quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Cru é cru, não é bobo - ROSÂNGELA BITTAR. Valor


Valor Econômico - 07/02

Fernando Henrique Cardoso considerou-o ainda muito cru embora, fiel ao estilo, tenha providenciado a seguir um passo atrás e dois para o lado. Ele próprio, o candidato, se declarou despreparado para a envergadura da tarefa ao pedir a ajuda de conselheiros, dois deles ouvidos aqui neste cenário que retrata idas e vindas dos últimos dois meses. A quantidade de vezes que o apresentador Luciano Huck anunciou sua não candidatura à Presidência da República só é proporcional, porém, àquelas em que a reiterou e confirmou aos mais próximos. Tanto pelo brilho do olhar, quanto pelas consultas, pelos encontros, estudos e orientação que demandou aos sábios com quem divide angústias e planos.

Não há como dizer, hoje, que a candidatura de Luciano Huck ou sua negação estão definidas. Na torcida pró-Huck há dois times: os que acreditam que ele deixou passar muito tempo para lançar-se, e o cavalo não passa encilhado duas vezes... etc; e os que acham mais do que adequada a definição em março ou abril, junto com a filiação a algum partido político, quando as pesquisas já estiverem mostrando seu potencial, que se espera significativo. Esses parecem menos equivocados, pois só agora, com a saída de Luiz Inácio Lula da Silva da disputa, as chances dos demais candidatos irão se clarificando.

Muitos esperam que ele se defina ao voltar das férias, outros que só dentro de dois meses. Já pensam e preparam, contudo, um andamento mais acelerado para a campanha do apresentador. É fato que terá pouco tempo para começar uma articulação que o leve ao centro da atenção política.

Quando viajou, antes da condenação de Lula, seus interlocutores na política acreditavam que só em caso de um acidente que provocasse um buraco profundo no quadro político Huck se candidataria. Esse abismo está aberto e as pesquisas mostram que nenhum candidato potencial despertou ainda a paixão do eleitorado.

Huck poderá herdar muitos colégios eleitorais do lulismo (não do petismo), boa parte do eleitorado do tucanato que, mesmo mantendo a candidatura Geraldo Alckmin, teria uma aliança forte para o segundo turno com qualquer um dos dois que passar pelo crivo da primeira rodada.

Se há algo sobre o quê não se tem dúvidas é que Huck é uma candidatura do PSDB, filie-se a que partido for. Foi entre tucanos que militaram seus pais e padrasto, além dele próprio. Ainda tem mais essa: se desistir definitivamente, é claro que enfraquecerá o candidato do PSDB, pois deixará de fortalecê-lo e a ele somar forças.

As questões que levanta em conversas com seus conselheiros são relevantes e representam dúvidas de quem está em processo de construção de uma candidatura. Ele quer saber o que fazer com o desemprego, como levar o país ao crescimento, o problema grave e profundo da Previdência Social, as soluções para a Saúde e a Segurança e a questão educacional, uma espécie de assunto do coração do apresentador. Isso é possível? É demorado? Qual o caminho? São suas perguntas mais frequentes. Não dá tons ideológicos aos questionamentos, mas procura sempre a rota do que é necessário ao pais.

Por que acha que não está preparado? Porque não tem partido, não tem grupo político, não sabe ainda como levar adiante uma candidatura sem isso, seu pensamento não é conhecido e terá que fazer o enfrentamento de muitos interesses de grupos com ele supostamente afinados, para, por exemplo, quebrar a matriz que não deu certo.

Muitos de seus eleitores potenciais ainda acham que Huck vai ficar distribuindo geladeira na Presidência, mas é politicamente mais sofisticado do que se mostra.

O que Luciano Huck sabe que tem e seus conselheiros percebem é muito forte também: um carisma avassalador, que deixa os políticos boquiabertos, uma capacidade extraordinária de conquistar admiradores e, portanto, votos, e uma disposição infinita para enfrentar desafios. Ele é um dínamo.

Na geleia geral, Huck ainda é o melhor novo nome da atual corrida e tem condições de fazer uma campanha não populista, com uma agenda real sem promessas vãs nem dribles em assuntos com os quais não quer se comprometer para ficar livre e fazer o contrário quando no governo.

Sua decisão final, pela maturidade e autoconhecimento que vem demonstrando, dependerá da resposta interior à questão sobre se está pronto, do ponto de vista político, para fazer valer a pena a empreitada, não só para ganhar, como para governar. Uma vez decidido, é fechar o programa de TV e expor-se às feras.

O mordomo

Rodrigo Maia está há muito tempo tentando fazer um seguro de garantia que liberte a Câmara Federal de culpa pela não aprovação da reforma da Previdência, como se isso fosse possível. Fica irritado quando inquirido sobre o assunto, toma a iniciativa de livrar a cara de deputados no caso de a Previdência Social quebrar se não sofrer mudanças radicais. Seria esclarecedor se complementasse seu raciocínio com explicações sobre de quem acha que é a culpa pela derrota da reforma cuja aprovação, no momento, é atribuição dos deputados federais.

O substituto

O PT de bom senso começa a considerar um terceiro nome para substituir Lula na disputa presidencial de outubro próximo: Patrus Ananias. Jaques Wagner e Fernando Haddad estiveram em cargos e atuaram muito próximos ao esquema de financiamento de campanha coordenado pelo partido e agora sub judice.

Patrus, não, foi tocado de raspão apenas numa delação da Odebrecht, e nada mais. É leve, nos governos petistas trabalhou com assistencialismo, é conhecido do público do Bolsa Família, o eleitorado cativo de Lula que não é necessariamente o do PT. Tem fama de santo, e parece. Não tem perfil para vencer, mas seria nome ideal para fazer bancada ampla, puxando a votação.

Ele toparia, imagina-se. Não está também envolvido com o governo petista de Minas, processado judicialmente. Com ele, é possível o PT dizer ao eleitorado de Lula: não tem o que você quer, mas este é quem melhor o substitui para atender suas necessidades.

TIC, TAC - Juro subirá lá fora, e políticos não sabem o tamanho da encrenca - ALEXANDRE SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 07/02

Se caminhamos para taxas maiores nos países ricos, reformas ficam mais urgentes

Tivemos na semana passada a última reunião do Federal Reserve sob o comando de Janet Yellen, quando se decidiu pela manutenção dos juros básicos americanos entre 1,25% e 1,50% anual, sinalizando, porém, que a taxa subirá durante o ano, ainda que deva se manter abaixo do nível que, espera-se, prevalecerá no longo prazo.

Apesar da mensagem tranquilizadora, o mercado de títulos começa a mostrar preocupação: a taxa de juros para dez anos, talvez a mais importante do sistema solar, subiu de algo como 2,5% ao ano para pouco mais de 2,8% anuais do começo de janeiro para cá, o nível mais elevado desde o observado no fim de 2014.

Não se trata, à primeira vista, de um grande movimento e, para falar a verdade, é ainda um nível historicamente baixo (para os mais curiosos, a série desde 1953 pode ser vista aqui, mas já foi suficiente para afetar não só o dólar no Brasil mas as Bolsas em todo o mundo, que sofreram forte queda.

O fato é que os dados mostram a economia americana crescendo na casa de 2% a 2,5% ao ano desde 2010, suficiente para reduzir de modo persistente a taxa de desemprego, que caiu de 10% ao final de 2009 para 4,1% nos últimos quatro meses, nível que parece representar o pleno emprego naquele país.

Apesar de outras medidas (mais amplas) de desemprego sugerirem a possibilidade de alguma folga escondida no mercado de trabalho americano, tal folga, se existir, também não é das maiores. Não por acaso, o salário médio por hora subiu quase 3% em janeiro deste ano, o ritmo mais forte desde junho de 2009. De forma consistente, as projeções no mercado de títulos para a inflação subiram para pouco mais de 2% ao ano no horizonte de dez anos.

É bom deixar claro que não estamos falando de gigantesca aceleração inflacionária; no entanto, na comparação com os últimos anos, período em que salários não pressionaram a inflação, trata-se de uma dinâmica visivelmente distinta.

O receio, portanto, do mercado de renda fixa, que se exprime na forma de juros mais elevados, parece refletir a percepção de que a reação da política monetária terá que ser um tanto mais rápida, e mais vigorosa, do que as três elevações de 0,25% que se imaginavam como o cenário mais provável para 2018.

Esse risco se agrava na presença do estímulo proveniente do corte de impostos aprovado no fim do ano passado, que deve elevar a demanda no curto prazo ainda mais rapidamente.

Até agora vivemos um momento muito particular da economia global: conjugamos crescimento forte e disseminado com liquidez abundante, que estimula a busca por taxas de retorno (e risco) mais elevadas.

O primeiro ajuda o desempenho das nossas exportações, portanto nosso equilíbrio externo; já a segunda tem anestesiado investidores no que se relaciona à paralisia reformista mesmo em face de um sério desequilíbrio fiscal no país.

É bom ter em mente que essa janela não permanecerá aberta indefinidamente. Se, de fato, estamos observando os primeiros movimentos da transição para um mundo mais normal, com taxas de juros mais elevadas nos países ricos, reformas se tornam ainda mais urgentes.

Pelo andar da carruagem, contudo, o mundo político ainda não se deu conta do tamanho da encrenca. Quando perceber, poderá ser tarde demais.

quarta-feira, fevereiro 07, 2018 Relatório Oxfam: o que de fato está distante? - ADRIANO PARANAIBA

Todos queremos um mundo mais justo, e partimos do preceito de que a igualdade seria o ponto-chave, mas igualdade em quê?

Recentemente, a ONG Oxfam publicou um relatório intitulado “A distância que nos une: um retrato das desigualdades brasileiras”, e gerou uma grande repercussão, tanto exaltando suas conclusões quanto criticando suas omissões metodológicas.

Poderia me juntar ao exército de analistas que dominam os conceitos de matemática básica e estatística para tecer críticas aos colossais equívocos metodológicos e desonestidade técnica presentes no relatório, como, por exemplo, o uso de estimativas parciais e comparação entre bancos de dados incompletos. Também poderia me juntar a outros diversos pesquisadores que apontam equívocos, para não repetir a palavra “desonesta” no texto, na utilização de conceitos econômicos, como os termos “riqueza líquida” e “endividamento”. Da mesma maneira, poderia fazer coro aos tantos outros que indicam que foram ignoradas importantes informações como o Índice de Gini e relatórios da Organização Mundial da Saúde que apontam melhoras significativas na qualidade de vida ao redor do mundo. Porém, quero me ater a uma discussão sobre o que acredito ser o ponto central não só do relatório, mas da própria missão desta ONG.

No relatório existe uma forte convicção da necessidade de promover igualdade no Brasil e no mundo, partindo da perspectiva de que “não é possível erradicar a pobreza no mundo sem reduzir drasticamente os níveis de desigualdade”, conforme aponta o próprio relatório na sua página 11. Este é o ponto principal da discussão.

Ninguém quer ser igual ao vizinho ou ao colega de trabalho; as pessoas querem ter o que atenda a subjetividade de suas necessidades


Quando falamos em desigualdade, vêm à mente os ideais da Revolução Francesa de “liberdade, igualdade e fraternidade”, inspirados na análise de Jean-Jacques Rousseau em A origem da desigualdade entre os homens. Ao longo da história, diversos líderes embriagados por esta necessidade suprema de reduzir a desigualdade, para assim abolir a pobreza, obtiveram como resultado de seus experimentos sociais mais pobreza, fome e morte. Não estou sinalizando minha opinião sobre regimes socialistas, mas evidenciando fatos: mais de 100 milhões de vítimas de regimes socialistas são contabilizadas pelo The Victims of Communism Memorial Foundation. Ou seja: foi criada uma relação equivocada de causa e consequência entre desigualdade e pobreza.

Quando se fala em igualdade, ela é confundida com o conceito de justiça. Todos queremos um mundo mais justo, e partimos do preceito de que a igualdade seria o ponto-chave, mas igualdade em quê? Quem soube responder essa pergunta com maestria foi Martin Luther King Jr., que lutou pela igualdade dos direitos civis. Em vez de promover uma luta racial nos nos Estados Unidos dos anos 1960, ele fez algo muito maior, e queria a igualdade de oportunidades entre brancos e negros. Não há evidências de que ele tenha pedido cotas em escolas, mas pediu que todos tivessem o justo acesso à escola e, pelo mérito individual, cada um trilhasse seu caminho. Ademais, Rosa Parks, considerada a “mãe dos direitos civis”, se recusou a ceder o seu lugar a um homem branco em um ônibus em Montgomery (algo obrigatório pelas leis segregacionistas) por acreditar que já havia conquistado aquele lugar. Uma luta por justiça.

Além disso, a redução da pobreza pode ter mais correlação causa-consequência com as outras duas metas da Revolução Francesa: liberdade e fraternidade. A liberdade, tanto em questões pessoais quanto econômicas, é o que garante a possibilidade de as pessoas saírem da condição de pobreza e, com o anseio de buscar uma condição melhor, serem livres de escolher as possibilidades disponíveis que garantam a satisfação das suas necessidades individuais. Ninguém quer ser igual ao vizinho ou ao colega de trabalho; as pessoas querem ter o que atenda a subjetividade de suas necessidades. Um governo planejador jamais saberá a cor da camisa que deixa um cidadão mais satisfeito, e o quanto outro cidadão estaria disposto a abrir mão de um suculento filé por um ingresso para o jogo de seu time do coração.

A última meta, a fraternidade, parece ser a mais esquecida, embora seja a peça para que a humanidade avance em seu processo evolutivo como sociedade, tal qual se é propagado pelos defensores do igualitarismo. Promover a igualdade de modo coercitivo não traz mérito para ninguém. O desejo de compartilhar e ser solidário é um valor individual que deve ser cultivado, e não a retórica doutrinária de que é preciso tomar de uns em favor de outros. Essa doutrina – socialista – nos torna mais distantes da possibilidade de sermos uma sociedade que pense no bem comum, pois nos ensina a enxergar no outro o inimigo, motivados pela falácia da luta de classes. Ludwig von Mises, notável economista e filósofo do século 20, já havia predito a impossibilidade de êxito, tanto econômico quanto social, dessa mentalidade – e isso nas primeiras décadas do século passado, uma época em que a implantação de regimes socialistas era unanimidade e tida como solução para as mazelas do mundo.

Estamos, sim, distantes – cada vez mais distantes de enfrentar o que verdadeiramente aumenta a pobreza: falta de liberdade e de espírito fraterno, os verdadeiros motes para alcançar o que de fato anseia a humanidade, seja como um grupo, seja como indivíduos.


Adriano Paranaiba, economista e doutor em Transportes, é professor de Economia e Gestão no Instituto Federal de Goiás e editor-chefe do periódico acadêmico “Mises: Interdisciplinary Journal of Philosophy, Law and Economics”.