quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Sob intervenção do governo, TV Brasil suspende programa 'Sem Censura', FSP

Atração de entrevistas apresentada por Vera Barroso terá permanência na grade em 2019 'reavaliada'

    Joelmir Tavares
    SÃO PAULO
    A TV Brasil (emissora de TV pública) suspendeu um de seus programas mais antigos, o “Sem Censura”, em meio à intervenção da gestão Jair Bolsonaro (PSL) na EBC (Empresa Brasil de Comunicação), administrada pelo governo federal.
    A equipe foi avisada nesta terça-feira (29) sobre o cancelamento das edições ao vivo do programa de entrevistas, apresentado pela jornalista Vera Barroso.
     
    A emissora, via assessoria, diz que “o programa ao vivo foi interrompido na atual temporada, devendo ser reavaliado para a próxima grade junto com a nova programação”.
    A permanência do “Sem Censura” na nova grade, que deve estrear em 11 de março, é incerta.
    O governo decidiu reestruturar a EBC, o que inclui cortes e mudanças na TV Brasil. O ministro-chefe da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz, é o responsável por coordenar a tarefa.
    Em entrevista à Folha neste mês, o ministro disse que estuda uma fusão da grade de programação da TV Brasil e da TV NBR (agência oficial do governo). A junção é criticada por defensores do sistema de comunicação pública.
    Por enquanto, de acordo com a EBC, será mantida a exibição de programas já gravados.
    A atração era produzida no Rio de Janeiro e estava no ar desde 1985, quando estreou pela TVE Brasil.
    O governo já havia anunciado o corte de cargos comissionados para “otimizar despesas” nas quatro unidades da TV Brasil, em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Maranhão.
    Durante a campanha, Bolsonaro prometeu extinguir ou privatizar a emissora, jocosamente apelidada de TV do Lula, já que foi criada pelo ex-presidente, em 2007.
    Parte da equipe do “Sem Censura” é formada por se rvidores concursados emprestados à TV Brasil por outros órgãos do governo. A determinação agora é para que os cedidos retornem aos postos de origem.
    Muitos são ligados ao Ministério do Planejamento, que foi fundido com outras pastas e hoje compõe o Ministério da Economia, sob o comando de Paulo Guedes.
    Em nota divulgada nesta segunda-feira (28), a direção da EBC comunicou que a reorganização da empresa incluiria a diminuição de cargos comissionados.
    No mesmo dia, foram publicados em seu site 45 atos dispensando funcionários que exerciam funções desse tipo.
    “O objetivo das mudanças é adequar a empresa à meta de otimizar despesas, com vistas à sustentabilidade até 2022, conforme estabelecida no Planejamento Estratégico da Empresa”, disse o comunicado.
    A EBC informou ainda o fim do Repórter Brasil Maranhão, programa jornalístico no estado da região Nordeste.
    A Comissão de Empregados da EBC e os sindicatos dos jornalistas e dos radialistas de Brasília, Rio e São Paulo emitiram nota com queixas sobre as mudanças.
    As entidades disseram que o governo deixou o escritório no Maranhão “à deriva”.
    “Entendemos que qualquer processo de reestruturação deve ser feito a partir do diálogo com os trabalhadores, sendo pautado numa relação de respeito. Infelizmente, não é isto que estamos vendo”, afirmaram  no texto ​as organizações.
    “Nenhuma praça [unidade] deve fechar, pois isto significa diminuir a abrangência da comunicação pública no país”, continuaram, reivindicando que sejam recebidas pela direção da empresa para uma reunião. 

    Enquanto houver carniça, os urubus terão o que comer, Alexandre Schwartsman, FSP


    Atribuir Brumadinho à privatização reflete ignorância e interesses políticos escusos


    Tragédias têm sido usadas para fins pessoais e políticos desde sempre, mas isso não justifica tolerar essa prática particularmente abjeta. 
    A presidente do PT, em breve ex-senadora, Gleisi Hoffmann, que não perde oportunidade de perder oportunidade de ficar calada, não se fez de rogada. Em sua conta no Twitter, aproveitou-se do desastre de Brumadinho para afirmar que “cedo ou tarde a privatização cobra seu preço da população”. É uma declaração canalha em várias dimensões.
    A começar porque não há nenhum nexo de causa e efeito entre a natureza da empresa (privada ou estatal) e o comportamento que leva a catástrofes como a de Brumadinho. Para quem não se recorda, o pior desastre nuclear de que se tem notícia, em Tchernobil, foi de responsabilidade de uma empresa estatal, então sob um regime socialista, como era a Ucrânia, em 1986, uma das repúblicas da extitna URSS.
    Se quisermos ficar por aqui, porém, em 2010, por exemplo, comandada por Sergio Gabrielli, a Petrobras registrou 57 vazamentos de petróleo, equivalentes a 4,2 milhões de barris. Não faltam casos de empresas estatais (em vários governos, de orientações políticas distintas) e privadas que causaram sérios danos ambientais, quando não mortes. 
    Nesse contexto, como se pode concluir, não faz a menor diferença quem quer que seja o acionista controlador da companhia. Assim, atribuir o desastre à privatização, ocorrida há mais de 20 anos, não apenas soa como oportunismo barato como é mesmo oportunismo barato.
    Isto dito, seu partido, nos longos 13 anos em que permaneceu no poder, poderia reverter as tão malignas privatizações, mas não o fez, se bem que, no caso da Vale, não podemos deixar de lado, como a esquecida futura ex-senadora, que o governo Dilma interveio na empresa, forçando a demissão de seu então presidente, Roger Agnelli, em 2011.
    Adicionando à trama, a responsabilidade pelo ocorrido não se limita à Vale. A empresa opera sob regulação e fiscalização de várias instâncias governamentais. No caso da barragem da Mina do Córrego do Feijão, a deliberação normativa 217, emitida pelo governo de Minas Gerais, então chefiado por Fernando Pimentel, permitiu a redução das etapas de licenciamento ambiental no estado
    Há pouco mais de um mês, diga-se, a Câmara de Atividades Minerárias, órgão do governo do estado, rebaixou o risco da barragem.
    Mentiria se dissesse ter condições de opinar sobre os aspectos técnicos, tanto da deliberação normativa quanto da decisão da Câmara de Atividades Minerárias, mas, independentemente disso, deve ficar claro também que o governo de Minas Gerais também é responsável pela tragédia. 
    Apesar disso, a imêmore futura ex-senadora convenientemente se esquece de mencionar o fato, talvez porque seu partido controlasse o estado à época.
    Ao final, não falta culpa no cartório, mas, como argumentado, a tentativa de atribuir a tragédia à privatização reflete, além de óbvia ignorância, interesses políticos escusos. Em parte, para tentar impedir que lama de Brumadinho respingue no já enlameado partido, ocupação em tempo quase integral de seus dirigentes.
    Mais relevante, talvez, é o interesse pela manutenção do atual estado das coisas. Políticos de vários matizes, ideológicos inclusive, se opõem à privatização por uma razão muito simples: enquanto houver carniça, os urubus terão o que comer.
    Nada menos confessável, nem, infelizmente, mais verdadeiro.