domingo, 4 de fevereiro de 2018

A esquerda tem de buscar um alinhamento’, diz Cardozo, OESP


Para Cardozo, futuro do PT e do campo ideológico depende de uma reflexão; ele diz que não há plano B à candidatura de Lula

Ricardo Galhardo, O Estado de S.Paulo
04 Fevereiro 2018 | 05h00
O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo avalia que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem chances de obter vitórias nas cortes superiores após a condenação em segunda instância. “Agora, nesse processo, sinceramente, tudo vira uma incógnita. Espero que os tribunais superiores apliquem o bom direito”, disse em entrevista ao Estado. Cardozo quase sempre esteve do lado oposto ao de Lula na disputa interna do PT. Ironicamente, ele afirma que um dispositivo criado quando era relator da Lei da Ficha Limpa pode garantir ao ex-presidente o direito de disputar a eleição mesmo tendo sido condenado por órgão colegiado. 
Na entrevista, o ex-ministro considerou que o PT faça alianças pontuais com candidatos de partidos que votaram a favor do impeachment de Dilma Rousseff, elogiou a postura do senador Renan Calheiros (MDB-AL) durante o processo e disse que com ou sem Lula, a esquerda e os setores democráticos devem passar por um processo de reconstrução e reaproximação para barrar o que considera o avanço da extrema direita. “Os setores de esquerda – e ousaria dizer que os setores democráticos – têm que repensar o que está acontecendo no Brasil e buscar um alinhamento.” 
ctv-5nc-jose-eduardo-cardozo
José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça do governo de Dilma Rousseff. Foto: MANDA PEROBELLI / ESTADAO
O PT deve fazer alianças com partidos que defenderam o impeachment de Dilma? 
O impeachment tem características que devem ser medidas com cuidado. Vi nuances diferentes dentro do próprio MDB durante o processo, entre os articuladores do golpe e outras pessoas que resistiram a isso no limite das suas possibilidades. Uma pessoa que teve um papel diferenciado foi o Renan (Calheiros). Ele se comportou com muita lisura. Depois ele votou no impeachment, mas se comportou com um papel de Estado. O PT tem que analisar caso a caso.
Com a decisão do TRF-4, Lula está inelegível? 
Tive oportunidade de ser relator da Lei da Ficha Limpa que tem uma característica muito especial. No momento em que se discutia a lei no Congresso eu e o então deputado Flávio Dino (PCdoB, atual governador do Maranhão) percebemos que havia uma possibilidade muito ruim de que decisões tomadas por órgãos colegiados regionais pudessem afastar pessoas indevidamente. Seria uma situação muito injusta ter uma decisão equivocada, todos perceberem isso, subitamente a pessoa ser afastada da eleição e depois o recurso ser admitido por outros tribunais. Então elaboramos uma ideia que foi incorporada à lei segundo à qual havendo plausibilidade do recurso pode haver efeito suspensivo para que a pessoa possa disputar a eleição. 
É o caso de Lula?
Naquele momento já antevíamos a possibilidade de decisões arbitrárias por parte do Judiciário. Fizemos essa colocação e incluí no relatório em um momento em que havia muita dificuldade de fazer alterações na Lei da Ficha Limpa. No momento em que estamos hoje, o ex-presidente Lula ainda tem um recurso no TRF-4 que são os embargos de declaração. Uma vez consumado isso ele pode recorrer às instâncias superiores pedindo a revisão ou anulação da decisão e não tenho a menor dúvida de que esse recurso tem plausibilidade e deve levar à concessão de um efeito suspensivo. 
Qual o futuro da esquerda e do PT com ou sem Lula?
Todo esse processo que vivemos ao longo destes últimos anos mostra que precisamos repensar o que fizemos ao longo da nossa trajetória. Os setores de esquerda – e ousaria dizer que os setores democráticos – têm que repensar o que está acontecendo no Brasil e buscar um alinhamento. Só um segmento ganha com essa barbárie política que vivemos. É a extrema direita. A dimensão utilitária da vida política só leva a um ganhador, o fascismo.
O PT deve ter um plano B? 
Não. A candidatura do ex-presidente Lula não é só dele. Ela tem uma dimensão democrática. Não permitir que Lula esteja em uma eleição significa ofender a democracia e, mais ainda, trazer a ilegitimidade ao processo eleitoral. O que o Brasil precisa para sair da crise é um processo eleitoral legítimo no qual aquele que sair das urnas, seja Lula ou não, seja reconhecido pela população. Por isso a candidatura dele é vital, necessária não só para as forças políticas que o apoiam mas para a democracia do Brasil. Até para os adversários que querem uma disputa eleitoral legítima. A democracia exige que Lula esteja nestas eleições. Para vencer ou para não vencer. 
Qual a chance de Lula reverter a situação nos tribunais superiores?
Se for um julgamento equilibrado, justo, que considere exclusivamente o direito, a chance é total. Em condições normais de temperatura e ambiência, não há como condenar ninguém com aquele conjunto probatório. Além disso ficou evidenciado que o juiz (Sérgio) Moro não poderia ter julgado este processo uma vez que sua competência se restringia aos casos de desvios de recursos da Petrobrás que, ele próprio reconhece, não alimentaram essa pseudocompra do apartamento. Tudo isso caracteriza um conjunto de vícios e nulidades. Agora, nesse processo, sinceramente, tudo vira uma incógnita. Espero que os tribunais superiores apliquem o bom direito. 
A defesa de Lula deve manter a estratégia de enfrentamento?
Vi um trabalho da defesa do ex-presidente Lula tecnicamente bom e dentro da linha que este processo efetivamente exigia. Mas é claro que o processo chega hoje a uma nova fase e seguramente eles conduzirão dentro das necessidades do que se espera ser uma boa defesa.

Mais da metade da indústria brasileira está atrasada na corrida tecnológica, OESP



Estudo inédito da CNI aponta que, de 24 setores, 14 estão defasados em relação aos rivais globais na adoção de tecnologias






Cleide Silva, O Estado de S.Paulo
04 Fevereiro 2018 | 05h00
Roupas esportivas produzidas pela Sol Sport, de Jaraguá do Sul (SC), vão passar a sair da fábrica com um chip na etiqueta que indica ao fabricante e ao lojista a quantidade de peças disponíveis e quais delas têm mais saída. Com o novo sistema em fase de implantação, a empresa quer reduzir os estoques de quatro meses para dez dias e produzir só o que está vendido. Ao cortar custos e melhorar a produtividade, a Sol Sport quer avançar no mercado interno e recuperar terreno perdido externamente por falta de competitividade.

Indústria auomobilística
Fábrica da Fiat em Betim (MG), que usa tecnologia de ponta para a produção de veículos Foto: Werther Santana/Estadão

A iniciativa faz parte de um movimento de adaptação da fábrica às novas tecnologias que vêm revolucionando a forma de produção industrial em todo o mundo – a chamada indústria 4.0. Mas a Sol Sports pode ser considerada uma exceção em seu ramo de atuação no Brasil.
Estudo inédito realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta que, de 24 setores industriais brasileiros, mais da metade (14, incluindo o de vestuário e têxtil) está bastante atrasada em relação à adoção de tecnologias digitais. 
O estudo constatou que esses setores correm riscos de se tornar tão ineficientes a ponto de serem excluídos da chamada quarta revolução industrial – que será baseada na digitalização e robotização das fábricas e dos processos produtivos para aumentar a eficiência. Os 14 setores que estão em situação vulnerável respondem por cerca de 40% da produção industrial e por 38,9% do PIB Industrial brasileiro, de acordo com o IBGE.
“Eles precisam de investimentos urgentes, pois não terão competitividade principalmente em relação aos países que competem diretamente com o Brasil”, afirma João Emílio Gonçalves, gerente executivo de Política Industrial da CNI. “São setores com baixo grau de inovação, pouca inserção no comércio exterior e produtividade inferior à média internacional.”
Ele ressalta que empresas desses setores terão “enorme” desafio de competitividade e o senso de urgência de atualização será dado pela própria concorrência. “A mudança tecnológica é grande e vai ocorrer muito mais rápido do que outras revoluções”, diz. “A falta de competitividade pode levar os produtos dessas empresas a serem substituídos por importados.”
Gonçalves afirma que, apesar do resultado preocupante do estudo, o Brasil ainda não tem um atraso “tão grave assim” em relação a outros países. Mas que pode se distanciar cada vez mais, se não entrar na onda da modernização urgentemente.
“Tem de ser uma decisão nacional; não é uma discussão sobre incentivos, benefícios para este ou aquele setor”, afirma Gonçalves. “Estamos falando do limite de sobrevivência do setor industrial.”
A CNI pretende levar o estudo ao Ministério da Indústria, Comércio e Serviços nos próximos dias, para tentar traçar um programa de inovação que envolva empresas, entidades, universidades e governo. Uma das sugestões será a abertura de linhas especiais de crédito pelo BNDES.
Metodologia. Para identificar a situação das empresas, a CNI cruzou dados de produtividade, exportação e taxa de inovação dos setores industriais brasileiros em comparação com o desempenho desses segmentos nas 30 maiores economias do mundo, a maioria delas competidoras diretas dos produtos nacionais, como China, Estados Unidos, Coreia do Sul e Alemanha (país onde nasceu o conceito da indústria 4.0).
O estudo também identificou os setores mais avançados nos quesitos avaliados, até mesmo com médias acima da internacional. Entre eles estão as indústrias extrativista, alimentícia, de bebidas e celulose e papel. Gonçalves explica que, por terem alta produtividade e elevado coeficiente de exportação, esses setores são mais competitivos.
Não significa, porém, que esse grupo está tranquilo. “Tem de continuar se atualizando para manter a competitividade”, diz Gonçalves.
É o que está fazendo, por exemplo, a Gerdau, empresa do setor de metalurgia, cuja posição no estudo é de nível médio, por se destacar em inovação e produtividade, mas não nas exportações.
Nos últimos dois anos, a empresa instalou em suas 11 fábricas no País equipamentos e sistemas que vão levar a uma economia de custos de R$ 15 milhões anuais, diz a diretora de TI, Cláudia Piunti. Uma das ações foi a migração das bases de dados para o ambiente virtual (a nuvem), que gerou redução de 50% do custo com armazenamento de informações.
Outra ação foi a automatização do processo do inventário, com uso de drones que fazem fotos do estoque de sucatas e as enviam para um sistema que identifica e mede o que está disponível. “Antes, eram necessários três dias para fazer essa classificação, e agora são sete minutos”, explica Cláudia.
As iniciativas de inovação digital do grupo já somaram investimentos acima de R$ 150 milhões.
Personalização. A Sol Sports vai investir neste ano e no próximo 10% de seu faturamento, de cerca de R$ 10 milhões anuais, em automação de máquinas de corte de tecido e de costura, sensores para conectar equipamentos e programas que vão permitir a personalização da roupa. 
“Queremos atuar num nicho de produto de alto valor tecnológico customizado”, diz Ary Carlos Pradi, sócio da empresa. “O cliente vai escolher o material, o tipo de tecido e cor da roupa que quer”.
A intenção é expandir presença no mercado interno e recuperar o espaço perdido no mercado externo. 
Até 2008 a Sol Sports exportava 80% de sua produção, participação que hoje é de 30%. O grupo, segundo Pradi, perdeu competitividade para grupos externos, principalmente da China, além de enfrentar problemas com logística, infraestrutura e taxas cambiais.

A farsa da campanha contra a reforma da Previdência - EDITORIAL O GLOBO


O Globo - 04/02

O governo perde feio a guerra da informação. Corporações, em especial de servidores públicos, conseguem passar a ideia de que se trata de reforma contra ‘os pobres’


O governo Temer acumula avanços importantes, por exemplo, na reforma trabalhista e na aprovação da emenda constitucional que instituiu o teto para o total dos gastos públicos primários, barreira essencial para forçar a contenção das despesas.

Porém, a mais importante das reformas, a da Previdência, principal causa da impossibilidade de se equilibrarem as contas públicas, para conter o crescimento da dívida em proporção do PIB, tem sérias dificuldades para decolar. É um tema difícil em qualquer país, mas no Brasil tem enfrentado especial resistência.

Pelo desregramento fiscal do lulopetismo, iniciado no final do segundo governo Lula e aprofundado por Dilma Rousseff até o impeachment, a dívida, que estava em 50% do PIB, em quatro anos chegou a 74%, enquanto o bloco de economias emergentes oscila na faixa dos 45%. E, até ser iniciada a reforma da Previdência, esta corrida para o precipício continuará.

As razões da inevitabilidade da reforma são sólidas e evidentes: a possibilidade da aposentadoria por tempo de contribuição permite a formação de um grande contingente de adultos de meia idade aposentados (na faixa dos 50 anos), com uma expectativa de vida adicional para além dos 80, sem que haja recursos para financiar os benefícios. Daí a imperiosidade da criação do limite de idade, como na expressiva maioria dos países, para que se requeira o benefício (65 anos, nos homens; 62, mulheres). Numa transição feita de forma escalonada, suave.

Mas o governo perde feio a guerra da informação. As corporações sindicais, principalmente de servidores públicos, conseguem passar a ideia de que se trata de uma reforma contra “os pobres”. Uma farsa. Na quarta, a “Folha de S.Paulo” trouxe foto de uma manifestação de sindicalistas contra a reforma, coreografada por idosos em cadeiras de rodas e em camas de hospital, supostas vítimas das mudanças na Previdência.

Ora, as pessoas com aposentadoria básica, de um salário mínimo, de baixa renda, procuram o INSS aos 60 anos, porque não ficam muito tempo em empregos formais. O limite de idade, na prática, já vale para elas. Quem não se interessa pela reforma são os que têm renda na faixa de seis e sete salários, e se aposentam aos 50 anos. Um grupo representado por sindicalizados que protestam em nome do “povo”. Basta observar quem lidera passeatas. Não há pobres.

Castas as mais diversas do funcionalismo também rejeitam a ideia, justa, de que a Previdência tem de ser igual para todos, e que cada pessoa/categoria deve constituir sua poupança em fundos de pensão, para complementar a futura aposentadoria. Desejam permanecer sustentados pelos contribuintes, o que não é mais possível.

No encontro promovido pelo GLOBO, quarta-feira, na série “E agora, Brasil?”, com o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, e o economista José Márcio Camargo, da PUC, foram apresentados números acachapantes. Por exemplo: o Brasil tem a parcela de 11% da população formada por idosos; o Japão, 30%, mas os dois países gastam os mesmos 14% do PIB em aposentadorias. Algo muito errado acontece na Previdência brasileira, mas o discurso de castas em geral e as do funcionalismo em particular não tem sido retrucado à altura pelo governo. Números não faltam.