Estudo inédito da CNI aponta que, de 24 setores, 14 estão defasados em relação aos rivais globais na adoção de tecnologias
Cleide Silva, O Estado de S.Paulo
04 Fevereiro 2018 | 05h00
Roupas esportivas produzidas pela Sol Sport, de Jaraguá do Sul (SC), vão passar a sair da fábrica com um chip na etiqueta que indica ao fabricante e ao lojista a quantidade de peças disponíveis e quais delas têm mais saída. Com o novo sistema em fase de implantação, a empresa quer reduzir os estoques de quatro meses para dez dias e produzir só o que está vendido. Ao cortar custos e melhorar a produtividade, a Sol Sport quer avançar no mercado interno e recuperar terreno perdido externamente por falta de competitividade.
A iniciativa faz parte de um movimento de adaptação da fábrica às novas tecnologias que vêm revolucionando a forma de produção industrial em todo o mundo – a chamada indústria 4.0. Mas a Sol Sports pode ser considerada uma exceção em seu ramo de atuação no Brasil.
Estudo inédito realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta que, de 24 setores industriais brasileiros, mais da metade (14, incluindo o de vestuário e têxtil) está bastante atrasada em relação à adoção de tecnologias digitais.
O estudo constatou que esses setores correm riscos de se tornar tão ineficientes a ponto de serem excluídos da chamada quarta revolução industrial – que será baseada na digitalização e robotização das fábricas e dos processos produtivos para aumentar a eficiência. Os 14 setores que estão em situação vulnerável respondem por cerca de 40% da produção industrial e por 38,9% do PIB Industrial brasileiro, de acordo com o IBGE.
“Eles precisam de investimentos urgentes, pois não terão competitividade principalmente em relação aos países que competem diretamente com o Brasil”, afirma João Emílio Gonçalves, gerente executivo de Política Industrial da CNI. “São setores com baixo grau de inovação, pouca inserção no comércio exterior e produtividade inferior à média internacional.”
Ele ressalta que empresas desses setores terão “enorme” desafio de competitividade e o senso de urgência de atualização será dado pela própria concorrência. “A mudança tecnológica é grande e vai ocorrer muito mais rápido do que outras revoluções”, diz. “A falta de competitividade pode levar os produtos dessas empresas a serem substituídos por importados.”
Gonçalves afirma que, apesar do resultado preocupante do estudo, o Brasil ainda não tem um atraso “tão grave assim” em relação a outros países. Mas que pode se distanciar cada vez mais, se não entrar na onda da modernização urgentemente.
“Tem de ser uma decisão nacional; não é uma discussão sobre incentivos, benefícios para este ou aquele setor”, afirma Gonçalves. “Estamos falando do limite de sobrevivência do setor industrial.”
A CNI pretende levar o estudo ao Ministério da Indústria, Comércio e Serviços nos próximos dias, para tentar traçar um programa de inovação que envolva empresas, entidades, universidades e governo. Uma das sugestões será a abertura de linhas especiais de crédito pelo BNDES.
Metodologia. Para identificar a situação das empresas, a CNI cruzou dados de produtividade, exportação e taxa de inovação dos setores industriais brasileiros em comparação com o desempenho desses segmentos nas 30 maiores economias do mundo, a maioria delas competidoras diretas dos produtos nacionais, como China, Estados Unidos, Coreia do Sul e Alemanha (país onde nasceu o conceito da indústria 4.0).
O estudo também identificou os setores mais avançados nos quesitos avaliados, até mesmo com médias acima da internacional. Entre eles estão as indústrias extrativista, alimentícia, de bebidas e celulose e papel. Gonçalves explica que, por terem alta produtividade e elevado coeficiente de exportação, esses setores são mais competitivos.
Não significa, porém, que esse grupo está tranquilo. “Tem de continuar se atualizando para manter a competitividade”, diz Gonçalves.
É o que está fazendo, por exemplo, a Gerdau, empresa do setor de metalurgia, cuja posição no estudo é de nível médio, por se destacar em inovação e produtividade, mas não nas exportações.
Nos últimos dois anos, a empresa instalou em suas 11 fábricas no País equipamentos e sistemas que vão levar a uma economia de custos de R$ 15 milhões anuais, diz a diretora de TI, Cláudia Piunti. Uma das ações foi a migração das bases de dados para o ambiente virtual (a nuvem), que gerou redução de 50% do custo com armazenamento de informações.
Outra ação foi a automatização do processo do inventário, com uso de drones que fazem fotos do estoque de sucatas e as enviam para um sistema que identifica e mede o que está disponível. “Antes, eram necessários três dias para fazer essa classificação, e agora são sete minutos”, explica Cláudia.
As iniciativas de inovação digital do grupo já somaram investimentos acima de R$ 150 milhões.
Personalização. A Sol Sports vai investir neste ano e no próximo 10% de seu faturamento, de cerca de R$ 10 milhões anuais, em automação de máquinas de corte de tecido e de costura, sensores para conectar equipamentos e programas que vão permitir a personalização da roupa.
“Queremos atuar num nicho de produto de alto valor tecnológico customizado”, diz Ary Carlos Pradi, sócio da empresa. “O cliente vai escolher o material, o tipo de tecido e cor da roupa que quer”.
A intenção é expandir presença no mercado interno e recuperar o espaço perdido no mercado externo.
Até 2008 a Sol Sports exportava 80% de sua produção, participação que hoje é de 30%. O grupo, segundo Pradi, perdeu competitividade para grupos externos, principalmente da China, além de enfrentar problemas com logística, infraestrutura e taxas cambiais.
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