sábado, 13 de outubro de 2018

Demétrio Magnoli , A carta que Haddad não escreverá, FSP

A carta que Haddad não escreverá

O que o candidato do PT à Presidência deveria dizer na atual campanha eleitoral

Amanda Perobelli/Reuters
O Datafolha mostrou que a democracia é um valor fundamental para 69% dos brasileiros. Dirijo-me a essa ampla maioria para pedir um voto contra o autoritarismo. O Brasil experimentou uma ditadura militar de 21 anos. Eleger meu adversário seria colocar no governo um grupo de saudosistas da ditadura que testarão a resistência de nossa democracia. Minha candidatura tornou-se a única alternativa a isso. O segundo turno não pode ser um plebiscito sobre Lula ou o PT, mas um plebiscito sobre as liberdades públicas e individuais.
Verde-amarelo no lugar do vermelho? O marketing não substitui a política. Hora de assumir erros históricos, falar a verdade. O PT dividiu o país em “nós” e “eles”. Isso acaba aqui. Não qualificarei como “golpistas” os que defenderam o impeachment, a quem também peço o voto. Nunca mais usaremos o rótulo “fascistas” para marcar os que divergem de nós. Não mais usaremos o rótulo “racistas” para marcar os que discordam de políticas de cotas raciais. Adotaremos, perante a sociedade, o “protocolo ético” que meu adversário rejeitou. A pluralidade de opiniões é a substância da democracia. De agora em diante, nós a respeitaremos.
Democracia exige coerência. Lula respeitou a regra do jogo democrático ao não buscar um terceiro mandato sucessivo. Mas, reiteradamente, o PT ofereceu apoio ao regime ditatorial em Cuba, à ditadura instalada por Maduro na Venezuela, à escalada repressiva de Ortega na Nicarágua. Jamais concordei com isso, que acaba agora. Não cultivaremos ditadores de estimação. O Brasil defende a democracia aqui e lá fora. Na China e na Arábia Saudita, na Rússia e na Turquia, em Cuba e na Venezuela. 
Nas democracias, uma fronteira separa as esferas da política e da Justiça. Todos, inclusive eu, têm o direito de concordar ou não com decisões judiciais —mas os partidos e, sobretudo, o governo, não têm o direito de misturar as duas esferas. Lula está recorrendo aos tribunais superiores contra sua condenação. Meu governo não se envolverá nesse assunto e não o politizará. Sem independência do Judiciário, não existe democracia.
A imprensa livre é um pilar imprescindível da democracia. Trump, lá, e meu adversário, aqui, clamam contra o jornalismo profissional, enquanto seus seguidores difundem falsificações por meio de empresas oligopolistas da internet. Mas é preciso olhar nossa imagem no espelho. Durante anos, o PT pregou o “controle social da mídia”, como se a crítica, justa ou injusta, precisasse ser restringida. Chega dessa ladainha rancorosa. Difamação, injúria, calúnia são assunto para os tribunais. Fora disso, o “controle da mídia” deve ser exercido exclusivamente pelos leitores, espectadores e ouvintes, ao selecionarem os veículos de sua preferência.
Todos têm direito à ampla defesa. A caça às bruxas sempre foi ferramenta de tiranos ou pretendentes a tiranos. Mas não existe uma “corrupção do bem”. A “nossa” corrupção é intolerável, tanto quanto a dos outros. Os governos do PT têm pesada parcela de responsabilidade política pelos escândalos do mensalão e do petrolão. No meu governo, protegeremos os recursos públicos da sanha de corruptos de qualquer partido, inclusive do meu.
A economia não é um fim em si mesma: serve para as pessoas escaparem ao círculo da pobreza, viverem melhor, realizarem seus sonhos. Mas isso só ocorrerá de forma sustentada se recuperarmos o equilíbrio das contas públicas. A depressão dos últimos anos foi semeada pela irresponsabilidade fiscal do governo Dilma. Aprendemos a dura lição. Não repetiremos o erro desastroso, fonte última da crise que redundou no impeachment.
A disputa não é entre dois extremistas simétricos. Hoje, só há um extremista: meu adversário, que usa a democracia como plataforma para iniciar uma aventura autoritária. Derrotá-lo não é escolher o PT, mas escolher a democracia.
Demétrio Magnoli
Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

Jaques Wagner entra em campo, Elio Gaspari, FSP

O petista vitorioso na BA tentará costurar frente democrática para dar fôlego a Haddad

Jaques Wagner chega para a reunião com a cúpula do PT em São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress
Fernando Haddad e o comissariado petista querem costurar uma “frente democrática” para derrotar Jair Bolsonaro e puseram em campo o ex-ministro e ex-governador da Bahia, Jaques Wagner. Se conseguirem, no mínimo, levantam o nível da campanha.
Wagner é competente e seu desempenho na Bahia comprova isso. Governou o estado de 2007 a 2015, elegeu o sucessor que, por sua vez, acaba de se reeleger. 
Se lhe faltasse credencial, no início do ano defendia uma chapa com Ciro Gomes e Haddad na vice. Foi atropelado pelo oráculo de Curitiba, recolheu-se e foi tratar de sua campanha para o Senado.
As duas principais pontas dessa costura são Ciro Gomes e Fernando Henrique Cardoso. Ciro tem um capital eleitoral e já disse que “ele não”. Ainda falta que entre na campanha de Haddad.
Ele seria um corpo estranho no estilo que Haddad apresentou no primeiro turno. A questão será saber em que tipo de campanha e de propostas cabem os dois.
Só o tempo dirá onde o PT estava com a cabeça quando atropelou-o e, sobretudo, quando Dilma Rousseff descumpriu a palavra dada ao irmão de Ciro, que lhe oferecia uma cadeira de senadora pelo Ceará. 
Roberto Mangabeira Unger, velho amigo dos Gomes, já conversou com Haddad.
A ponta de Fernando Henrique Cardoso é mais delicada. Ele está fechado em copas, numa dupla negativa: “Não concordo com o reacionarismo cultural e o descompromisso institucional de uns vitoriosos e tampouco com a corrupção sistêmica e com o apoio ao arbítrio na Venezuela e em outros países”. Para tirá-lo dessa posição será necessária muita conversa.
Mesmo assim, FHC sabe o peso biográfico de um eventual silêncio. São duas costuras possíveis para Jaques Wagner.
Uma parte do fenômeno Bolsonaro saiu do rancor petista, da eternizada adoração oracular a Lula e, sobretudo, da resistência dos comissários à autocrítica. 
Muitas pessoas podem até votar em Haddad, mas se o preço for defender a moralidade petista no balcão de uma lanchonete acabam votando no capitão. O rancor produzido pela onipotência virou veneno e ainda está lá.
Mesmo depois do massacre de domingo, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse o seguinte: “Nós vamos fazer um chamamento a todos os democratas. (...) Não temos restrição, se as pessoas tiverem noção do que está em jogo no Brasil e defenderem a democracia têm que estar nessa caminhada.”
Quem a ouvisse acreditaria que falava a uma plateia de militantes. “Têm que estar”, por que, cara pálida? A causa democrática não precisa do toque de clarim do PT, é justo o contrário.
A ideia segundo a qual o programa do PT precisa apenas de ajustes é suicida. Quem propõe uma frente democrática não fala essa língua, até porque felizmente os comissários já jogaram no mar a proposta de uma Constituinte.
A maior frente já construída na política brasileira foi a das Diretas-Já, de 1984. Nela entrou até Tancredo Neves que, com fina percepção, a considerava “necessária, porém lírica”.
Na sua fala ao Jornal Nacional, Jair Bolsonaro desautorizou a sugestão de Constituinte de sábios e a referência ao “autogolpe” de seu vice Hamilton (e não Augusto) Mourão. 
Fica combinado assim. Faltou esclarecer o significado de uma frase na sua saudação de domingo: “Vamos botar um ponto final em todos os ativismos do Brasil”.
Sem ativistas não há democracia. Não existiriam o PT, nem o PRTB de Levy Fidelix com seu aerotrem. Bolsonaro também precisa de um filtro moderador, mas talvez a banda golpista de seu eleitorado nem o queira.
Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

Acordar a tempo, André Singer, FSP

 O que aconteceu nos últimos dias no Brasil precisa ser bem explicado. O postulante presidencial Jair Bolsonaro (PSL) ganhou seis pontos percentuais no próprio momento da eleição. Vale dizer que cerca de 6,5 milhões de eleitores tomaram  posição na última hora, quase levando o extremista de direita ao Planalto já no primeiro turno.
O tsunami radical se refletiu de maneira expressiva nos pleitos para a Câmara e Executivos de estados. O partido de Bolsonaro saiu de 8 para 52 deputados federais, a segunda maior bancada da Casa. Candidatos a governador quase desconhecidos, como Wilson Witzel(RJ) e Romeu Zema (Novo), dispararam, obtendo mais de 40% dos sufrágios válidos.
Para completar, a primeira pesquisa Datafolha, publicada na quinta passada (11) indicou que o capitão reformado teria 58% das intenções de voto no segundo turno, marcado para 28/10. A sociedade brasileira, em geral pouco afeita a posições de conflito, inclinou-se de repente para um dos polos. O que aconteceu?  
Desconfio que uma resposta abrangente, a qual sem dúvida envolve múltiplos aspectos, tarde a aparecer. Mas, para efeito de raciocínio, deixo aqui uma percepção. 
Tratou-se, a meu ver, da mistura explosiva, que tem precedentes na história nacional, entre a persistência das dificuldades econômicas e as denúncias de corrupção. 
Sem a rapidez estonteante das mensagens trocadas por WhatsApp, Jânio Quadros Fernando Collor de Mello representaram fenômenos similares. 
A inflação dos períodos Juscelino e Sarney, que os antecederam, bem como estrondosas denúncias de malversação do dinheiro público pelos políticos fluíram para o coquetel explosivo que colocou no Palácio do Alvorada dois presidentes eleitos instáveis, os quais não lograram terminar o mandato. 
Trata-se de uma espécie de protesto antissistema, mas à direita, que denota a esperança posta em uma autoridade firme, que “bote ordem na casa”.    
programa econômico de Bolsonaro registrado no TSE tem o “objetivo de equilibrar as contas públicas no menor prazo possível”. Para tanto, a sua proposta mais original é reduzir 20% da dívida pública por meio de privatizações. 
Em suma, haverá menos gasto público, com a provável estagnação do PIB e a deterioração de serviços essenciais à população de baixa renda. 
Pode-se prever, em consequência, uma queda na aprovação do eventual presidente. Um governo sem compromisso institucional reagirá à rejeição popular com repressão e força. 
Se parte dos que foram carregados pela fronda bolsonarista do último domingo (7) não acordarem do sonho autoritário nas próximas duas semanas, pode-se esperar pelo pior.