sábado, 13 de outubro de 2018

Águas turvas, João Domingos. OESP

João Domingos, O Estado de S.Paulo
13 Outubro 2018 | 05h00

Restam ainda duas semanas para o segundo turno da eleição, a propaganda no rádio e na TV começou nesta sexta-feira, 12. Tudo e nada podem acontecer. Levando-se em conta a primeira semana pós-primeiro turno, porém, não dá para dizer que foi uma semana boa para Fernando Haddad. Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede) frustraram as tentativas do PT de tornar Haddad líder de um movimento amplo de defesa da democracia. O PDT declarou apoio crítico ao PT, mas Ciro, de quem se esperava o apoio formal, viajou para a Europa e deixou Haddad na mão. Já Marina se disse contrária a Bolsonaro, virou as costas e nada mais disse. Ainda no campo dos gestos políticos, a senadora Kátia Abreu (PDT-TO), vice de Ciro, pediu que Haddad abandone a disputa e dê lugar ao candidato do PDT, por suas condições reais de derrotar Jair Bolsonaro (PSL).
Para completar a má fase, Haddad caiu numa armadilha nesta sexta. Depois de participar de uma missa, em São Paulo, o candidato foi abordado por uma mulher que o chamou de “abortista”. Haddad respondeu: “Eu sou neto de um líder religioso”. E completou: “Você deve ser ateia”. A discussão foi gravada pela reportagem do Broadcast Político. Mesmo que Haddad tenha se sentido agredido pela forma como a mulher o abordou, dizer que ela “deve ser ateia” foi um erro político primário. Em primeiro lugar, num país laico, de liberdade religiosa plena, é livre ser desta ou daquela religião, assim como é livre não ter religião nenhuma. Dizer que alguém é ateu numa conotação negativa, como Haddad disse, é intolerância religiosa, intolerância que tem se tornado um dos males do Brasil atual. Sem falar que qualquer manual mequetrefe sobre política desaconselha o candidato a bater boca com quem quer que seja, mesmo que este esteja cumprindo tarefa de um adversário, provocando-o ao máximo. É o candidato que está atrás de votos. É ele que está exposto. Nessa condição, não pode cometer deslizes.
Deixando-se de lado esse episódio e voltando-se os olhos para a composição da Câmara e do Senado dos próximos quatro anos é possível arriscar-se a escrever que, se eleito, Fernando Haddad terá mais dificuldades nas relações com o Congresso do que Jair Bolsonaro. PT, PSB, PDT, PSOL, PCdoB e PROS elegeram 143 deputados (cerca de 28% da Câmara) e 13 senadores (16% do Senado). Portanto, se vencer a eleição, Haddad terá de negociar apoio com os partidos que, desde 2016, com o impeachment de Dilma Rousseff, o PT acusa de “golpistas”.
Pode-se dizer também que Jair Bolsonaro terá dificuldades no Congresso, pois, em vez de 25 partidos, quem vencer a eleição terá de negociar com 30, e isso sempre dá trabalho. Os partidos que apoiam o capitão reformado do Exército elegeram 145 deputados (também cerca de 28%), dois a mais do que a bancada de Haddad. Mas a esses deputados bolsonaristas deverão se somar os que compõem as bancadas ruralista e evangélica. Ao todo, de acordo com cálculos iniciais, um eventual governo de Bolsonaro poderá nascer com uma base de cerca de 350 deputados.
O PT manobrou para tirar candidatos de centro-direita e de centro-esquerda do caminho do segundo turno. Queria enfrentar Jair Bolsonaro. Os estrategistas do partido concluíram que o sentimento anti-PT seria favorável a Geraldo Alckmin, Ciro Gomes e Marina num segundo turno. Só que a onda antipetista atingiu todo mundo e praticamente aniquilou a centro-direita. Eleitores desse campo pularam para os lados do capitão. O resultado foi um Congresso mais pró-Bolsonaro do que pró-Haddad. Se o petista superar todos os obstáculos da campanha e vencer a eleição, terá ainda de correr atrás, num ambiente hostil, de uma maioria que lhe garanta governabilidade.

Agro global: acesso aos mercados Marcos Sawaya Jank, FSP

Essa é a peça central de um novo ciclo de crescimento do agro

No segundo artigo da série sobre os desafios da inserção global do agro brasileiro vamos tratar do tema mais crucial para consolidar um novo ciclo de crescimento desse setor: acesso a mercados.
De nada adianta recebermos dezenas de pedidos de clientes potenciais a cada semana ou propostas de parceria no exterior se não conseguimos a "permissão para exportar", ou seja, para ingressar formalmente nos mercados. Sem acesso, tampouco adianta baixar custos, melhorar a infraestrutura ou diferenciar produtos.
Contêiner no terminal multiuso da BTP no porto de Santos - Zanone Fraissat/Folhapress
No passado, as principais restrições de acesso a mercados eram elevadas tarifas de importação, quotas proibitivas e concorrência de subsídios domésticos. Hoje as barreiras mais perversas são as não tarifárias: sanitárias, técnicas ou burocráticas.
Temos ganhado mercado frente aos nossos concorrentes nos produtos que enfrentam menores barreiras, como soja, milho, algodão, café e celulose. Já nas carnes, lácteos, açúcar, frutas e alimentos processados o Brasil tem perdido mercado por causa de barreiras e subsídios, que demandam do país maior estratégia e priorização de ações.
Como a nossa produção agropecuária já ultrapassa, de longe, a dimensão do mercado doméstico, é necessário agir em três frentes de acesso a mercados:
1. Negociações comerciais: para manter o acesso que conquistamos no passado temos obrigatoriamente de retomar negociações com países e blocos estratégicos. Não vai ser fácil. Ficamos 15 anos isolados do mundo, sem uma política comercial consistente. Hoje estamos no fim da fila, pois nossos concorrentes e clientes da Europa, América do Norte, Ásia, Oceania e Aliança do Pacífico estão cobertos por mais de uma centena de acordos de livre-comércio ou preferenciais.
Na agenda agro, precisamos concluir o Acordo UE-Mercosul com a maior brevidade, mesmo que de forma subótima. Deveríamos investir pesado na Ásia, por meio do ingresso na Parceria Transpacífica (CPTPP) ou de um acordo com a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). Em paralelo, precisamos avançar na difícil negociação com o Japão e a Coreia do Sul, já anunciada mas ainda pouco factível.
2. Parcerias estratégicas: de longe, a parceria mais importante é com a China, nosso maior cliente e investidor atual e potencial no agro. Temos de diversificar as exportações para esse país muito além da soja, atrair investimentos e agir de forma mais estratégica e coordenada, dentro do governo e em ligação estreita com o setor privado. Uma parceria estratégica com os EUA também seria fundamental, ainda que difícil no contexto da atual administração americana.
3. Abertura para importações: exportamos sete vezes mais do que importamos no agro. Queremos acessar o mundo, falamos o tempo todo das nossas belezas e grandezas, mas na hora de negociar com os parceiros comerciais não oferecemos nada em troca.
Dos cinco maiores exportadores do agro mundial, somos o único que tem importações irrisórias. Continuamos sendo um dos países mais fechados do mundo. Trigo, cacau, café, banana, coco, camarão, lácteos e pescados são exemplos de produtos nos quais o protecionismo localizado impede grandes volumes de exportações potenciais.
Acesso aos mercados é peça central no tabuleiro que leva a um novo ciclo de crescimento do agro brasileiro. O tema torna-se ainda mais relevante em um ambiente de comércio administrado por interesses geopolíticos, retaliações, disputas comerciais e um imenso "toma lá dá cá".
marcos@jank.com.br
Marcos Sawaya Jank
Especialista em questões globais do agronegócio, trabalha em Singapura. É livre-docente em engenharia agronômica pela USP.

    Estratégia para o açúcar e o etanol, Marcos Sawaya Jank, FSP

    Nosso programa é único, robusto e flexível; é hora de internacionalizá-lo

    O Brasil perdeu a posição de maior produtor mundial de açúcar para a Índia, que neste ano vai produzir 35 milhões de toneladas, contra 30 MT do Brasil. Logo atrás do Brasil vem a Tailândia com produção de 15 MT e exportações de 13 MT.
    Até 2010 navegamos solitários e imbatíveis no mercado mundial de açúcar, graças aos ganhos de produtividade ocorridos após a desregulamentação do setor nos anos 1990, à existência de forte demanda no mundo e à introdução da frota de veículos flex-fuel no Brasil em 2003. O etanol consome 50 a 60% da cana produzida.
    Mas nuvens negras foram se acumulando no horizonte deste setor. A primeira foi a política inconsequente de congelamento dos preços dos derivados de petróleo no Brasil, que destruiu a rentabilidade da Petrobras e dos produtores de etanol. Felizmente essa política nefasta foi desmontada no governo Temer.
    A segunda, mais sutil, é que a crise gerada pela falta de investimentos no setor a partir de 2010 incentivou concorrentes a expandirem a sua produção. Até 2000, a produtividade de açúcar por hectare da Tailândia e do norte da Índia (em Uttar Pradesh, principal estado produtor) era cerca de metade da alcançada pelo Brasil. Hoje ela quase se iguala à nossa.
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    Complexo produtos de cana-de-açúcar em Uttar Pradesh, na Índia - Mustafa Quraishi/Associated Press
    Enquanto ficamos esperando uma política pública decente para o etanol, que ainda não se materializou, nossos principais concorrentes nos alcançaram na produtividade da cana e na beterraba açucareira.
    Ocorre que esses países concederam pesados subsídios e proteções aos seus produtores, como a fixação de preços garantidos para a cana-de-açúcar, elevadas tarifas de importação, incentivos para conversão de terras para cana e pesados subsídios para insumos, crédito, fretes e exportações.
    Isso criou um "círculo vicioso" em que altos preços fixos de cana geram excedentes de açúcar, que são jogados no mercado mundial com o apoio dos Estados, derrubando os preços internacionais e gerando pressão por mais protecionismo.
    O drama do setor sucroenergético brasileiro é que o etanol perdeu competitividade para a gasolina entre 2008 e 2017 e agora o açúcar perde mercado com a expansão acelerada da cana e da beterraba no mundo, turbinada por vários governos.
    A solução seria criar um "círculo virtuoso" no qual os países direcionassem o seu excedente de cana-de-açúcar para produzir etanol, em vez de açúcar, seguindo a experiência brasileira. China, Índia e Tailândia fixaram metas de misturar 10% de etanol na sua gasolina, mas jamais criaram os instrumentos para cumpri-las. Se o fizessem, poderiam consumir 26 bilhões de litros de etanol por ano até o fim desta década, reduzindo a sua dependência por petróleo e as emissões de gases de efeito estufa, melhorando a qualidade do ar e gerando renda e emprego nos países. Nesse último mês, o governo da Índia sabiamente adotou diversas medidas nessa direção.
    Sempre poderemos recorrer à OMC (Organização Mundial do Comércio) para questionar subsídios e proteções que não respeitam as regras multilaterais de comércio, mas os processos levam anos para serem concluídos e o resultado é incerto, e nem sempre aplicado.
    Temos uma rica experiência para transmitir a esses países em termos de flexibilidade de conversão da cana (em açúcar ou etanol), mandatos obrigatórios de mistura de etanol na gasolina (hoje fixado em 27% no Brasil) e de carros flex que dão ao consumidor a opção de abastecer com gasolina ou etanol.
    Nosso programa de etanol é único, robusto e flexível. É hora de internacionalizar essa experiência na Ásia, ajudando os nossos concorrentes a encontrarem uma saída virtuosa para resolver o principal fator que hoje destrói a rentabilidade global do setor açucareiro.
    Marcos Sawaya Jank
    Especialista em questões globais do agronegócio, trabalha em Singapura. É livre-docente em engenharia agronômica pela USP.