domingo, 10 de janeiro de 2016

China expõe fragilidade da indústria brasileira - EDITORIAL O GLOBO


O GLOBO - 08/01

A desaceleração chinesa subtrai bilhões das exportações de matérias-primas do Brasil, e o país não consegue compensar as perdas com a venda de manufaturados


O mercado de ações da China teve ontem mais um dia tumultuado, com as negociações sendo suspensas depois que a bolsa chegou a uma queda de 7%. O mesmo ocorrera na segunda-feira. Pelo tamanho da economia chinesa, a oscilação se espalhou pelo planeta.

Há evidentes problemas na segunda maior economia do mundo, o que afeta o Brasil de maneira direta, e já há algum tempo. Maiores importadores de commodities brasileiras (soja e minério de ferro), os chineses respondem por parte relevante da queda das exportações nacionais. Em dois anos o Brasil perdeu, na conta das vendas ao exterior, uma receita de US$ 50,9 bilhões. Nas commodities, US$ 25,8 bilhões. Ao desacelerar, a China ajudou a reduzir as cotações de matérias-primas.

Ainda assim, o país voltou a acumular superávit, obtendo no ano passado um saldo positivo no comércio de US$ 19,7 bilhões, o maior desde 2011, depois de um déficit de US$ 4 bilhões em 2014. Este superávit, entretanto, deriva de uma crise: a vertiginosa recessão causada por erros da política econômica do primeiro mandato de Dilma. As exportações caíram, no ano passado, 14,1%, mas as importações, puxadas pela recessão, retrocederam 24,3%. Daí o superávit.

A economia brasileira poderia compensar parte do que perde em commodities com a venda de manufaturados, não fosse um erro estratégico crasso cometido na política industrial.

Com todo o crescimento no século XX, o Brasil, na essência, manteve uma relação de padrão colonial com o mundo: exportador de matérias-primas e bens industrializados de baixo conteúdo tecnológico (salvo exceções) e importador de bens mais elaborados.

A chegada do PT ao Planalto reforçou a distorção, enfatizada por um ciclo de ouro de elevação do preço de commodities, na esteira da expansão da China, um período já encerrado. Com o PT, voltou o protecionismo, e o Brasil se apegou a um Mercosul bolivariano, fechado em si mesmo.

A desaceleração chinesa fez desabar as commodities e criou um problema nas exportações brasileiras, ao mesmo tempo em que os “desenvolvimentistas” aplicavam a política do “novo marco" e assim desestruturavam as finanças internas do país. O saldo está aí: recessão, desemprego, inflação elevada, grande desvalorização cambial.

Se o país não tivesse mais uma vez praticado políticas para “proteger” segmentos da indústria, hoje poderia haver um parque manufatureiro moderno capaz de competir em outros mercados.

Repete-se a lição: a economia brasileira precisa se abrir ao exterior, integrar-se às linhas globais de produção. Caso contrário, continuaremos a repetir, séculos a fio, crises agravadas pela queda mundial do preço de matérias-primas que o país exporta.

Já foi com o café no passado, agora são a soja e o minério de ferro. Uma relação de padrão colonial que o Brasil já manteve com Portugal e Inglaterra hoje repete com a China.

A China tosse - CELSO MING


ESTADÃO - 08/01

A turbulência econômica provém das convulsões da China, que ninguém sabe ao certo o que são, o que aumenta as apreensões



Há alguns anos se dizia que qualquer acesso de tosse dos Estados Unidos espalhava resfriado para o resto do mundo. Agora, esse efeito é atribuído à China.

O ano de 2016 começou sob o efeito de duas turbulências geopolíticas e outra econômica. As geopolíticas são os novos conflitos entre a Arábia Saudita e o Irã, que adicionam novo foco de incerteza ao já fortemente tumultuado Oriente Médio. A outra insegurança geopolítica foi produzida pelo anúncio de explosão experimental de uma bomba de hidrogênio pela Coreia do Norte.


Preços do petróleo


A turbulência econômica provém das convulsões da China, que ninguém sabe ao certo o que são, o que aumenta as apreensões. Com base nelas, os preços do petróleo despencaram para os níveis mais baixos em dez anos, os das demais commodities também vêm sofrendo baixas e as bolsas de todo o mundo operam aos soluços.

A gravidade da crise da China transparece mais das reações do seu governo do que dos indicadores da economia. Uma dessas reações foi a desvalorização de 0,5% do yuan, a moeda chinesa, determinada pelo Banco do Povo da China (banco central). Essa decisão sugere que, além de dar mais fôlego às exportações, o governo de Pequim começa a agir para evitar a fuga de dólares. A redução das reservas externas da China em dezembro, em nada menos que US$ 107,9 bilhões, para US$ 3,3 trilhões, parece confirmar esse refluxo.

E espraia-se a cisma de que o ritmo da atividade econômica na China não seja de crescimento do PIB a 7% ao ano. Pode ser menos. Mas quanto menos? Infelizmente, a baixa transparência das estatísticas deixa isso no ar.

Diante do aumento das incertezas, os mercados se retraem. Mas essa é apenas a reação imediata. Se for confirmada uma desaceleração mais forte da China, toda a economia mundial enfrentará terremotos em cadeia.

Do ponto de vista da economia brasileira, o mau momento da China vem na pior hora, quando a retração do PIB no biênio 2015-2016 pode ultrapassar os 7%, a inflação vai para perto de 11% ao ano e o desemprego ultrapassa os 8%. A China é o maior comprador de commodities do Brasil, especialmente de alimentos e de minério de ferro – e, agora, de jogadores do Corinthians.

Uma desaceleração mais acentuada do seu setor produtivo tende a provocar redução das encomendas de matérias-primas e desova de estoques. Nesse quadro, a fragilidade do setor do petróleo tende a se acentuar.

Nesta quinta, o Financial Times, de Londres, principal diário de Economia e Negócios da Europa, trouxe projeções de um dos maiores bancos de investimento do mundo, o Goldman Sachs. De acordo com elas, as cotações do petróleo podem resvalar para a altura dos US$ 20 por barril. Pode-se retrucar que esse é um palpite entre muitos outros, que se desencontram entre si. O problema é que os preços do petróleo e de um punhado de commodities já não são formados apenas pelos fundamentos do mercado. Os critérios subjetivos tendem a aumentar de importância e não há indicações de que esse quadro possa se reverter ainda no primeiro semestre deste ano.

CONFIRA:

Produção industrial brasileira


A produção industrial de novembro caiu mais do que o esperado: 2,4% em relação à de outubro e 8,1% no acumulado do ano até novembro. A principal consequência é o arrasto negativo para 2016.

Cadernetas

Os rendimentos de R$ 47 bilhões no ano não foram suficientes para aumentar o saldo das cadernetas, que ficou quase 1% menor do que o de 2014. O resultado é consequência do retorno relativamente baixo (em relação a outras aplicações de renda fixa) e da necessidade de socorrer o orçamento doméstico corroído pela inflação.

Revogar a "lei de Gerson" - CLAÚDIO DE MOURA CASTRO


REVISTA VEJA

Quando se quebrou o código secreto da Enigma, Churchill poderia evitar que submarinos alemães trucidassem um enorme comboio de navios. Mas criaria suspeitas nos alemães, impedindo um uso futuro que talvez salvasse ainda mais vidas. Ele estava diante de um dilema moral.

Para Fernando Henrique Cardoso, "a virtude do político não é pessoal, é a virtude de colocar um objetivo que seja aceito democraticamente e fazer com que aconteça. Isso tem um preço, e esse preço muitas vezes contraria o que você gostaria de fazer".

No nosso pequeno cotidiano, ao sermos abordados por um menino que alega fome e pede dinheiro, vivemos também um dilema. Dar a esmola pode mitigar a fome, mas reforça o hábito precoce da mendicância.

Esses dilemas, confrontando duas alternativas ruins, são o cerne das tragédias gregas e da grande literatura. E quanto nos ofendem os escândalos recentes! Mas fica no limbo uma multidão de decisões e comportamentos claramente errados. Somos complacentes com a Lei de Gerson — aquela que diz ser preciso levar vantagem.

Vejamos os escorregões do nosso cotidiano. Pregar mentira? Errar no troco? Vender gato por lebre? Roubar? Subornar o guarda? "Vai que cola"? Chegar atrasado? Não cumprir o prometido? Só trabalhar quando vigiado? Não pagar as dívidas? Atrapalhar a vida dos outros? Bloquear o trânsito para dar um recado? Dirigir depois de um uisquinho? Jogar lixo na rua? Ser grosseiro por quase nada?

Nos verdadeiros dilemas, é o ruim ou o ruim. Aqui, é a decisão de fazer ou não alguma coisa que sabemos ser errada, em prol da nossa conveniência, preguiça ou benefício pessoal às expensas de outrem.

Porém, deveríamos saber que são menos prósperas as sociedades em que muitos não são contidos pelo sentimento do certo e do errado. Esvai-se o tempo de todos, uns se protegendo contra os outros, vigiando para não serem roubados ou assegurando que o serviço será feito. Deixa-se de fazer bons negócios, por medo de ser passado para trás. Para se defender dos pilantras, há a metástase do papelório. Tudo tem de ser assinado e carimbado. O descumprimento dos horários e compromissos gera incalculável perda de tempo. O somatório dos lixinhos gera uma horrenda imundice.

A filosofia tem uma longa tradição de caracterizar determinados comportamentos como certos ou éticos, em contraste com outros. Para alguns, eles viriam como uma imposição divina. Outros afirmam serem um sentimento com o qual já nascemos. Mais próximo do mundo real, Kant nos legou o princípio da universalidade, que oferece um critério prático para decidir.

Contudo, podemos ver o assunto de outro ângulo e revisitar a trajetória dos países que conseguem oferecer níveis altos de renda e qualidade de vida. Como as pessoas comuns se comportam?

Em todos esses países, é instrutivo verificar a ubiquidade do comportamento ético. Na prática, o certo vira hábito, vem espontaneamente, entra no piloto automático. Mas será que agir para o bem não seria apenas mais um luxo de rico? Não é assim, pois nesses lugares o hábito do comportamento ético vem de longa data.

Tais tradições se consolidaram quando esses países eram ainda muito pobres, até vitimados por fomes que ceifaram milhões de vidas. E, como mostram as pesquisas, esses bons comportamentos tiveram um papel preponderante no avanço econômico e social dessas nações. Quando um pode confiar no outro, tudo fica mais simples, a cooperação se multiplica e a sociedade prospera.

Lamentavelmente, a sociedade brasileira torna-se cada vez mais desleixada nesse ponto tão crítico para o nosso futuro. E isso acontece em todas as classes sociais. Talvez os mais prósperos pequem menos. Contudo, pela sua posição mais confortável no mundo, seus deslizes são mais imperdoáveis. O descaso generalizado fica sugerido pela noção de que esse bom comportamento do cotidiano é uma "moral careta" ou, pior, uma "moral burguesa".

Revogar a "Lei de Gerson" não é tão simples, pois carece mudar hábitos arraigados em todos os estamentos da sociedade. Se alguma coisa vai acontecer, terá de começar com a percepção candente da falta que fazem o comportamento moral e lideranças que contribuam para essa tomada de consciência.