segunda-feira, 22 de abril de 2019

Como arrecadar mais impostos?, Ronaldo Lemos, FSP

Participação pública maior na elaboração de políticas eleva receitas, diz estudo

"Abril é o mais cruel dos meses", dizia o poeta T.S. Eliot. Quem precisa acertar as contas com o Imposto de Renda até o fim do mês provavelmente concorda. 
Pagar impostos não é a atividade favorita de ninguém. No entanto, um surpreendente estudo do Banco Mundial que acaba de ser publicado mostra conclusões diversas. Há como fazer com que mais gente queira pagar impostos. E mais: sem aumentar fiscalização ou punições.
O estudo foi realizado por dois pesquisadores americanos e um brasileiro (Michel Touchton, Brian Wanpler e Tiago Peixoto). Concluiu que, quanto mais houver mecanismos de participação pública na definição de políticas governamentais (como conselhos e instituições como o orçamento participativo), maior será a arrecadação de impostos. O número não é trivial: nas localidades onde há maior participação pública, a arrecadação chega a ser 34% maior, em média.
Essa conclusão foi alcançada após uma análise detalhada dos números de 5.570 municípios no Brasil. Os pesquisadores avaliaram aqueles que adotam orçamento participativo e há quanto tempo o fazem. Além disso, estudaram a estrutura dos conselhos municipais. 
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Gabriel Cabral/Folhapress
Para quem não está familiarizado com eles, a Constituição de 1988 previu a participação da sociedade em temas como Previdência, saúde, assistência social e educação. Na sequência, leis regulamentaram esse ponto, determinando a criação de conselhos no plano municipal. 
A pesquisa olhou os municípios que foram além dos conselhos obrigatórios, previstos em lei. Buscou determinar as cidades em que foram criados conselhos não obrigatórios, tratando de temas como moradia, cultura, mulheres e outros. A conclusão foi clara. Nos municípios onde há mais conselhos facultativos, a arrecadação de impostos municipais é significativamente maior. 
Os números impressionam. Municípios que têm conselhos facultativos de participação pública alcançam resultados tributários 31% superiores aos que não os possuem. Municípios que praticam orçamento participativo têm resultados 38% maiores. Já nas cidades em que o orçamento participativo é adotado há mais de oito anos os resultados chegam a ser 40% superiores.
Muitos que não fizeram a leitura integral do estudo poderão dizer que se trata de uma correlação, não de uma causalidade. Os autores abordaram esse ponto em detalhes. Estabeleceram com cuidado uma cadeia de causalidade demonstrada matematicamente. Mais que isso, fizeram uma sólida checagem de robustez dos dados, também com análise numérica. 
Dessa forma, antes de criticar, vale o esforço de ler o estudo e as métricas adotadas.
A conclusão dos autores, aliás, é bastante direta ao afirmar que "nossos resultados demonstram ampla conexão entre instituições de participação e resultados de arrecadação de impostos locais". 
Mais do que isso, argumentam que "boa governança promove governos legítimos e publicamente responsáveis, o que, por sua vez, leva a maior adimplemento fiscal".
Outra conclusão importante é que estratégias de participação pública podem ser ferramentas fiscais. Podem suprir as limitações de estratégias como aumento de fiscalização e punições na arrecadação de impostos. 
Parece coisa simples, mas muitas vezes esquecemos que legitimidade é uma ferramenta poderosa à beça para quem governa.

READER

Já era Myspace e Friendster
Já é Facebook, YouTube e Instagram
Já vem TikTok e Vigo
Ronaldo Lemos
Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

    Educação profissional é investimento no futuro, Paulo Afonso Ferreira, Opinião FSP (pauta Fiesp)

    Paulo Afonso Ferreira
    O investimento em educação profissional é imprescindível para o aumento da competitividade do país, para a retomada do crescimento da economia num ritmo mais vigoroso e para a criação de melhores oportunidades de emprego.
     
    A qualificação técnica adequada se torna ainda mais importante no momento em que uma série de adaptações são exigidas das empresas e dos trabalhadores, em razão da quarta revolução industrial, chamada de “Indústria 4.0”.

    Novas profissões, como engenheiro de cibersegurança, mecânico de veículos híbridos e projetista para tecnologias 3D, devem se consolidar nos próximos dez anos, de acordo com estudo do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). A previsão é que surjam, ao menos, 30 novas ocupações com a integração dos mundos físico e virtual por meio de tecnologias digitais, como internet das coisas, “big data” e inteligência artificial.
    O levantamento aponta as profissões que devem ganhar relevância e mudar os segmentos automotivo, de alimentos e bebidas, de máquinas e ferramentas, de petróleo e gás, têxtil e de vestuário, químico e petroquímico, de tecnologias da informação e comunicação, e de construção civil.
     
    Nesse cenário, os trabalhadores precisarão ter capacidade de interpretação abstrata e formação técnica para operar equipamentos complexos. O ensino técnico e aplicado permite que os estudantes sejam protagonistas de seu futuro, com a escolha do caminho que mais atenda às suas necessidades.

    Com a recente reforma do ensino médio, iniciou-se um longo processo para alinhar o sistema educacional às melhores experiências internacionais, com a flexibilização e a diversificação do currículo regular. Nações desenvolvidas perceberam essa necessidade há muito tempo, e partiram na frente, investindo pesadamente em educação profissional.

    Os países da União Europeia têm, em média, 50,4% dos estudantes do ensino médio também matriculados em cursos profissionalizantes. Na Áustria, esse coeficiente é de 69,8%; na Finlândia, de 70,4%. No Brasil, o indicador é de apenas 11,1%, proporção que dificulta a inserção dos brasileiros no mercado de trabalho, e influencia os níveis de produtividade e inovação da indústria.

    A formação técnica tem claros efeitos na renda. Pesquisas da PUC do Rio de Janeiro demonstram que, entre dois indivíduos com a mesma escolaridade, aquele que conta com um ano de educação profissional tem renda 18% maior. Técnicos da área de produção de petróleo e indústrias químicas, por exemplo, têm ganhos médios mensais de R$ 7.700.

    Um curso profissionalizante pode ser o primeiro passo de um plano de carreira que não exclua a obtenção de um diploma universitário. Um técnico em mecânica tem a opção de fazer, posteriormente, um bacharelado em engenharia. Para alguns jovens, a inserção rápida no mercado de trabalho é o passaporte para a conquista da cidadania e a continuação dos estudos.

    O Brasil sabe fazer educação profissional de excelência. O primeiro e o segundo lugares alcançados pelo país, representado por alunos do Senai, na "Worldskills", a maior competição de profissões técnicas do planeta, em 2015 e 2017, respectivamente, comprova que podemos colocar os nossos jovens no mesmo nível de seus concorrentes nas nações mais industrializadas. 

    Além disso, é importante destacar que tanto o Senai quanto o Sesi (Serviço Social da Indústria) definem seus cursos de qualificação e formação técnica em função das necessidades das indústrias e com visão voltada para o futuro do trabalho, em consonância com organizações e parceiros internacionais.

    Diante dos desafios que temos pela frente, é urgente preparar jovens e adultos para um mercado em profunda mutação tecnológica e de cultura organizacional. A educação profissional deve ser vista como fator de desenvolvimento e fortalecida como um investimento do país no futuro.
    Paulo Afonso Ferreira
    Empresário e presidente em exercício da CNI (Confederação Nacional da Indústria)
    TÓPICOS

    Usuários e dependentes, Ruy Castro, FSP

    Bater papo com o terapeuta e continuar bebendo ou cheirando só fará bem ao terapeuta

    Dependentes químicos em espaço criado para passarem a noite
    Dependentes químicos em espaço criado para passarem a noite - Marlene Bergamo - 18.mai.18/Folhapress
    Li em meu colega Hélio Schwartsman que “a Política Nacional de Drogas do governo vai priorizar programas que busquem a abstinência do usuário, em vez da redução de danos”. Em sua opinião, é um erro. Segundo ele, “há um consenso na psiquiatria de que não há um tratamento único que sirva para todos os pacientes”. E que “usuários cujo grau de dependência é mais baixo podem beneficiar-se de estratégias que tentem reforçar o autocontrole, evitando o agravamento de sua condição”. Em minha opinião, Hélio e o governoestão errados. 
    O erro começa na referência aos “usuários cujo grau de dependência seja mais baixo”. Na condição de dependente químico que se tratou há 31 anos e tem se mantido à distância dos produtos, aprendi, comigo mesmo e com usuários e dependentes com quem convivi, que as duas categorias não formam uma mesma pessoa. Um usuário pode passar a vida usando sua droga em quantidade razoável para seu organismo —e apenas para este— sem se tornar dependente. Mas, se a dependência se instalar —ou seja, se o organismo passar a exigir a droga para se manter estável—, não haverá mais possibilidade de autocontrole.  
    Uma frase comum aos dependentes, “Bebo [ou fumo, cheiro, injeto] porque gosto. Quando quiser parar, eu paro”, é quase cínica. Se fosse possível a um dependente decidir quando parar ou reduzir, não haveria dependência. Donde não se trata de “força de vontade”. A mente pode até querer parar ou reduzir, mas o organismo não permite. 
    O tratamento de uma dependência pode ser feito pela psicologia, pela religião ou pelo que for. Mas só terá alguma chance de dar certo se o dependente interromper o consumo durante o tratamento e aguentar as consequências imediatas dessa interrupção. O que, geralmente, só se consegue com internação.
    Bater papo com o terapeuta no consultório e continuar bebendo ou cheirando só fará bem ao terapeuta. 
    Ruy Castro
    Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.