sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Controle biológico contra o greening, Pesquisa Fapesp


Empresas investem em pequenas vespas produzidas em laboratório para combater inseto que leva doença aos laranjais
DOMINGOS ZAPAROLLI | ED. 254 | ABRIL 2017


Revista Pesquisa FAPESP
Podcast: José Roberto Postali Parra
00:00 / 10:58
Citricultores paulistas estão obtendo sucesso com o uso de uma tecnologia de controle biológico desenvolvida na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) para combater o greening, a mais devastadora doença dos pomares de citros hoje. Também conhecida por HLB em razão de seu nome original em chinês, Huanglongbing (ramo amarelo), deixa as folhas amareladas e os frutos deformados e verdes. A solução é eliminar a árvore doente com a raiz. Apenas em São Paulo, a praga já obrigou a erradicação de quase 50 milhões de laranjeiras, abrangendo uma área de 100 mil hectares (ha), um quarto dos pomares paulistas, desde 2004. O greening é resultado da ação das bactérias Candidatus Liberibacter asiaticus e Candidatus Liberibacter americanus transmitidas às plantas de citros por um pequeno inseto, o psilídeo Diaphorina citri.
Os pesquisadores liderados pelo engenheiro-agrônomo José Roberto Postali Parra, professor do Departamento de Entomologia e Acarologia da Esalq-USP, desenvolveram uma forma de criar em laboratório a vespinha Tamarixia radiata, um inimigo natural do psilídeo. As vespas parasitam os psilídeos ainda jovens – quando estão na fase de ninfa e não voam – ao colocar ovos no corpo do inseto. Quando as vespas saem do ovo, destroem o inseto. Mas há um problema: os mesmos inseticidas utilizados pelos produtores contra os psilídeos também são fatais aos inimigos naturais.
O grupo da Esalq observou que as áreas ao redor das plantações comerciais poderiam receber populações de vespas. Essas, por sua vez, parasitariam os psilídeos antes que eles chegassem aos pomares e contaminassem as árvores. Dessa forma, os pesquisadores demonstraram a capacidade da T. radiata em eliminar mais de 80% da população do vetor no entorno da lavoura. O experimento foi realizado em 2014 em Itapetininga (SP), num raio de 3 quilômetros na adjacência de uma plantação de laranjas da Citrosuco, uma das grandes produtoras mundiais de suco. A estimativa foi realizada usando armadilhas amarelas adesivas – os psilídeos são atraídos pela cor e acabam presos em cartões abertos e revestidos por cola. A armadilha também indica a chegada dos insetos nas plantações. Quanto menos psilídeos presos no cartão, maior é a eficiência das vespinhas. “Nossas prioridades agora são medir o impacto que essa redução do vetor tem na disseminação da doença e quantas liberações do parasitoide  são necessárias para ampliar a eficiência no combate ao psilídeo”, diz Parra.


…e laranjas malformadas em árvore com a presença da doença
A soltura de Tamarixia radiata no entorno dos pomares pulverizados é um importante aliado no controle da doença em áreas abandonadas, sítios e residências com árvores cítricas no quintal ou com as plantas ornamentais Murraya spp., conhecidas como falsa-murta, comum em áreas públicas e cemitérios, que também são focos de psilídeos. “A liberação das vespinhas nessas áreas se mostrou eficiente, diminuindo a incidência da doença em pomares comerciais”, explica Parra.
O controle biológico de pragas é objeto de estudos desde os anos 1950 no Brasil. Nos anos 1960, surgiu nos Estados Unidos e Europa o conceito de Manejo Integrado de Pragas como alternativa à aplicação de defensivos agrícolas para controlar pragas presentes no campo, inclusive bactérias e vírus. Atualmente, no Brasil, algumas empresas produzem insetos para combater outros insetos nas plantações. Um exemplo são as vespas Trichogramma, que combatem várias espécies de mariposas nas culturas de algodão, cana, soja, tomate e repolho (ver Pesquisa FAPESP nº 195).
Há registros da presença do psilídeo nos laranjais paulistas desde os anos 1940, mas a primeira manifestação da doença só ocorreu em 2004. Matão e Araraquara, duas grandes regiões produtoras no interior paulista, foram o epicentro da infestação que devastou pomares tradicionais. Imediatamente a equipe de entomologia da Esalq passou a estudar a possibilidade de introduzir nos laranjais um parasitoide natural do psilídeo. Encontraram informações sobre a eficácia obtida no controle da praga nas ilhas ultramarinas francesas, no oceano Índico por meio da T. radiata. Ao mesmo tempo, uma aluna de Parra, Mariuxi Gomes Torres, do Equador, estudante de doutorado em entomologia, detectou exemplares da pequena vespa no Brasil. A equipe da Esalq precisou estudar o ciclo de reprodução da T. radiata e do psilídeo, além de desenvolver a tecnologia de produção do inseto em laboratório. Essas tarefas foram concluídas em 2011 com o apoio financeiro da Fapesp e do Fundecitrus.


A pequena vespa Tamarixia radiata
O sucesso com a T. radiata levou a Citrosuco a construir quatro biofábricas – laboratórios para a produção dos insetos. A primeira foi erguida em 2014, em Itapetininga. Na sequência vieram as unidades em Boa Esperança do Sul, Onda Verde e São Manoel, todas no interior paulista. Ao todo, a companhia já liberou na natureza 3,9 milhões de vespas, obtendo uma redução significativa na captura de psilídeos nas bordaduras – os 300 metros iniciais – de seus pomares comerciais, as áreas mais vulneráveis. “É uma maneira eficiente e sustentável de enfrentar a doença”, afirma Helton Leão, gerente-geral do departamento agrícola da Citrosuco. A empresa projeta construir mais três biofábricas até 2018, levando a uma capacidade de produção total de cerca de 600 mil vespas por mês, que serão destinadas às 26 fazendas de laranjas da companhia.
Em 2015, o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), entidade mantida pelos produtores, investiu R$ 400 mil para construir uma biofábrica de T. radiata em Araraquara (SP), com o apoio da Bayer CropScience, divisão de pesquisa em agricultura da Bayer, empresa química alemã. O laboratório tem capacidade para produzir 100 mil vespas por mês. Cada inseto elimina até 500 ninfas de psilídeos. Em dezembro do ano passado, o Fundecitrus superou a marca de 1 milhão de unidades produzidas. Elas são distribuídas gratuitamente aos citricultores, que as liberam em uma área que soma 2.420 ha. A estimativa de Parra é de que há 12 mil hectares no entorno de pomares comerciais que deveriam ser alvo do controle biológico, com liberações contínuas de vespas.
Citrosuco e Fundecitrus têm se empenhado em disseminar as técnicas de combate ao greening. A empresa tem organizado workshops para difundir essas práticas, com ênfase nas vespinhas, entre os produtores independentes que abastecem suas unidades de processamento de laranjas e até mesmo concorrentes. “Não são ações isoladas que vão vencer o greening, é preciso um engajamento de todos”, comenta Leão, da Citrosuco. Segundo Juliano Ayres, gerente-geral do Fundecitrus, a ideia agora é que os citricultores invistam na produção própria de vespas.


…e a liberação no pomar
Uma biofábrica requer várias salas para desenvolver as diferentes etapas da criação, com temperatura controlada. O custo de uma pequena biofábrica, produzindo cerca de 100 mil vespas por mês, pode variar de R$ 40 mil a R$ 200 mil, dependendo se a instituição interessada possuir uma estrutura física para a criação. Segundo Parra, em geral, duas ou três pessoas são suficientes para produzir as vespas. A criação pode ser conduzida por pessoas com nível médio de escolaridade, desde que recebam orientação e sejam continuamente assessoradas por entomologistas.
A multinacional Louis Dreyfus Company (LDC), com sede na Holanda e presente no Brasil desde 1942, utiliza as vespas do Fundecitrus. Jorge Costa, diretor de operações da Plataforma Sucos, relata que é realizada periodicamente a liberação de vespas nas fazendas gerenciadas pela companhia e em áreas vizinhas como complemento de uma estratégia de manejo integrado de controle do HLB. Recomendadas pela própria Fundecitrus, as ações envolvem outras atividades, como o monitoramento da presença do vetor e o plantio de mudas vindas de viveiros protegidos contra os psilídeos. “Esse conjunto de manejo tem mantido a infestação por HLB em baixa incidência nos pomares que gerenciamos, mantendo os níveis de produtividade das fazendas”, diz Costa.
O citricultor Janderson Bortolan, proprietário de duas fazendas no interior paulista, em Guaraci e Cajobi, que somam 40 mil plantas, também é um usuário das vespas do Fundecitrus. Bortolan faz um trabalho intenso de controle químico da praga, com uma pulverização total do pomar numa semana e outra específica na bordadura das propriedades na outra semana. Com isso, mantém um índice de infecção inferior a 0,5% das árvores. Desde 2015, já realizou cinco liberações no entorno de sua propriedade, sempre três dias depois de uma pulverização química.


Psilídeo adulto e indivíduos jovens desse inseto, chamados de ninfas
A disseminação do greening é global. A doença afeta pomares da Ásia, África e das Américas. Recentemente um dos psilídeos vetores da bactéria (Trioza erytreae) foi detectado em plantas cítricas de países do Mediterrâneo, pondo em alerta produtores italianos e ibéricos. Por enquanto, a Austrália é a única região sem sinais de infecção e sem os insetos vetores. Além das laranjeiras, pés de limão e tangerinas são as principais vítimas da praga. Segundo o engenheiro-agrônomo Antônio Juliano Ayres, gerente-geral do Fundecitrus, a produção de uma planta infectada com a doença definha, sendo reduzida para 25% de seu potencial. A qualidade da fruta também é comprometida ao ficar mais ácida e com sabor amargo. A erradicação é necessária porque a bactéria é levada por meio do fluxo da seiva para toda a planta, alojando-se inclusive nas raízes, o que torna a poda inútil. As brotações que surgem após a poda servem como fonte para novas infecções.
Na Flórida, o principal estado produtor de laranja dos Estados Unidos, o greening foi identificado em 2005. Até então, a produção anual do estado variava em torno de 220 milhões de caixas – cada caixa contém 40,8 quilos da fruta. A safra de 2016 resultou em 67 milhões de caixas, a menor colheita em 70 anos, como consequência da doença. “Os produtores norte-americanos relutaram em erradicar as plantas infectadas e o greening se alastrou. Agora, reverter a queda da produção tornou-se muito difícil”, explica o gerente do Fundecitrus.
Ayres avalia que os produtores brasileiros, que já enfrentaram outras ameaças aos pomares, como o cancro e a clorose variegada dos citros (CVC), estavam mais abertos a adotar estratégias radicais, que preveem até a eliminação das árvores frutíferas contaminadas. Mesmo assim, a extensão dos prejuízos é grande. O Fundecitrus estima que hoje 16,9% das laranjeiras do parque citrícola de São Paulo e Triângulo Mineiro registram algum grau de incidência de HLB. “Em 2016 a produção de laranjas do país foi de 244 milhões de caixas. Poderia ter sido 5% maior sem a doença”, comenta. O Brasil é o maior produtor mundial de laranja e São Paulo responde por 80% da produção nacional. O suco da fruta é o terceiro produto mais exportado do estado. Em 2016 as vendas no exterior geraram uma receita de US$ 1,78 bilhão.
Projetos
1. Estratégias biotecnológicas para o controle do HLB mediante transgenia (nº 15/07011-3); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Leandro Antônio Peña Garcia (Fundecitrus); Investimento R$ 1.169.211,09.
2. Bioecologia e estabelecimento de estratégias de controle de Diaphorina citri Kuwayama (Hemiptera: lividea) vetor da bactéria causadora do greening nos citros (nº 04/14215-0); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável José Roberto Parra (USP); Investimento R$ 701.840,94.

A máquina do tempo, OESP


O sistema apodrecido nos empurra para a nostalgia militar ou a estrada para a Venezuela

FERNANDO GABEIRA*, O Estado de S.Paulo
03 Novembro 2017 | 03h00
Que período é este em que entramos após a rejeição da segunda denúncia contra Temer? Imagino um remanso político até o fim do ano e entrada em cena da campanha de 2018.
Alguns analistas acham que os políticos se fortaleceram. Outros, que eles descobriram ser possível enfrentar com êxito a opinião pública. Esquecem que estão em confronto com a sociedade, logo, ela enfraqueceu.
O maior golpe nas expectativas positivas veio do Supremo. Há uma pressão contra o foro privilegiado. Ele foi amplificado com a decisão de submeter medidas cautelares contra parlamentares ao Congresso.
Nos três anos de Lava Jato, o Supremo manteve regularidade no seu índice de condenação dos políticos envolvidos: zero. Numa país onde algumas pessoas se colocam acima da Justiça, estamos, na verdade, sujeitos à lei da selva, isto é, à lei do mais forte.
As concessões que Temer fez para se preservar no cargo transformaram o esforço de reduzir os gastos numa tarefa de Sísifo. Os acertos da dívida das empresas com o governo ficaram mais flexíveis. Perda de arrecadação. Os políticos aliados barraram a privatização do Aeroporto de Congonhas.
Se o capital do Estado agoniza no vaivém de cortes e concessões, o capital político de Temer, que já era modesto, foi abalado por dois acordos.
Na primeira denúncia, Temer determinou a abertura de uma reserva mineral na Amazônia. Em outra, amenizou a lei de combate ao trabalho escravo. Ambos são temas passíveis de uma discussão racional. No entanto, o acordo com os ruralistas impunha uma decisão monocrática.
Um Congresso blindado e um presidente que apenas sobrevive no cargo são um peso morto. A semana foi marcada por relatórios indicando o crescimento da violência no País. Não se fala disso. O plano de segurança de Temer não saiu do papel. O tema passa ao largo de todo o universo político. Apenas Jair Bolsonaro trata dele, o que dá a impressão de que suas propostas são as únicas para enfrentar o problema. Naturalmente, os candidatos apresentarão as suas. Mas é evidente que, se não mergulham no tema desde agora, serão menos convincentes.
Nesta ligeira calmaria na política, a vida real não dá trégua. O ministro da Justiça nos colocou, os que vivem no Rio, numa situação delicada. Ele afirma haver conluio entre o governo e o crime organizado e que os comandantes da PM estão no esquema. Segundo Torquato Jardim, nem o governador nem o secretário de Segurança controlam a polícia e isso só mudará depois das eleições de 2018. Ainda estamos em novembro.
A generalização do ministro da Justiça é incorreta. Há bons comandantes e muitos policiais que perdem a vida nas ruas.
É um remanso perigoso este. Ele certamente vai influenciar o período que lhe sucede: as eleições.
A ainda débil retomada econômica e ligeira recuperação do emprego não bastam para evitar a tensão. No front cultural já é uma incômoda realidade, conflitos em torno de temas que poderiam ser tratados racionalmente terminam em insultos.
O próprio Supremo, de quem se espera frieza e serenidade, sobretudo neste momento do País, transmite ao vivo discussões agressivas como a travada por Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.
São fatores de instabilidade que tornam mais difícil o caminho da mudança, pois contribuem, indiretamente, para a polarização esquerda-direita, como se nos lançassem, na máquina do tempo, ao período da guerra fria. Uma intensa luta ideológica é inevitável. Mas se domina a cena morre com ela a chance de um diagnóstico mais próximo da realidade. E, consequentemente, ressalta fórmulas esgotadas como a do governo militar e a experiência lulopetista.
Para ser coerente com sua tática de negação dos seus crimes, o PT analisa que errou por não ser duro, não ter confrontado os conservadores. Daí a proposta de controlar os meios de comunicação, a ameaça de retaliar procuradores e juízes.
Bolsonaro sonha com a militarização das escolas no Brasil. Apoia-se no melhor rendimento dos colégios militares. E diz que a disciplina é a razão da boa qualidade do ensino. Talvez esteja pensando com os padrões da revolução industrial, do treinamento de trabalhadores fabris. No mundo complexo em que vivemos, a iniciativa, a criatividade são instrumentos de sobrevivência, assim como ser flexível para sobreviver diante da precarização do trabalho.
Isso não significa defender a indisciplina. Apenas afirmar que cada época demanda uma combinação de restrições e liberdades que preparem as pessoas para sobreviver nela.
Se erramos a mão, corremos o risco de formar um exército de desempregados, disciplinados, que se levantam quando entra o professor e cantam o Hino Nacional. Da mesma forma, se usarmos o método Paulo Freire, concebido para ser um instrumento de vanguarda para formar revolucionários, corremos o risco de incendiar a juventude com sonhos sepultados pela História. Esse é apenas um lance da polarização no setor mais importante para alavancar a mudança.
O colapso do sistema político-partidário não deixou pedra sobre pedra. O encastelamento, no fundo, é uma tática do tipo depois de nós, o dilúvio.
No Rio, parte da sociedade não achou o caminho para evitar o que lhe pareciam duas regressões: uma esquerda do século passado ou um mergulho na Idade Média, quando Igreja e Estado se confundiam. Houve um grande número de votos em branco, mas venceu uma das regressões.
Não creio que o Brasil caia na mesma armadilha: de um lado, a nostalgia do governo militar; de outro, a estrada para a Venezuela. Mas é preciso levar em conta que o sistema político apodrecido nos empurra para isso.
O período é favorável para refletir sobre alternativas. Uma corrente mais colada nos fatos pode até perder. Mas é uma chama que não pode se apagar. Um dia, escaparemos da máquina do tempo.

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

A recessão acabou: e daí? - ALEXANDRE SCHWARTSMAN, FSP


FOLHA DE SP - 01/11
Na semana passada, o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos anunciou que a recessão iniciada no segundo trimestre de 2014 se encerrou no quarto trimestre de 2016 (11 trimestres), não só a mais longa desde 1980 (empatada com a observada entre 1989 e 1992), como também a associada à maior queda de produto, 8,6%, um pouco pior do que a registrada durante a crise da dívida, de 1981 a 1983.

Isso significa que a economia, que vinha em processo de encolhimento a partir de meados de 2014, interrompeu sua queda e voltou a crescer moderadamente, uma boa notícia, mas que precisa ser qualificada.

Assim como inflação mais baixa denota preços subindo mais vagarosamente (e não preços em queda; fenômeno que chamamos de deflação), o fim da recessão não equivale a dizer que a economia está pujante; apenas que parou de piorar.

Dados do segundo trimestre deste ano, já com alguma melhora, dão uma ideia de quanto ainda falta para a recuperação: o PIB ainda se encontra 7,5% (R$ 132 bilhões) abaixo do observado no primeiro trimestre de 2014, enquanto a demanda doméstica (consumo das famílias, investimento e consumo do governo) caiu quase 11% (R$ 197 bilhões) no período, valor apenas parcialmente compensado pelo aumento do superávit nas transações com o resto do mundo.

Já o desemprego, ajustado à sazonalidade, se encontrava em 12,8% no segundo trimestre de 2017, contra 6,7% no primeiro trimestre de 2014, associado à perda de quase 1,6 milhões de postos de trabalho neste intervalo, lembrando que ao longo do período a População em Idade Ativa aumentou em 7,3 milhões de pessoas, enquanto a População Economicamente Ativa cresceu 5,4 milhões.

Considerando que o crescimento potencial do país seja algo da ordem de 2,2% aa, conforme mencionamos em coluna recente, seriam necessários quase 9 anos de expansão a 3,5% aa para que voltássemos ao nível de produto potencial do país, ou pouco menos de 7 anos, caso nosso crescimento médio retomasse o ritmo de 4% aa observado durante o longo ciclo positivo de preços de commodities, entre 2004 e 2011. Pela ótica do desemprego, mesmo sob os ritmos de expansão acima considerados, precisaríamos de 6 a 8 anos para retomar os níveis vigentes antes da recessão.

Resumindo, muito embora a recessão tenha ficado para trás, a "sensação térmica" da economia ainda se encontra distante daquilo que deixaria famílias e empresas em condição mais confortável. E, mesmo com a provável aceleração do ritmo de crescimento no final deste ano e ao longo do ano que vem, será difícil superar tal sensação.

A verdade é que o estrago da Nova Matriz, pobre órfã, foi muito profundo. Parte do dano foi reparada, em particular do lado regulatório, onde houve boas iniciativas (a transição para a TLP, a gestão da Petrobras, retomada dos leilões para exploração de petróleo, para citar apenas algumas), mas há consequências muito mais duradouras do lado fiscal, cuja reversão tem se mostrado extraordinariamente difícil, sugerindo se tratar de tarefa que alcança bem mais do que um mandato presidencial.

Tendo obtido sucesso moderado ao estancar a recessão, precisamos agora melhorar a sensação térmica, limpando de vez o legado desastroso da Nova Matriz e, principalmente, ignorando conselhos dos pais (ausentes) deste desastre.