sábado, 13 de outubro de 2018

Agro Global 3: diferenciação e imagem, FSP

Dentre os grandes exportadores do mundo, o Brasil é o menos conhecido

No terceiro artigo da série sobre a inserção global do agro brasileiro vamos tratar de um desafio ainda distante: diferenciação e imagem.
Dentre os grandes exportadores do agro mundial, o Brasil é o menos conhecido.
Raras são as pessoas no exterior que já ouviram falar da revolução tropical brasileira que fez com que a produtividade total da agricultura crescesse o dobro das taxas observadas na Europa, América do Norte e Oceania.
Colheita de soja no Paraná - Mauro Zafalon/Folhapress
No geral, o Brasil é associado com imagens de desmatamentos, uso excessivo de insumos e conflitos sociais.
As conquistas brasileiras na área da sustentabilidade não são reconhecidas —o Código Florestal, a vasta cobertura vegetal mantida em propriedades privadas, os instrumentos da agricultura de baixo carbono, a baixa pegada hídrica e a matriz energética limpa e renovável.
Apesar da reorientação da Apex-Brasil para cobrir essa lacuna nos últimos anos e da bem-vinda estratégia de internacionalização, marca institucional e promoção anunciada pelo ministro Maggi, as características únicas do agro brasileiro ainda são apresentadas de forma esporádica e condensada no exterior.
Fora de eventos setoriais e missões oficiais, raras são as ocasiões em que falamos com força e propriedade no exterior.
Se na Europa o debate sobre sustentabilidade é intenso e quase sempre crítico ao Brasil, em outras regiões do planeta pecamos pela ausência de mensagens fortes.
Na Ásia, por exemplo, o tema da sustentabilidade é menos relevante do que preocupações ligadas a sanidade, rastreabilidade e qualidade dos alimentos, uma área que nossos concorrentes investiram pesadamente na sua imagem.
São esses os temas que mais demandam a construção de reputação e imagem do Brasil, com sustentabilidade.
Nosso contato no exterior se dá basicamente com tradings e importadores, e não com os demais elos da cadeia de valor: canais de distribuição, serviços de alimentação, varejo e consumidores, que no geral não conhecem a origem brasileira dos produtos que consomem.
No universo do agro brasileiro, raras são as empresas brasileiras que de fato exportam. Mais raras ainda são as que têm presença, estratégias de comunicação e marcas no exterior.
A primeira condição para diferenciar nossos produtos e marcas é ampliar a presença física do setor privado brasileiro no exterior.
Não podemos (nem é bom) depender unicamente da ação do governo.
Ações coordenadas do Itamaraty, Mapa, MDIC e Apex são fundamentais, mas as associações e as empresas precisam estar mais presentes, entendendo a cultura e a regulamentação local, o jogo político e as percepções e exigências dos mercados e consumidores, ponto de partida para qualquer esforço de imagem.
Se não conseguimos atingir os consumidores finais, precisamos ao menos nos relacionar de forma consistente e duradoura com aliados da cadeia de valor, formadores de opinião, autoridades e com a mídia especializada em cada mercado.
Algumas lições aprendidas observando a ação dos nossos concorrentes são:
  • coleta de percepções sobre os produtos no mercado destino, e não na origem;
  • participação ativa em debates locais com uso de dados sólidos, em vez de apresentações unilaterais e frases de efeito;
  • reconhecimento das nossas imperfeições, em vez do autoelogio ufanista;
  • construção de agendas bilaterais sólidas, substituindo conversas esporádicas;
  • convites para conhecer a realidade brasileira in loco.
Diferenciação e imagem são elementos a serem construídos em cada país-chave, com consistência, regularidade e estratégia de longo prazo.
marcos@jank.com.br
Marcos Sawaya Jank
Especialista em questões globais do agronegócio, trabalha em Singapura. É livre-docente em engenharia agronômica pela USP.

    Estrutura regulatória do agronegócio não acompanhou crescimento de exportações, FSP

    As exportações brasileiras do agronegócio quintuplicaram desde 2000, mas a estrutura regulatória que as cercam não acompanhou o processo em termos operacionais, financeiros, normativos e de pessoal.
    Esse é o tema do quarto e último artigo da série sobre a inserção global do agro brasileiro e as reformas necessárias. Nossos desafios são múltiplos:
    1. Legislação: está muito defasada e precisa ser modernizada e simplificada.
    Alguns marcos regulatórios da área de sanidade animal remontam à década de 1930.
    Nosso arcabouço normativo é mais complexo e engessado do que o dos nossos concorrentes.
    2. Fiscalização: precisaria ser mais eficiente e menos custosa.
    É preciso implementar definitivamente o novo regulamento que transfere para as indústrias a responsabilidade pela conformidade sanitária de processos e produtos, com verificações periódicas definidas por análise de riscos e aplicação de punições exemplares em caso de descumprimento.
    É fundamental haver um sistema de trânsito constante e obrigatório de agentes de fiscalização, a exemplo de outras carreiras como a diplomacia.
    Não é recomendável o mesmo fiscal permanecer anos a fio inspecionando a mesma planta. É preciso ainda alocar um maior número de profissionais em locais-chave como Brasília e no exterior.
    Outro imenso desafio é melhorar a estrutura de pessoas e equipamentos para evitar a entrada de pragas e doenças em um país continental, que tem 15.700 km de fronteiras com dez países.
    3. Agilidade de resposta: apesar dos grandes avanços em informatização de processos e na ampliação da rede de adidos agrícolas em países estratégicos nas gestões de Katia Abreu e Blairo Maggi, ainda presenciamos deficiências por parte do governo e do setor privado.
    São frequentes os desentendimentos no intercâmbio de informações com outros governos e em questionários técnicos mal preenchidos ou mal traduzidos.
    É preciso sistematizar um banco de dados com respostas-padrão para agilizar o preenchimento de questionários e as respostas aos países.
    Além disso, é preciso melhorar as traduções e revisões de forma que os documentos sejam entregues no padrão que o país-destino exige.
    Um maior número de missões do Ministério da Agricultura (Mapa) ao exterior e de visitas técnicas ao Brasil é também necessário para gerar conhecimento mútuo e dar agilidade aos processos no exterior.
    A boa notícia é que todos esses desafios foram adequadamente diagnosticados pela Secretaria de Defesa Agropecuária do Mapa, que apontou os caminhos a serem trilhados.
    Uma das propostas é a criação de uma agência ou serviço social autônomo (como as entidades do “Sistema S”) financiado por recursos públicos e uma taxa de fiscalização paga pelas empresas.
    O novo enfoque seria gerenciamento de riscos, execução focada em metas quantificáveis em termos de padrões de sanidade, desburocratização e simplificação de normas e procedimentos.
    Qualidade e sanidade de produtos são temas-chave para a abertura e a manutenção de mercados, particularmente no segmento de carnes, o mais sujeito a barreiras comerciais e medidas protecionistas.
    Basta dizer que enquanto a licença para exportar grãos e fibras é conferida ao país, nas carnes ela costuma ser dada por unidade industrial, ou seja, caso a caso.
    Entendo que essa é hoje a área mais prioritária e estratégica de atuação do Mapa. Se ela não funcionar direito, estaremos condenados a exportar apenas commodities primárias e simples.
    Os diagnósticos foram bem feitos. Precisamos avançar na implementação das mudanças necessárias já no início do próximo governo.
     


    Marcos Sawaya Jank
    Especialista em questões globais do agronegócio, trabalha em Singapura. É livre-docente em engenharia agronômica pela USP.

    Renovação pode crescer, Daniel Falcão, FSP

    Regra contra nanicos pode mudar radicalmente o cenário partidário brasileiro

    A câmara dos deputados vista de cima - Pedro Ladeira/Folhapress
    Daniel Falcão
    A grande renovação verificada na eleição para o Congresso Nacional em 2018 tem variadas explicações políticas e sociológicas. O crescimento da direita pode ser ainda maior, em razão de regras constitucionais que foram criadas justamente para barrar a participação eleitoral e congressual de partidos políticos nanicos como era, por exemplo, o PSL de Jair Bolsonaro até domingo (7). 
    A cláusula de barreira, classicamente, é um mecanismo que impede a eleição de parlamentares oriundos de partidos com pequena representação no Poder Legislativo. No Brasil, a adoção desse instrumento sempre foi em um modo mais temperado. 
    Em 2006, previa-se que o partido político, para ultrapassá-la, deveria ter ao menos 5% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados em todo o país, distribuídos em pelo menos nove estados, com um mínimo de 2% do total em cada um deles.
    O partido que não atingisse a cláusula perderia direito ao funcionamento parlamentar, ou seja, teria deputados que não poderiam participar de comissões e ficariam sem liderança partidária dentro do Congresso. 
    O STF, por unanimidade, entendeu ser inconstitucional essa cláusula, já que poderíamos ter na prática parlamentares com menos prerrogativas no exercício de seus mandatos.
    No bojo da reforma política feita em 2017, foi aprovada, dessa vez por emenda constitucional, uma nova cláusula de barreira. Dessa vez, não se afetaria de nenhuma forma o funcionamento parlamentar de qualquer partido, mas, sim, sua atuação eleitoral e sua própria existência. 
    Já nas eleições de 2018, os partidos que não atingissem 1,5% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados em todo o país, distribuídos em pelo menos nove estados, com um mínimo de 1% do total em cada um deles ou elegessem ao menos nove deputados federais distribuídos também em nove estados perdem o direito a fazer propaganda no horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão. Além disso, deixam de receber a partir de 2019 mais recursos do fundo partidário. 
    Dessa forma, o partido pode continuar existindo e seus parlamentares eleitos poderão ser deputados e senadores normalmente, mas o partido político que não ultrapassou a cláusula está, na verdade, condenado ao nanismo ou até mesmo à extinção. Algumas agremiações estão planejando fusões para juntas respeitarem esse mecanismo constitucional. 
    Por outro lado, a própria emenda que criou a cláusula traz outros dispositivos que serão a pá de cal nos partidos pequenos: primeiramente, nas próximas três eleições federais a dificuldade aumentará e, ao final, em 2030 a cláusula será bem mais difícil de ser cumprida, havendo a expectativa de que poucos partidos consigam superá-la. 
    Ademais, a Constituição abre uma exceção à regra da fidelidade partidária: os parlamentares eleitos por partidos que não cumpriram a cláusula podem mudar de agremiação sem qualquer ameaça de perda de seus mandatos.
    Assim, partidos que superaram a cláusula de barreira em 2018 — tradicionais ou não — receberão uma grande leva de parlamentares em fevereiro de 2019, logo após a posse dos novos congressistas, em especial aqueles que fizerem parte do novo governo a ser eleito no último domingo de outubro. 
    E salvo uma nova mudança na Constituição, veremos outras fusões e mais partidos perecendo em razão da exceção à fidelidade partidária em 2022, 2026 e 2030, em um fenômeno que pode mudar radicalmente o cenário partidário brasileiro criado desde o fim do bipartidarismo, em 1979.
    Daniel Falcão é advogado e professor doutor de direito constitucional do IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público
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