quarta-feira, 13 de março de 2019

Afundamos enquanto o presidente discute com que cor quer pintar o barco, FSP

setor público registrou no ano passado déficit pouco inferior a meio trilhão de reais, equivalente a 7% do PIB de 2018. 
Ainda que tenha melhorado em relação ao observado em anos anteriores (mais de 10% do PIB em 2015, 9% do PIB em 2016 e pouco menos de 8% do PIB em 2017), o progresso tem sido extraordinariamente lento.
Sua contrapartida, o endividamento do governo, reflete isto: a dívida, que equivalia a pouco mais de metade do PIB ao fim de 2013, cresceu em todos os anos desde então, embora em ritmo declinante a partir de 2016, em parte pela redução da taxa real de juros, em parte pela queda do déficit primário.
Assim, no fim do ano passado ultrapassava 3/4 do PIB, sem dar sinal de reversão, ao menos no futuro imediato.
O presidente Jair Bolsonaro no Planalto
O presidente Jair Bolsonaro no Planalto - Sergio Lima/AFP
De fato, algumas simulações sugerem que, caso o teto de gastos seja respeitado (hipótese bastante delicada, como veremos), a dívida, sempre medida como proporção do PIB, pararia de crescer em algum momento entre 2023 e 2027, dependendo do ritmo de expansão da economia nos próximos dez anos (suposto entre 2% e 3% ao ano a partir de 2020), atingindo seu pico entre 83% e 90% do PIB.
Se, porém, o produto seguir crescendo no ritmo observado em 2017 e 2018, mesmo esses números, já bastante feios, podem se tornar tenebrosos, ultrapassando a marca de 100% do PIB na metade da próxima década e, pior, sem tendência à reversão, mesmo com o teto de gastos, por hipótese, operante.
O problema, contudo, é precisamente a suposição do teto de gastos se mantendo ao longo de todo o horizonte de projeção.
De 2016 para cá, o governo federal conseguiu estabilizar suas despesas: equivaliam a 19,9% do PIB naquele ano e atingiram 19,7% do PIB em 2018. O resultado, aparentemente positivo, embora modesto, embute uma dinâmica preocupante. 
A estabilização só foi obtida com a redução das despesas não obrigatórias, que caíram de 2,3% para 1,9% do PIB; já as despesas obrigatórias continuaram aumentando, em particular os benefícios previdenciários e os gastos com pessoal. 
Somadas ao BPC (Benefício de Prestação Continuada), tais despesas, que representavam cerca de 2/3 do teto de gasto, hoje chegam a pouco menos de 3/4 dele.
Essa dinâmica não é sustentável por muito mais tempo. Se as contas da Instituição Fiscal Independente estiverem corretas, nos próximos dois ou três anos a redução persistente do dispêndio discricionário tornará o governo inoperante, antes que o teto de gastos consiga reverter a trajetória do endividamento.
Se chegarmos a essa situação, muito provavelmente o teto será abandonado e, com ele, qualquer chance de estabilização da dívida pela via fiscal.
Há, é claro, quem acredite que um governo que deve em sua própria moeda não precisaria se preocupar com isso, porque sempre poderia emiti-la para pagar sua dívida.
Já a experiência histórica mostra que tais casos desembocam sistematicamente em processos inflacionários bastante complicados, apesar das crenças em contrário.
Para evitar esse cenário, não há alternativa que não passe por reformas fiscais profundas, a começar pela previdenciária.
Apesar do que está em jogo, o presidente prefere gastar seu capital político na pauta de costumes e no atrito contraproducente com a imprensa para agradar a um público que já o idolatra, ao mesmo tempo em que o ministro da Economiaadmite faltarem 48 votos para aprovar a reforma da Previdência.
Afundamos enquanto o presidente discute com que cor quer pintar o barco.
Alexandre Schwartsman
Consultor, ex-diretor do Banco Central (2003-2006). É doutor pela Universidade da Califórnia em Berkeley.
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Bastidores, Exército comemora prisões ...Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo


33 mil linhas telefônicas foram verificadas e 318 foram grampeadas até polícia localizar aparelho que a levou a um dos acusados

Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo
13 de março de 2019 | 03h00
Era fim de novembro quando as investigações sobre a morte de a vereadora Marielle Franco (PSOL) começaram a se definir. O general Richard Nunes, então secretário da Segurança Pública do Rio, recebeu do delegado Giniton Lages as informações de que estava na fase final o cruzamento de dados sobre os telefones usados na região onde o crime foi cometido, na noite do dia 14 de março de 2018. A cúpula da Segurança tinha então uma certeza: apesar da dificuldade técnica, chegaria aos autores do crime. De fato, 33 mil linhas telefônicas foram verificadas e 318 foram grampeadas até a polícia conseguir localizar o aparelho que a levou a por um dos acusados - o policial militar reformado Ronnie Lessa - na cena do crime.
Secretário de Segurança do Rio diz que polícia já identificou envolvidos na morte de Marielle
Vereadora Marielle Franco foi assassinada em 14 de março, no centro do Rio Foto: Renan Olaz/CMRJ
A principal preocupação então era evitar uma prisão açodada dos acusados, para, depois, vê-los soltos por falta de provas. O ano ia terminando quando os generais Walter de Souza Braga Netto, ­ interventor federal na Segurança Pública do Rio, e Richard Nunes, então secretário da Segurança Pública, reuniram-se com o governador eleito Wilson Witzel. Na época, soube-se que ambos pediram ao governador a manutenção da secretaria, que o recém-eleito planejava dividir em duas. Os generais, porém, fizeram outro pedido: que o governador mantivesse à frente da investigação do caso Marielle o delegado Giniton Lages, na Delegacia de Homicídios, que cuidava da investigação desde o começo.
As informações foram cruzadas, e os executores acabaram identificados. Nessa segunda fase das investigações, os generais esperam que se encontrem provas suficientes para botar na cadeia os mandantes do crime. Eles não têm dúvida nenhuma de que por trás de Lessa e do outro acusado do assassinato, o ex-PM Elcio Vieira de Queiroz, estão pessoas que já constavam da lista de suspeitos do crime. Nesta terça, o comando do Exército decidiu não se manifestar sobre o desfecho do caso. 
Mas os militares afirmam que foram os interesses econômicos da milícia, contrariados pela atuação de Marielle Franco, que motivaram o crime. Entre as atividades ameaçadas pela atuação da vereadora estava o controle da terra, a grilagem na região oeste do Rio, conforme contou o então secretário da Segurança. E entre os suspeitos “continua no páreo” o vereador Marcello Siciliano, que já foi alvo de busca e apreensão - o político se diz vítima de uma suspeita injusta.  
Durante o tempo em que foi secretário, o PM Lessa chegou a pesquisar dados pessoais do general Richard Nunes - o denunciado pela morte de Marielle também pesquisou informações sobre o então deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL). Para o Exército, portanto, não resta dúvida de que a milícia está por trás do crime, uma organização criminosa que age como uma máfia.
Os integrantes do Comando Militar do Leste (CML) acreditam que o esclarecimento da morte de Marielle e a prisão de seus executores é mais um legado da intervenção federal no Rio. Entre outros motivos porque foi a cúpula da intervenção que enfrentou em 2018 as pressões para a federalização do crime e as suspeitas de que se tentava obstruir as investigações para descobrir os autores do crime.  “Deixamos a equipe da Delegacia de Homicídios trabalhar para chegar ao resultado, para fazer o trabalho isento, sem nenhuma pressão externa”, lembrou nesta terça um dos generais do Palácio Duque de Caxias. “Era toda semana pedido para afastar o delegado e federalizar o crime”, afirmou outro general.  “Para o cruzamento de dados que levou às prisões foi decisiva a reprodução simulada dos fatos, feita em maio, com nosso apoio ”, lembrou o oficial.

terça-feira, 12 de março de 2019

A cada Justiça o que é seu, OPINIÃO ALMIR TEUBL SANCHES, FSP

Mudança pode garantir a impunidade de poderosos

Estátua da Justiça, em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, em Brasília
Estátua da Justiça, em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, em Brasília - Alan Marques - 12.nov.12/Folhapress
Almir Teubl Sanches
O futuro do combate à corrupção estará em jogo no STF (Supremo Tribunal Federal) nesta quarta-feira (13), quando poderá ser decidido a quem compete julgar delitos conexos a crimes eleitorais. 
Se entender que compete à Justiça Eleitoral o julgamento de crimes comuns de corrupção, o STF sentenciará de morte os esforços até aqui realizados no combate à corrupção, com possibilidade inclusive de nulidade de sentenças já proferidas.
A transferência de investigações criminais complexas certamente será uma maneira de garantir a impunidade de investigados poderosos. E isso por que toda a estrutura da Justiça Eleitoral foi pensada para uma finalidade que nada tem a ver com o julgamento de crimes complexos da comum. A bem da verdade, trata-se de uma estrutura incompatível com investigações de grandes esquemas de corrupção.
A Justiça Eleitoral foi criada, em 1932, com uma missão institucional muito específica: retirar a organização do processo eleitoral de governantes interessados em seus resultados. Desta finalidade decorrem duas de suas principais funções, que são, aliás, atípicas ao Poder Judiciário: a administrativa, que a possibilita cuidar de aspectos concretos da realização das eleições (atuação executiva), e a regulamentar, que a permite elaborar as regras que regem o processo eleitoral (atuação legislativa). Apenas subsidiariamente há a função jurisdicional de julgar demandas relacionadas às eleições.
Desse caráter atípico originam-se várias de suas peculiaridades. Seus juízes são temporários, atuando de 2 a 4 anos na vara eleitoral (1 ou 2 biênios), sendo cedidos por outros ramos do Judiciário, e, não raro, cumulando funções. 
Além disso, sua constituição é mista, havendo advogados que compõem os tribunais (no TSE e em cada TRE dois advogados indicados pelo presidente da República) e cidadãos comuns atuando ao lado do juiz nas juntas eleitorais.
Nenhum demérito aqui à Justiça Eleitoral, que funciona bem para a finalidade que foi pensada. No entanto, é fadar ao fracasso o combate à corrupção querer atribuir as investigações mais complexas a um ramo especializado primordialmente na atividade administrativa e regulamentar de realização e regulação das eleições, com toda a sua estrutura direcionada para isso. 
Seriam declinados à Justiça Eleitoral justamente alguns dos casos mais sensíveis do direito criminal comum, sabendo-se que ela não tem (nem deveria ter) estrutura para processar esse tipo de crime. O mais preocupante é que bastaria ao agente político corrupto alegar que ao menos parte dos recursos ilícitos recebidos o foi em razão de campanha eleitoral para se valer deste trunfo de impunidade.
Recentemente chamou a atenção da opinião pública a confissão do ex-governador Sérgio Cabral (que, é sempre bom lembrar, nada tem de colaboração premiada). Duas partes dessa confissão são eloquentes no presente debate. 
Primeiramente, Cabral, que sempre afirmou que os recursos ilícitos por ele recebidos eram provenientes de caixa dois de campanha eleitoral, agora admite que a maior parte era, sim, propina recebida em razão de obras públicas. 
Em segundo lugar, o ex-governador reconhece que nunca levou fé nas investigações e acreditava que seria encontrada uma “saída política” para garantir impunidade a ele e a outros políticos corruptos.
Caso o STF tome a decisão equivocada a partir do julgamento desta quarta-feira (13), é bem provável que investigações que poderiam vir a ser futuras condenações e até confissões de agentes políticos que roubaram muitos recursos da saúde e da educação dos cidadãos sejam substituídas pelo riso de escárnio de quem apostou contra a Justiça e em uma “saída política” para garantir a impunidade de seus crimes.
Almir Teubl Sanches
Procurador da República lotado na Força-Tarefa da Lava Jato do Rio de Janeiro desde 2017, mestre e doutor em teoria geral e filosofia do direito pela USP e especialista em direito público pela ESMPU