sábado, 16 de março de 2019

A hora da oposição, André Singer, FSP

Caso Marielle, circulação de armas e decisão do STF contra Lava Jato pedem novas alternativas

Os fatos da semana voltaram a colocar em maus lençóis o projeto que chegou ao governo em outubro passado. 
As possíveis ligações dos suspeitos de matar Marielle Franco (PSOL-RJ), o efeito pernicioso da circulação de armas e a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Lava Jato impõem questionamentos aos atuais donos do poder. Falta, porém, uma frente de oposição capaz de apresentar alternativas convincentes a ponto de propiciar a formação de uma nova maioria no país.
No primeiro caso, o problema de fundo refere-se à segurança pública. Foi devido à prolongada incapacidade do Estado brasileiro oferecer garantias às periferias que as milícias cresceram no Rio de Janeiro. A sua expansão parece ter ido ao ponto de simplesmente optar pela eliminação de adversários políticos.
Desde esse ponto de vista, a prisão dos supostos executores da vereadora psolista poderia representar um ponto de partida para a desmontagem do sistema de violência privada que se apoderou de áreas da cidade. No entanto, é preciso saber o que colocar no lugar. O balanço das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e a consequente formulação de propostas que as incorporem e superem é urgente.
Da mesma maneira, o sinistro ataque à escola Raul Brasil na Grande São Paulo, além da indispensável solidariedade às vítimas, às famílias e aos colegas, precisa ser encarado do ponto de vista das políticas públicas. Se a resposta oficial —armar os professores— não é adequada, o que se deve fazer?
Aquilo que os norte-americanos chamam de “school shootting” cresceu muito nos EUA na última década, configurando uma doença social cuja terapêutica precisa ser encontrada. Dificultar o acesso a todos os tipos de arma ajudaria a diminuir o número de casos, afirmam os especialistas. Porém medidas complementares, como abrir canais de escuta para jovens com dificuldade de pertencimento ao meio, parecem igualmente necessárias.
Por fim, a maioria do STF em favor de que a Justiça Eleitoral possa julgar casos de desvios de dinheiro público quando conectados à prática de caixa dois não deve ser compreendida como um voto de leniência. Trata-se de oportunidade para indicar uma estratégia equilibrada de combate à financeirização da atividade partidária. Dificilmente a oposição dará a volta por cima se não recuperar para si as bandeiras republicanas perdidas.
A extrema direita só tem a oferecer mais privatização, difusão da violência e punitivismo seletivo. As respostas que dá às angústias do momento são toscas. Mas, se não forem superadas por um programa oposto, estão fadadas a prevalecer por W.O.
André Singer
Professor de ciência política da USP, ex-secretário de Imprensa da Presidência (2003-2007). É autor de “O Lulismo em Crise”.

O que é direito e o que é certo, FSP


Guerra entre procuradores da Lava Jato e ministros do STF oferece mais a perder do que a ganhar aos dois lados

SÃO PAULO
Direito eles têm. Numa sociedade aberta, procuradores podem fazer as campanhas que bem entenderem e criticar, mesmo em termos incivis, políticos e magistrados de cujas visões discordem. Podem até tachar como incompetente um ministro de tribunal superior.
Obviamente, juízes têm o direito de imprecar contra membros do Ministério Público, sugerindo que sejam venais. O limite da crítica é dado pela legislação penal, em especial as normas que coíbem os crimes contra a honra —e, numa sociedade verdadeiramente aberta, os delitos de injúria e difamação seriam abolidos (são subjetivos demais), ficando só a calúnia.
Prédio do STF, com a estátua da Justiça
Prédio do STF, com a estátua da Justiça - Alan Marques/Folhapress
O fato de terem esse direito não significa que devam exercê-lo. As posições que cada um de nós ocupa na sociedade nos impõem, não obrigações legais, mas certas regras de conduta ou normas de etiqueta das quais não deveríamos nos desviar sem uma excelente razão.
Procuradores, até para vencer mais casos, deveriam evitar indispor-se com juízes, categoria que, se não é hierarquicamente superior à sua, tem a palavra final nas decisões judiciais. Tratá-los com urbanidade é, portanto, algo que interessa aos próprios procuradores. Mesmo quando pretendem pressionar os magistrados, deveriam recorrer ao soft power e jamais a campanhas explícitas. Mobilizar a população contra juízes específicos é um erro estratégico grave.  
De modo análogo, para ser convincentes, magistrados precisam transmitir para o público uma imagem de serenidade e imparcialidade, mesmo que mais afetada do que sincera. Mais do que qualquer outro grupo de servidores, juízes deveriam engolir em seco as críticas, inclusive as mais ácidas.
Nesse contexto, a pequena guerra aberta entre procuradores da Lava Jato e ministros do Supremo é uma daquelas em que os dois lados têm mais a perder do que a ganhar. Mais vezes do que se imagina, há sabedoria em exercer a autocontenção.
 
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".