sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Depois do neoliberalismo,Nelson Barbosa, FSP

Crise do neoliberalismo ameaça democracia, assim como nos anos 1920

Há pessoas que se ofendem quando chamadas de neoliberal, pois acham que só há um modelo de economia possível, baseado na supremacia dos mercados sobre todos os demais aspectos da sociedade. Ironicamente essa é exatamente uma das definições do neoliberalismo, que hoje está em crise.
O neoliberalismo surgiu em resposta à crise da social-democracia nos países avançados, durante década de 1970. Baseado inicialmente nos EUA e Reino Unido (Reagan e Thatcher), as propostas neoliberais são, antes de tudo, uma crítica ao Estado de bem-estar social que dominou o Ocidente desenvolvido nas décadas de 1950 e 1960.
A própria social-democracia surgiu como resposta às alternativas extremistas de modelo social do início do século 20 —fascismo e comunismo— após a crise do liberalismo do século 19.
Como todo modelo social, a social-democracia funcionou bem por um tempo, mas entrou em crise por suas próprias contradições econômicas e sociais. Após a queda do Muro de Berlim, em 1989, o neoliberalismo se tornou dominante no Ocidente, produzindo crescimento e aumento da desigualdade.
O crescimento econômico médio dos países avançados foi menor na fase neoliberal do que durante o período social democrata, mas houve ganhos substanciais de produtividade e eficiência. Os maiores problemas do neoliberalismo são de outra natureza, social e política.
Primeiro, como lembrava meu professor José Fiori, o capitalismo desregulado é uma máquina de produzir crescimento, mas também de aumentar desigualdade e volatilidade.
Hoje, pós-Piketty, já é consenso até entre ortodoxos que a fase neoliberal coincidiu com o aumento da desigualdade no Ocidente. E, sobre volatilidade, a crise financeira de 2008 mostrou, mais uma vez, o potencial destrutivo de mercados financeiros sem supervisão adequada.
Segundo e mais importante, desde seu início com Friedman e Hayek, o neoliberalismo colocou a liberalização do mercado acima dos direitos civis. Nesse sentido, os pais do neoliberalismo apoiaram ditaduras como Pinochet no Chile, sob argumento de que o "bom funcionamento" da economia é mais importante do que democracia.
O general Augusto Pinochet, em 1998 - AFP
Esse ranço continua até hoje, como indica a defesa do "reprime, mas reforma" por alguns analistas no Brasil atual. Apesar dessas visões, o fato é que, após 30 anos de domínio, hoje é o neoliberalismo que enfrenta contradições.
A desigualdade crescente, com diminuição da classe média e aumento do poder dos super-ricos sem fronteiras, fez ressurgir o populismo autoritário de direita no Ocidente. Nos países avançados, os bodes expiatórios são os imigrantes. Por aqui, são os esquerdistas.
E, assim como a crise do liberalismo quase acabou com a democracia no início do século 20, a crise do neoliberalismo ameaça fazer o mesmo hoje.
A solução democrática para o problema é um novo modelo que combine eficiência econômica, liberdades individuais, redução de desigualdades e sustentabilidade ambiental. Só eficiência econômica não é suficiente. O desenvolvimento com democracia depende das quatro coisas.
A construção do que vier a substituir o neoliberalismo levará algum tempo, e isso não virá só de economistas. Boas soluções para problemas econômicos e sociais normalmente emergem do dia a dia da democracia e depois são racionalizadas e aperfeiçoadas por especialistas.
Por isso, ainda que não exista solução única para nossos problemas atuais, uma questão deve ser consensual: preservar a democracia e a diversidade, rejeitando qualquer proposta ou candidato que não se comprometa com isso em eleições.
Nelson Barbosa
Professor da FGV-SP, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

Os fascistas são a minoria, FSP

Quase metade do Brasil votou contra a democracia?

Jornalistas, cronistas e analistas políticos avaliam que os resultados das eleições vêm de uma onda conservadora, uma radicalização ou um sentimento de ódio ao partido adversário. Penso que poucos captaram até o momento os reais movimentos que nos levaram a esses resultados.

Bolsonaro se estabelece em 17% das intenções de voto e por meses lá permanece. Conheço alguns desses eleitores. Querem ter a liberdade de comprar uma arma, acreditam que bandidos sejam mais defendidos que as vítimas; uns poucos apoiam a pena de morte, não nutrem simpatia por minorias, negros e homossexuais, e em geral estão cansados das "safadezas", termo que generaliza corrupção e incompetência.

Não são pessoas ruins, mas têm um pensamento menos progressista. Tachá-los de fascistas, no entanto, parece exagerado.

Bolsonaro só sai da margem de erro dos 17% quando fica claro que Lula de fato não será candidato e que Fernando Haddad --que até então minguava com 2% a 4% nas pesquisas-- passa a receber votos que seriam de Lula e inflavam a votação de Marina e o contingente de nulos e de brancos.

Antipetismo, então? Quase isso!

Os 29% de votos que se somaram aos primeiros 17% não foram rapidamente migrando para Bolsonaro. Quanto mais pura a rejeição ao petismo, mais rápido o capitão recebeu tais votos. Quanto mais ponderado e informado, mais o eleitor tardou a embarcar na candidatura 17.
Mas, com o decorrer dos dias, ficava cada vez mais claro que a opção a Bolsonaro seria a volta de uma política de governo que, esta sim, é muito rejeitada. Estatais aparelhadas e a serviço de projetos políticos, capitalismo de compadre, déficit primário, perda do grau de investimento, BNDES financiando apoiadores e obras em outros países, uma névoa de projeto de poder bolivariano na América Latina, uma política externa marcada pela ideologia e não pela eficiência, controle dos meios de comunicação, tudo regado a corrupção.

Não é possível que se acredite que quase metade do Brasil votante optou por posições duvidosas quanto à democracia ou retrocessos na agenda progressista. Os eleitores que migraram para a candidatura 17 foram em blocos, engolindo a seco os pontos de rejeição para evitar o pesadelo da volta da nova matriz econômica e do jeito petista de governar.

Os últimos dois blocos que migraram para a candidatura, o primeiro entre quinta (4) e sexta-feira (5), que mudou o patamar de 36% para 41% das intenções de voto, e o segundo entre sábado (6) e domingo (7), que decretaram a subida final de 41% para 46%, são majoritariamente formados por pessoas progressistas, democráticas, que acreditam na igualdade de gênero, nas liberdades individuais, na necessidade de apoio aos mais pobres e nos direitos humanos, mesmo de pessoas que cometem delitos.

Tais pessoas não acreditam, porém, que essa agenda poderá ser alterada por essa candidatura. Acreditam, sim, que a sociedade e o país possuam bases e instituições sólidas que não permitirão retrocesso em conquistas de comportamentos, hábitos, costumes, liberdades etc.

Por outro lado, tais pessoas têm certeza de que, com um novo governo petista, a velha nova matriz econômica e o jeito petista de governar estarão conosco em 1º de janeiro.

O discurso aparentemente oportuno de união dos democratas não conquistará os 29% de eleitores que embarcaram na candidatura 17 por não querer a volta da política petista, e tão pouco chegará aos ouvidos dos 17% de eleitorado mais aderente de Bolsonaro.

Apenas a confiança de que a política praticada anteriormente pelo regime petista é considerada equivocada pelos seus autores e que nunca mais será repetida poderia conquistar eleitores que já optaram por dizer não à sua volta, a uma nova Carta aos Brasileiros. Mas tal discurso, neste momento, pareceria mais que oportuno; pareceria oportunista.
Gustavo Bizelli
Economista formado pela Unesp, pós-graduado pela FGV e especialista em inteligência de mercado pela Universidade da Califórnia; sócio da consultoria Diferencial Pesquisa de Mercado