rótulo faz parte da Hijos de Rivera, que também é dona da 1906 —que recebe o ano devido ao ano de abertura da empresa. A companhia centenária continua com o capital fechado, sob domínio da família Rivera, e está com forte empenho em modernização.
Para atingir esse objetivo, uma das estratégias está voltada para o ecossistema empreendedor, mais precisamente o de startups. A empresa traz para o Brasil o programa TheHop, que acelera esse tipo de negócio inovador e escalável.
A ideia é selecionar startups nacionais que tenham relação com a cadeia de valor da cervejaria e suas diversas áreas —que vai da produção da cevada à entrega do produto final ao consumidor. As inscrições podem ser feitas a partir desta segunda (2) e ficam abertas até 30 de setembro no site thehopbrazil.xyz.
A fase final deve contar com 15 finalistas que vão se apresentar em 15 de outubro. Por esta peneira, vão passar os cinco selecionados para receber mentoria e treinamentos com executivos da Hijos de Rivera —tanto no Brasil quanto na Espanha, aonde irão para uma imersão por uma semana.
Juan Paz, diretor-geral da Estrella Galicia no Brasil, na 1ª edição do TheHop na Espanha (Divulgação)
Juan Paz, diretor-geral da Estrella Galicia no Brasil, na 1ª edição do TheHop na Espanha (Divulgação)
O diretor-geral da Estrella Galicia no Brasil, Juan Paz, destaca que propostas de tecnológicas ligadas a inteligência articial, big data e internet das coisas estão entre os pontos buscados pela cervejaria espanhola. “A Estrella quer cocriar com essas startups. Está no nosso plano de transformação digital”, afirma ele, que cita também buscar soluções para ecommerce, pontos de venda e logística, por exemplo.
Esta será a primeira edição do TheHop no país, mas a segunda do programa, que teve início em 2018 na Espanha.
Foram 423 startups inscritas no processo europeu, com 18 finalistas. Seis chegaram à fase de aceleração. Entre elas a paulistana Flexsas, que desenvolveu uma espécie de Airbnb para armazéns e centros de distribuição, explica Paz. A solução basicamente reduz custos para a construção de vários centros pela empresa e faz com que quem já tenha um armazém com espaço ocioso alugue para outras companhias.
“Estamos trabalhando com eles para uma solução real”, ressalta Juan Paz.
O Brasil é o segundo principal mercado para a companhia, que não abre os números. Juan Paz cita alguns desafios em relação à terra natal: “A complexidade própria do mercado brasileiro atrelada à parte tributária e logística.”

A fraude contra os agricultores dos EUA, Paul Krugman, FSP

Donald Trump é impopular, mas retém a lealdade de alguns grupos importantes. Entre os mais leais estão os agricultores americanos, que representam uma pequena minoria da população mas exercem influência política desproporcional por causa do nosso sistema eleitoral, que dá aos 3,2 milhões de moradores do Iowa o mesmo número de senadores que aos 40 milhões de californianos.

De acordo com uma pesquisa recente, 71% dos agricultores apoiam o desempenho de Trump —uma queda ante a pesquisa anterior, mas nível de apoio muito superior ao que ele obtém na média nacional.
Mas os agricultores estão sofrendo financeiramente. Os investidores estão preocupados sobre uma possível recessão que afete a economia como um todo, mas a recessão agrícola já chegou, com queda de renda, alta nos níveis de inadimplência e uma disparada no número de falências. E os problemas da economia agrícola derivam diretamente das políticas de Trump.
O presidente americano Donald Trump na Casa Branca, em Washington - Yuri Gripas/Reuters
Essa aparente contradição —Trump vem causando os maiores danos às pessoas que mais o apoiam— não é acidente. O apoio passado dos agricultores a Trump era previsível. A demografia e a cultura da América rural (branca) a tornam um terreno fértil para políticos que prometem restaurar a sociedade tradicional, e especialmente a hierarquia racial tradicional.

Mas os problemas financeiros dos agricultores também deveriam ter sido previsíveis: embora a América rural possa desgostar e desconfiar da elite cosmopolita, a economia agrícola dos Estados Unidos depende pesadamente dos mercados internacionais, e se tornou vítima inevitável da guerra comercial de Trump.
As questões, pensando no futuro, são se os agricultores compreendem o que os aguarda, se eles compreendem que os problemas que enfrentam não devem acabar em breve, e se as dores econômicas que sofrem abalarão seu apoio ao homem que as está causando.
Em dado nível, não é difícil entender por que os agricultores apoiaramTrump. A hostilidade aos imigrantes não brancos era central em sua campanha, e essa hostilidade tende a ser maior em lugares nos quais na verdade não existem muitos imigrantes. Assim, a América rural, com sua população imigrante ainda minúscula, era uma audiência receptiva para as campanhas de incitação ao medo.

Em termos mais amplos, o conceito de Recuperar a Grandeza da América —ou seja, fazer com que o relógio caminhe para trás em termos raciais e culturais— era uma mensagem que funcionava bem em lugares que ainda tendem a se ver como (e a ser informados pelos políticos de que são) a Verdadeira América, em oposição às grandes áreas metropolitanas nas quais a maioria dos americanos de fato vive.
Por outro lado, embora as terras agrícolas possam ser notavelmente deficientes em diversidade étnica, e desconfiar dos globalismo, a economia rural na verdade está profundamente integrada aos, e depende muito dos, mercados mundiais, Na véspera da guerra comercial de Trump, os Estados Unidos exportavam 76% de sua produção de algodão, 55% de seu sorgo, metade de sua soja e 46% de seu trigo.
No geral, as exportações agrícolas americanas respondiam por quase 40% do valor da produção rural do país, ante apenas 15% por volta de 1970. A globalização prejudicou algumas áreas da indústria americana, com efeitos particularmente graves sobre algumas pequenas cidades fabris. Mas a ascensão da China e o crescimento do comércio internacional foram só boas notícias para os agricultores.
E eis o ponto: não deveria ter sido difícil prever que as ideias econômicas de Trump seriam ruins para os agricultores. O desejo de Trump por uma guerra comercial era claro desde o começo: protecionismo é um de seus principais valores, em companhia do racismo e do antiambientalismo. E uma guerra comercial decerto prejudicaria as exportações agrícolas.

Alguém realmente imaginava que a China, uma superpotência econômica com sua vertente de nacionalismo feroz, não retaliaria contra as tarifas americanas?
O que os agricultores estavam pensando, assim? Meu palpite é que permitiram que a vontade de acreditar se sobrepusesse ao seu julgamento. Trump parecia ser o tipo de cara que eles aprovam. Parecia compartilhar de seu desapreço pela elite urbana, que na imaginação dos agricultores os encara com desprezo. Por isso, eles se convenceram de que sabiam o que estavam fazendo, de que o presidente venceria a guerra comercial, e que eles estariam entre os vencedores que compartilhariam dos espólios.
Mesmo agora, muitos agricultores parecem acreditar em que os problemas um dia desses acabarão e Trump em breve anunciará um acordo que restaurará os velhos mercados.
Em resumo, o apoio dos agricultores a Trump pode ser visto como uma forma de fraude por afinidade, na qual as pessoas se deixam enganar por um trapaceiro a quem veem como parecido com elas.
E como costuma acontecer no caso dessas fraudes, o trapaceiro e seus associados na verdade desdenham as pessoas que tomam por alvo.
Recentemente, o secretário federal da Agricultura, Sonny Perdue, deixou a máscara cair durante uma reunião com agricultores que se queixavam de seus problemas. "O que acontece quando dois agricultores se juntam?", ele ironizou. "Eles resmungam".
As declarações de Trump sobre o comércio com o Japão foram ainda mais reveladoras. De acordo com uma transcrição fornecida pela Casa Branca, Trump se queixou de que enquanto o Japão nos envia milhões de carros, "nós lhes enviamos trigo. Trigo. (Riso.)" Os agricultores sabem que seu presidente considera que a maneira pela qual ganham a vida é uma piada?
Assim, o que vai acontecer, com a continuação da guerra comercial? Não espere que os agricultores de repente exclamem em uníssono que "ei, fomos enganados". A vida real não funciona assim. Mas eles foram de fato enganados, e podem enfim estar começando a perceber.
The New York Times, tradução de Paulo Migliacci
Paul Krugman
Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.