sábado, 30 de março de 2019

Doria avalia refazer obras abandonadas do Rodoanel por segurança, FSP

Governo quer laudos para poder licitar o término da construção, que está atrasada

Doria vai inspecionar qualidade das obras já feitas do Rodoanel; trecho sobre a rodovia Fernão Dias
Doria vai inspecionar qualidade das obras já feitas do Rodoanel; trecho sobre a rodovia Fernão Dias Danilo Verpa
    Fabrício Lobel
    SÃO PAULO
    O governo João Doria (PSDB) vai contratar o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) para fazer um pente-fino nas já atrasadas obras do trecho norte do Rodoanel, que teve canteiros abandonados ainda na gestão Geraldo Alckmin (PSDB) e parte dos contratos rescindidos no governo Márcio França (PSB). 
    A obra é o maior projeto de infraestrutura no estado e a última parte do anel viário do entorno da Grande São Paulo. Como o contrato de inspeção tem duração de seis meses, esse deve ser também o período em que as obras continuarão paradas. 
    A espera pela análise do IPT, porém, é vista pelo governo como um mal necessário para a continuação das obras. O governo defende que com a rescisão de parte dos contratos e a impossibilidade de se criar novos aditivos nos contratos restantes, será preciso recontratar as empreiteiras para terminar a obra. Para isso, será preciso avaliar o real estado do trecho norte do Rodoanel.
    "Os contratos estão se encerrando e já se exauriram em aditivos. Então, não há mais como aditar mais. Para podermos encerrar os contratos e criarmos as condições para um novo processo licitatório, a gente precisa ter um laudo idôneo que nos dê condição de avaliar o que foi executado tanto do ponto de vista quantitativo como qualitativo", disse à Folha João Octaviano Neto, secretário estadual de transportes e logística, responsável pela Dersa (estatal paulista responsável pela contratação obra). Segundo ele, a análise custará cerca de R$ 450 mil. 
    Enquanto for feita a inspeção, Neto diz que o governo estará tocando a licitação para as próximas empresas, para adiantar ao máximo a entrega da obra. O governo diz ainda que contratará empresas para fazer a segurança e o isolamento dos canteiros de obra (que já viraram rota de pedestres).
    Desde 2015, o governo pressiona as empreiteiras pelo ritmo das obras, que está mais lento do que o esperado. A reportagem esteve nas obras em junho de 2018 e neste mês de março. Nos trechos visitados houve pouco ou nenhum avanço aparente. 
    Visão aérea das obras do Rodoanel sobre a rodovia Fernão Dias, em junho de 2018 (à esq.) e em março de 2019 (à dir.)
    Visão aérea das obras do Rodoanel sobre a rodovia Fernão Dias, em junho de 2018 (à esq.) e em março de 2019 (à dir.) - Danilo VErpa/Folhapress
    Além de saber o quanto falta para que a via seja entregue, internamente, técnicos do governo temem também pela qualidade das obras já feitas. 
    Em setembro de 2018, a Folha revelou que as empreiteiras que fizeram o projeto do trecho norte do Rodoanel (e não a construção) enumeraram uma série de falhas na execução das obras. Entre elas estavam a espessura muito fina do revestimento de certos túneis, diversas infiltrações e até o risco de queda de uma torre de transmissão de energia elétrica que abastece a cidade de Guarulhos.
    Além das falhas, os relatórios apontavam pequenas intervenções que deveriam ser feitas antes da paralisação das obras, para que o trabalho já feito não fosse danificado, como é comum em obras civis.  Os relatórios técnicos diziam que, se nenhuma ação fosse tomada, haveria o risco de colapso de túneis e de queda da torre de transmissão.
    Entre os cuidados que deveriam ser tomados estão a criação de valas para drenagem de água da chuva e a proteção de estruturas metálicas que podem enferrujar com o tempo.
    À época da reportagem, a Dersa disse que ações de proteção às estruturas haviam sido tomadas antes da suspensão dos trabalhos. Agora, o governo Doria diz que também caberá ao IPT avaliar se essas ações foram devidamente tomadas.
    No caso dos túneis, o governo Doria espera que o IPT consiga determinar a qualidade das construções e avaliar, por exemplo, se eles precisarão ser apenas finalizados, reforçados ou reconstruídos por inteiro. Um novo contrato de construção que contemple cada uma dessas alternativas varia de preço e especificidades exigidas das empreiteiras. 
    Embora oficialmente o trecho norte do Rodoanel esteja com cerca de 85% de obras concluídas, o receio do governo paulista é de que um novo contrato para finalizar a obra tenha que ser mais abrangente do que os últimos 15%, refazendo parte do trabalho já feito. 
    Além de todo o escrutínio da qualidade da construção feita até agora, o governo paulista deverá também fazer uma análise do orçamento e execução da obra sob o ponto de vista financeiro. Os seguidos aditivos de contrato, que foram aumentando o custo da obra, estão sob investigação no âmbito da Lava Jato.
    ​Prometido inicialmente para 2014, o trecho norte do Rodoanel teve o início de suas obras já atrasado, em 2013. Com 44 km de extensão, o projeto foi anunciado ao custo de R$ 6,5 bilhões (R$ 9,1 bilhões em 
    valores atualizados); o custo atual é de R$ 10 bilhões. Só pela obra, o governo já pagou pelo menos R$ 3,89 bilhões; os gastos públicos com desapropriações beiram os R$ 2 bilhões. 
    O anúncio do pente-fino no Rodoanel vem após uma série de crises dentro da Dersa, que colocaram a empresa em xeque. No contexto da Lava-Jato, executivos da Dersa passaram a ser investigados por terem superfaturado obras e desviado recursos de indenizações.
    Paulo Preto, ex-diretor da estatal, foi condenado por ser o operador de propinas de empreiteiras em favor do PSDB. Sobre Paulo Preto recaem ainda acusações de ter fraudado licitações do trecho sul do Rodoanel.
    Em 2016, mesmo ano em que a Polícia Federal abriu inquérito para apurar o superfaturamento nos serviços de terraplanagem para a rodovia, o Ministério Público iniciou outra investigação sobre um suposto esquema de superfaturamento no valor das desapropriações das casas e terrenos que cederiam espaço para o Rodoanel. O desvio seria de cerca de R$ 1,3 bilhão, sobretudo na região de Guarulhos.
    No início dos trabalhos legislativos de 2019, os deputados estaduais paulistas tentaram pedir uma CPI para apurar crimes na Dersa, mas foram derrotados pela base governista.
    Para tentar contornar a crise, Doria vem anunciando o fim da Dersa, fundada em 1969 e responsável pela construção das principais rodovias do estado como a dos Imigrantes, dos Bandeirantes, Ayrton Senna e os outros trechos do Rodoanel. A Dersa é ainda responsável pela operação de lanchas e balsas que fazem viagens litorâneas, como Santos/Guarujá e Ilhabela/São Sebastião.
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    Quem paga a conta de serviços gerais do prédio?, FSP

    Os condomínios passaram a ser portais de serviços e facilidades, complicando a divisão dos custos

    Piscina grande com prédios ao fundo
    Piscina do condomínio Origem, no empreendimento Oásis Residencial, em Contagem (MG) - Divulgação
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    Eu tenho que pagar essa conta mesmo sem usar o serviço? Essa é a pergunta que mais ouço nos condomínios hoje. 
    Nos últimos anos, o conceito de moradia coletiva sofreu grande transformação. Os prédios deixaram de ser apenas espaços para moradia e lazer e passaram a figurar como verdadeiros portais de serviços e facilidades, tornando complicada a tarefa de ratear os custos com equidade e justiça. 
    Há quem defenda a tese de que tudo deve ser rateado entre todos, porque esse é o espirito da vida em condomínio. E há quem defenda o princípio do "pay-per-use", modelo em que as contas principais são rateadas entre todos e, as eletivas, custeadas apenas por quem adere ou utiliza o serviço.
    Há muitas discussões inócuas e que devem ser prontamente rechaçadas, por exemplo: "Jamais uso a piscina, por que devo pagar seu aquecimento?", "Moro no primeiro andar, nunca usei o elevador, por que pago a manutenção?", "Não tenho filhos, qual o sentido de pagar a reforma da brinquedoteca?".
    Ora, esse é o principio legal e conceitual da vida em condomínio e não há o que discutir.
    Dias atrás, um morador comprou um carro híbrido, o primeiro do condomínio com mais de 300 apartamentos de classe média-alta. Em sua vaga, a concessionária instalou um ponto para recarga e utilizou a rede comum de energia.
    Logo um vizinho se incomodou e disse: "Se vou pagar a energia do carro híbrido do outro, quem vai pagar minha gasolina?". O dono do veículo respondeu: "Você usa o espaço de coworking do condomínio todos os dias e lá carrega seu computador e celular. Qual a diferença?".
    A discussão sobre o tema avançou e surgiu a ideia de o prédio adquirir um equipamento para recarga de carros híbridos, a ser colocado num local comum estratégico, que possibilite a cobrança da energia apenas para quem utilizar. 
    Mas e a aquisição do aparelho, que custa mais de R$ 20 mil, deve ser rateada entre todos os moradores ou só entre aqueles que tem carro híbrido? Me parece evidente que a aquisição do aparelho é um custo comum, que deve ser dividido entre todos. Somente a energia deve ser cobrada no modelo "pague se usar". 
    Quando o edifício resolve trocar uma esteira da academia, por exemplo, não vai dividir apenas entre os atletas, mas sim entre todos os proprietários. 
    O cerne da questão é jamais perder de vista o espírito coletivo que deve nortear a vida em condomínio, deixando de lado pensamentos individualistas, mas sem criar vantagens demasiadas para certos grupos.
    Difícil equação, não é mesmo? 
    Um regulamento interno atualizado e abrangente é a melhor ferramenta para evitar conflitos. 
    Sempre que surgir a necessidade de investimentos para um novo serviço, tudo deve ser levado para debates e deliberações em assembleia, cujas decisões são soberanas e obrigam a todos os moradores.
    Márcio Rachkorsky
    Advogado, é membro da Comissão de Direito Urbanístico da OAB-SP.