segunda-feira, 20 de outubro de 2014

A hora e a vez do ensino fundamental


JOSÉ GOLDEMBERG - O ESTADO DE S.PAULO
20 Outubro 2014 | 02h 03

As universidades públicas do Estado de São Paulo - USP, Unicamp e Unesp - passaram nos últimos meses por uma greve e uma crise que se pode chamar de "conjuntural", mas não pode ser considerada um problema permanente ou "estrutural". Apesar dos problemas, elas são universidades de Primeiro Mundo, por qualquer critério que se use para medir o seu desempenho: são comparáveis às universidades da Europa e da América do Norte e se encontram entre as 200 melhores universidades do mundo, onde existem 10 mil universidades.
No entretanto, elas custam ao Estado de São Paulo cerca de 10% dos impostos estaduais. O custo por aluno é próximo de R$ 50 mil por ano, que é o custo típico da anuidade dos estudantes nas universidades pagas no exterior. Os salários dos professores das universidades do Estado são também comparáveis aos de seus colegas em muitos países desenvolvidos.
Esses números são extraordinários para um país em desenvolvimento e um testemunho claro da mentalidade esclarecida do governo do nosso Estado desde 1934, quando foi criada a Universidade de São Paulo (USP). São poucos os países onde a elite dirigente decidiu conscientemente investir tão pesadamente no ensino superior.
Apesar desse esforço, só há lugar nas universidades públicas para cerca de 20% dos alunos que completam o ensino médio. Universidades privadas suprem as demais vagas, cobrando anuidades dos estudantes. Apesar de existirem mecanismos de financiamento governamental, como o Programa Universidade para Todos (ProUni), para atenuar esse problema, há ainda muito a fazer. Na França, que é um país rico, os estudantes que concluem o curso secundário têm acesso automático a uma universidade pública.
Em contraste, no ensino fundamental em São Paulo gastam-se cerca de R$ 5 mil por ano por aluno, os salários dos professores são inferiores aos de várias profissões da mesma escolaridade e aproximadamente a metade dos salários correspondentes nas escolas europeias.
Não é de surpreender, portanto, que haja enormes carências em prédios escolares, bibliotecas e laboratórios. Simplesmente não há recursos para atender a todas as demandas, apesar de o Estado gastar cerca de 20% de todo seu orçamento no ensino fundamental e médio.
Existe uma falta de clareza sobre a verdadeira natureza dos problemas da educação no Brasil. A abundância de "reformas do ensino", de leis e regulamentos baixados teve historicamente muito menos impacto do que o aumento gradativo dos recursos orçamentários aplicados na área - um exemplo foi a criação da Universidade de São Paulo em 1934.
O Brasil gasta hoje cerca de 5% do seu produto interno bruto (PIB) em educação, que é aproximadamente o mesmo nível de dispêndio da maioria dos países industrializados da Europa e também dos Estados Unidos. Uma das razões pelas quais o ensino fundamental é bom nesses países é que neles o produto bruto nacional é muito maior que o do Brasil, de modo que os mesmos 5% representam muito mais recursos. Só para dar um exemplo, enquanto o Brasil gasta cerca de R$ 5 mil por aluno por ano em educação fundamental, países da Europa gastam cerca de R$ 20 mil, isto é, quatro vezes mais.
Não é de surpreender, portanto, que tenhamos problemas sérios no País nessa área e, do ponto de vista financeiro, só existem duas soluções para eles: ou aumentar o produto bruto nacional ou a fração dedicada à educação acima de 5%. Para fazer isso seria necessário retirar recursos de outras áreas que são tão ou mais carentes do que a educação, como saúde e segurança pública.
É bem verdade, contudo, que não são apenas considerações econômicas que definem a qualidade do ensino. Tradições culturais arraigadas, como as que existem em certos países ou grupos sociais, levam a uma valorização da educação muito maior do que em outros. Este é o caso da Finlândia, onde os gastos com a educação não são muito elevados, mas o desempenho escolar é um dos melhores do mundo.
Já no nosso país, apesar de as escolas públicas serem gratuitas, muitos jovens precisam abandoná-las para trabalhar e ajudar sua família. No Brasil como um todo, a taxa de evasão do ensino fundamental é de 25%, isto é, um de cada quatro alunos que iniciam o ensino fundamental não chega ao fim desse ciclo.
É por essa razão que apenas cerca de 50% da população do País tem ensino médio completo. Na Alemanha, por exemplo, a taxa de evasão é baixa e 96% da população completa o ensino fundamental. A escolaridade média dos brasileiros é de aproximadamente 7,2 anos, quando idealmente seriam 15. O Chile e a Argentina têm mais de 9 anos de escolaridade.
É difícil imaginar a quantidade de talento e de esperanças que se perde todos os anos quando milhões de jovens abandonam a escola e nem chegam às portas da universidade, que lhes daria oportunidades para um futuro melhor. Essa evasão é muito mais perversa que os vestibulares das universidades públicas, que simplesmente selecionam os mais preparados que batem às suas portas dando a todos igual oportunidade.
A inexistência de cotas que garantam o acesso dos menos privilegiados economicamente à universidade não se compara com os milhões de estudantes que são eliminados antes disso por questões socioeconômicas. Não há sistema de cotas que possa corrigir a discriminação econômica que é a causa básica da evasão no ensino fundamental. O que as universidades estaduais de São Paulo têm feito é introduzir bônus para os candidatos mais carentes que concorrem aos vestibulares, tentando corrigir em parte esses problemas.
É por essa razão que esta seria uma boa hora para dedicar ao ensino fundamental a atenção que as elites dirigentes do Estado de São Paulo deram 80 anos atrás à criação das universidades públicas.
*José Goldemberg é professor emérito e ex-reitor da USP; foi ministro da Educação 

UM RICO DEBATE SOBRE A POBREZA (não Lido)


Polêmica simplista sobre fim ou não do Bolsa Família oculta diferentes visões do PT e do PSDB sobre problema

Roldão Arruda
20 Outubro 2014 | 02h 02

O debate sobre políticas e programas sociais do governo subiu para um patamar mais elevado nesta eleição. Debaixo da poeira da velha polêmica sobre a manutenção ou não do Programa Bolsa Família - tema de compreensível interesse de parcelas mais pobres do eleitorado e que obriga o candidato do PSDB, Aécio Neves, a repetir até quatro vezes em cada confronto na TV que vai mantê-lo -, corre outro debate, mais elaborado. Envolve formas de melhorar e dar sustentabilidade ao que já foi conquistado.
Segundo os tucanos, após retirar milhões de famílias das situações de pobreza e extrema pobreza, o que é elogiável, os governos petistas não teriam elaborado ainda políticas claras para dar sustentabilidade à mobilidade social. Em outras palavras, se a transferência direta de renda acabasse amanhã, as famílias voltariam à extrema pobreza, segundo os assessores de Aécio.
O governo, por seu lado, sustenta que a transferência de renda por meio de programas como o Bolsa Família é apenas parte de uma política social muito mais ampla, que já garante a sustentabilidade das mudanças ocorridas. Essa política, segundo o governo, vai do esforço de valorização do salário mínimo a programas de qualificação profissional voltados especificamente para famílias mais vulneráveis.
Em entrevista ao Estado, um dos principais assessores da campanha de Aécio na questão dos programas sociais, o assistente social Marcelo Reis Garcia, disse que o principal erro do governo é basear suas ações sobretudo na ausência de renda das famílias. Isso o levaria a privilegiar os programas de transferência de renda. Ainda segundo o técnico, que chefiou a Secretaria Nacional de Assistência Social no governo de Fernando Henrique Cardoso e assessorou Aécio no governo de Minas, seria melhor se fosse adotado o conceito de pobreza multidimensional, que, além da renda, leva em conta fatores como educação e saúde.
"Propomos que a discussão sobre a pobreza saia da simplificação monetária e passe a considerar um conjunto de privações. Seriam incluídos na análise qualidade da casa, escolaridade, saúde, capacidade para trabalhar e renda", disse Garcia. "A gestão da pobreza apenas pela renda não tem sustentabilidade. O que aconteceria se, por acaso, a transferência de renda para as 36 milhões de famílias que saíram da extrema miséria acabasse hoje? Elas voltariam para a extrema pobreza? Provavelmente sim. Para evitar isso é preciso levar em conta outras privações que as famílias precisam superar."
Ensino. Outro argumento apontado por Garcia para a revisão do atual modelo é a existência de 11 milhões de brasileiros na faixa de 18 a 29 anos que não concluíram o ensino fundamental e outros 9 milhões sem o ensino médio. "São 20 milhões de brasileiro que sempre terão dificuldade para conseguir emprego. O que eu vou fazer com essas pessoas? Aposentá-las aos 20 anos? Mantê-las como beneficiárias dos programas de transferência de renda até a morte? O que estamos propondo é uma metodologia que permita acompanhar cada família, isoladamente, para que superem suas dificuldades."
Critérios de análise multidimensional da pobreza já são utilizados por instituições como o Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo Garcia, o que se propõe para o Brasil é algo semelhante ao usado pela ONU na elaboração do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
A ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, diz que a crítica contida no programa de Aécio é falha, porque tem foco apenas nos programas de transferência e ignora que foram combinados com outras políticas de curto e de longo prazo, destinados a dar sustentabilidade à superação da pobreza. "Não entendo por que insistem em localizar a discussão no Bolsa Família", disse ela ao Estado. "Já se sabe que o Bolsa Família teve até agora um peso de 30% na redução da pobreza no País. Outros fatores, entre eles a valorização do salário mínimo, a redução da informalidade no trabalho, o acesso a crédito e à assistência técnica rural, o acesso a bens, a expansão da rede de creches, os cursos de qualificação profissional, são responsáveis pelos outros 70%."
A ministra também lembrou estudos recentes do Banco Mundial e da ONU, que, ao analisar a questão da pobreza no País do ponto de vista multidimensional, apontaram avanços significativos. O Banco Mundial, que trabalha com sete fatores, além da renda, considerados estratégicos para definir mobilidade das famílias, apontando sua capacidade para superar a pobreza e os riscos de voltar a estágios anteriores, apontou avanço em todos os grupos observados - dos que vivem em estado de pobreza crônica aos que são pobres transitórios. Entre 1999 e 2011, a porcentagem de pobres na população brasileira passou de 35% para 17%, segundo a instituição.
"De lá para cá os resultados melhoraram ainda mais. Se considerarmos apenas as famílias que vivem em estado de pobreza crônica, no núcleo duro da pobreza, onde a chance de evoluir é menor, entre 2003 e 2013 houve uma redução de 8% para 1%, segundo informações obtidas da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, do IBGE)", afirmou.
No fundo, o que se observa é que a discussão tende a superar o Fla-Flu entre os que são a favor e contra o Bolsa Família.

'Desconstrução pode ser remédio ou veneno', diz cientista político (não lido)


O alerta é de Fernando Abrucio, para quem os ataques mútuos entre os presidenciáveis tanto podem render quanto tirar votos. O que é extremamente delicado numa disputa que será decidida “pela distância de um nariz”

Eduardo Mirandaeduardo.miranda@brasileconomico.com.breOctávio Costaocosta@brasileconomico.com.br
Diante das pesquisas que apontam empate técnico entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) a seis dias da eleição, o cientista político Fernando Abrucio afirma que a decisão virá “na última curva”, em alusão à ultrapassagem que deu o título mundial de Fórmula 1, em 2008, ao inglês Lewis Hamilton, quando Felipe Massa já havia cruzado a linha de chegada. “Os candidatos terão que dirigir com as pontas dos dedos, como se diz nas pistas”. Ele adverte que a estratégia de desconstrução depende da dose certa. “Pode ser um remédio, mas pode se tornar um veneno”. Na opinião de Abrucio, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP), o desafio de Dilma é desconstruir a candidatura do Aécio, enquanto o tucano tem de confirmar a imagem que ele construiu ao fim do primeiro turno. Abrucio assegura que o resultado do pleito terá uma diferença mínima de votos. “Se houver equilíbrio entre os dois nos debates de TV, o vencedor ganhará com um nariz de distância sobre o outro”, aposta.
"Para Aécio, o apoio de Marina não veio como se esperava", diz o cientista político da FGV/SP Fernando Abrucio
Foto:  Murillo Constantino
O sr. consegue fazer um prognóstico para esta eleição?
Será a eleição mais disputada desde 1989. Isso vai se expressar, provavelmente, na diferença entre os dois candidatos em termos de votos válidos, que deve ficar entre 2 e 6 pontos percentuais. Significa que estamos nos diferenciando das últimas cinco eleições, nas quais duas foram vencidas no primeiro turno, e outras três no segundo, com mais de 10 pontos de diferença entre os dois candidatos. Hoje, o prognóstico é muito difícil. Eu diria que Aécio teria 51% de probabilidade de vencer a eleição, e Dilma, 49%.
Essas pesquisas, então, seriam confiáveis?
Acho que sim. Agora, tem que dizer que isso é hoje. Temos que lembrar que de 15% a 20% dos eleitores totais podem mudar de voto, sejam aqueles que estão se colocando como indecisos, com votos brancos e nulos, ou aqueles que, por enquanto, estão optando por Dilma ou Aécio. Ou seja, um quinto dos eleitores pode se mexer, e isso nos dois últimos dias da eleição.
Que fatores poderiam influenciar a decisão dos eleitores na última semana?
O sentimento do eleitor é um desejo de mudança com estabilidade. Quando a gente olha as qualitativas e quantitativas e faz uma síntese delas, vê que os eleitores querem mudança, mas temem perder as conquistas. É um eleitor difícil de avaliar. Quando o eleitor é de continuidade — como foi em 1994, 2006 e 2010 — sabe-se mais claramente para onde ele vai. Quando é de completa mudança, como foi em 2002, você também sabe. O grande problema, hoje, de entender qual será o resultado final, não se restringe às pesquisas de opinião, é o sentimento geral do eleitorado, que é uma busca por mudanças com estabilidade. Esse sentimento é difícil de traduzir e é mais claro não nos extremos do eleitorado, mas nesses 20% que estão entre brancos, nulos e indecisos. Não por acaso, Aécio tem dito que é o candidato da mudança, mas que continuará fazendo as políticas públicas que dão certo.
Qual é o limite da mudança que ele propõe, então? 
Se Aécio chegar e falar que vai mudar tudo que tem aí, porque o governo é, simplesmente, um fracasso, ele perde a eleição. Do mesmo modo, Dilma, que é a continuidade, tem, também, que falar da mudança. É uma eleição de difícil interpretação, sobretudo para esses 20% do eleitorado, que são mais voláteis do que os outros 80%, e que decidirão a eleição. Geralmente, é um eleitorado feminino, de dois a cinco salários mínimos, de média escolaridade — ou seja, não tem tão pouca escolaridade, mas não tem nem ensino superior nem ensino médio completos. Por isso, os candidatos têm que dirigir com as pontas dos dedos, como se diz na Fórmula 1.
E torcer como se estivesse na última curva.
Só que a última curva é diferente para os dois. Para Dilma, nesse momento, a última curva é, no fundo, desconstruir a candidatura do Aécio. E a do Aécio é confirmar a imagem com que ele chegou no fim do primeiro turno. É uma última curva diferente, na qual ambos têm que dirigir no limite. Não por acaso, ambos não aceitaram ser entrevistados pelo “Jornal Nacional”, temendo que, na última curva, algum assunto menos importante aparecesse, e eles não soubessem lidar com isso.
Os debates que serão realizados nos próximos dias terão muito peso? Fala-se muito que o da TV Globo será crucial.
O debate da Globo é o que tem mais peso, por duas razões. Uma é pela audiência; outra, pela proximidade da eleição. O Datafolha mostrou que, no primeiro turno, uma quantidade enorme de eleitores, cerca de 15%, mudou seu voto nos dois últimos dias. Quando a gente olha para os 6% de indecisos, eles respondem que vão decidir na última hora. Eles estão dizendo, em sua maioria, que vão continuar indecisos até a última hora, o que é um avanço democrático. No debate, mais importante do que ter um bom desempenho é não ter um mal desempenho. O que aconteceu no final do primeiro turno não foi só Aécio ter ido bem no debate, mas, principalmente, Marina ter ido muito mal. Na quinta-feira, se houver equilíbrio entre os dois, o vencedor ganhará com um nariz de distância sobre o outro.
Diante dessa análise, a visão de que é uma eleição plebiscitária, em que há uma decisão entre PT ou não-PT, não se aplicaria aos indecisos? 

Não. Existe uma parte grande do eleitorado que é dividida. Uma parte mais voltada ao lulismo, ao petismo, e uma parte muito grande antipetista. Só que quem vai decidir a eleição são os que não estão nesses dois blocos. Esses dois blocos se consolidaram, na verdade. São eles que fazem com que PT e PSDB cheguem ao segundo turno. Eles dão vantagem a esses partidos. Se a gente olhar os dados do Ibope do primeiro turno, há algo em torno de 37% de eleitores lulistas de carteirinha e 33% de eleitores antipetistas de carteirinha. Somando esses dois números, dá 70%. Um terço fica flutuando. Nessa eleição, talvez seja um pouco menos que um terço, talvez um quinto. Os outros 10% já foram conquistados ou por Aécio ou por Dilma. Esses 20% não querem, necessariamente, a polarização. Eles querem, na verdade, mudança com estabilidade. No fundo, o trabalho de Dilma em tentar desconstruir Aécio não se dá da mesma forma que a desconstrução de Marina. Desta vez, é desconstruir Aécio para conseguir mostrar, de algum modo, que ele é o retrocesso. Do lado de Aécio, é tentar mostrar que isso não é verdadeiro.
A estratégia de desconstrução aplicada nessa eleição pelos marqueteiros é algo novo?
Não, ela já existiu em outras eleições. No segundo turno de 1998 em São Paulo, Mário Covas fez a campanha inteira dizendo que Paulo Maluf era ladrão e corrupto. A questão é que algumas eleições dependem mais desse tipo de arma eleitoral. Em outras, não tem tanto efeito. Além disso, o mecanismo de desconstrução depende da medida. Na medida certa, é remédio; na medida errada, é veneno. Acho, até, que o PT abusou da medida no primeiro turno, e uma parte virou veneno. No fundo, para o PT, teria sido muito mais inteligente usar pouco esse elemento contra Marina, e deixar que Aécio usasse mais, porque ele precisava ultrapassá-la. Se isso tivesse acontecido, hoje, Dilma seria a favorita para o segundo turno.
O dado mais importante do Datafolha não é a manutenção da pontuação de ambos, mas o aumento do índice de rejeição de Aécio, que está se aproximando de Dilma, o que mostra que a desconstrução, por enquanto, não perdeu a medida.
Não havia a expectativa na campanha de Aécio de que ele fizesse mais uso dessa desconstrução?
No fundo, Aécio está acreditando que o cenário atual é o mesmo do fim do primeiro turno. Ele acredita que Dilma já perdeu a medida na desconstrução. Mas, neste momento, não dá para dizer que Dilma perdeu a mão na desconstrução. Pelo contrário, a rejeição de Aécio está aumentando. Se isso aparecer na próxima pesquisa eleitoral, eu, se fosse ele, tentaria desconstruir mais fortemente Dilma no próximo debate.
Leia também: Dilma em apuros
O que explica a dificuldade da presidenta Dilma nesta eleição?
É preciso olhar a taxa de aprovação do seu governo. A taxa de aprovação da Dilma, que aumentou ao longo da campanha — por isso que ela conseguiu chegar ao segundo turno e respirar — hoje é de 40%. A taxa de aprovação do governo Lula próximo a esse período era de 83%. A taxa de aprovação é o que melhor explica. No atual momento, Dilma está no limite da possibilidade de ganhar a eleição. Se ela ganhar, vai ser por um triz, nesse limite. Se, até o dia da eleição, a taxa de aprovação dela baixar, ela perde. Se ela crescer um pouco mais, 4, 5 pontos, crescem muito as chances de ela ganhar a eleição, embore eu ache que isso seja difícil de acontecer.
Fala-se da divisão regional entre Norte/Nordeste e Sul/Sudeste e de uma divisão social e de renda, em que a maioria dos mais pobres votaria em Dilma e os ricos e a classe média mais alta, no Aécio. 
O sr. concorda?
Em parte. Sem dúvida alguma, o Nordeste é fortemente lulista. E o Centro-Sul é mais tucano. Mas não é só isso que explica. Se fosse só isso, Dilma estaria bem mais atrás. É que ela tem no Sudeste, sobretudo no Rio, em São Paulo e em Minas, a votação daqueles que tem até dois salários mínimos. Nesta eleição, entre aqueles que têm entre dois e cinco salários mínimos, Aécio lidera. Mas ele lidera onde? Fundamentalmente, em São Paulo, que é o estado maior e onde ele conseguiu chegar aos mais pobres nesse segundo turno. Isso garante a maior possibilidade de Aécio ganhar a eleição. É um paradoxo lógico. Os mais pobres vão votar na Dilma, mas uma parcela dos mais pobres, em particular, em São Paulo, pode garantir a eleição do Aécio. Portanto, existe uma certa polarização, mas que não é verdadeira por completo, nem do ponto de vista regional, nem da renda. No entanto, se o Aécio perder a liderança nesse eleitorado entre dois e cinco salários mínimos — o que pode acontecer, uma vez que é um eleitorado volátil, com grande participação feminina e menor escolaridade, que tem um número grande de pessoas indecisas, não só de brancos e nulos, mas daqueles que são mais voláteis no momento —, Dilma ganha a eleição. É esse eleitorado que vai decidir a eleição.
Qual é o impacto do apoio de Marina para Aécio?
O impacto não veio como se esperava, porque o eleitor fez suas escolhas antes da Marina. Ela só tinha duas opções: apoiar Aécio no dia seguinte à eleição, ou fazer uma lista enorme de temas vinculados à sua história, que se Aécio não aceitasse, ela diria “olha, não estou ficando neutra, é o Aécio que não segue uma linha mais progressista”. Ao não fazer nenhuma dessas duas coisas, ela perdeu eleitores. De um lado, aqueles que queriam uma decisão mais rápida, pularam para Aécio antes de Marina e não precisam mais dela. De outro, aqueles que queriam um compromisso maior de Aécio com o programa da Rede (que Marina simboliza) ou estão indecisos, ou vão votar branco/nulo, ou já optaram pela Dilma. Creio que ela saiu menor da campanha do que quando entrou. Em certo momento, Marina era favorita para ganhar no segundo turno. Hoje, ela tem menos capacidade de influenciar o voto do que há 15 dias. Houve uma redução do poder de Marina. Isso quer dizer que ela acabou politicamente? Claro que não. Mas ela terá que reconstruir sua carreira política, sua inserção na vida política brasileira. E os caminhos ficaram mais difíceis para ela.
Há uma tendência dos indecisos pró-Dilma?
Eu diria que sim. Mas não é que os indecisos todos vão para Dilma, porque indeciso ainda é indeciso. Eles não têm um voto ainda. Se fosse hoje, Aécio ainda ganharia, porque eles ainda estão indecisos. Mas, se, na próxima semana, Aécio perder votos nessa faixa de dois a cinco salários mínimos, em particular no Sudeste, e aumentar sua rejeição, a gente inverte: Dilma vira favorita.
A garantia dele seria o voto desse eleitorado em São Paulo?
Em São Paulo, Minas e Rio.
Por que essa faixa de renda pendeu para o PSDB?
Há uma situação que gera um certo paradoxo. Essas pessoas melhoraram de vida ao longo dos últimos 12 anos, principalmente durante os oito anos em que Lula foi presidente. Nos últimos quatro anos, a vida delas não melhorou tanto. Quando elas melhoraram, começaram a se tornar mais demandantes de coisas que antes não tinham, como a qualidade dos serviços públicos. Essas pessoas estão com uma enorme estabilidade no emprego. Portanto, não tem mais aquela situação de insegurança no emprego, que era muito forte no segundo governo FHC e destruiu o seu governo. Mas elas querem mais serviços públicos. Muitos vão dizer que elas se tornaram mais conservadoras, mas não são conservadoras no sentido ideológico. Elas começam a temer que possam perder posição. Essas pessoas eram mais favoráveis ao Bolsa Família há dois, três anos, do que hoje.
Há a perspectiva de uma presença maior de Lula nesse final de campanha. O sr. acha que isso influencia?
Ainda não está claro qual vai ser o envolvimento do Lula na campanha. Por enquanto, tem sido muito menor do que vem sendo alardeado pelos petistas. A primeira tarefa da campanha da Dilma é conseguir, efetivamente, envolver o presidente Lula. Se eles conseguirem isso, Lula tem um possível impacto, sobretudo no eleitorado do Nordeste, mas também no Sudeste, como no Rio, entre o eleitorado mais pobre. No Nordeste, ele pode aumentar a diferença da Dilma para o Aécio, o que já seria algo importante, embora não completamente decisivo do ponto de vista do resultado eleitoral. Mas não está claro para mim qual vai ser o envolvimento dele. Afinal, o que ele tem dito é que vai fazer campanha nos lugares em que o PT ou algum aliado está concorrendo ao segundo turno. É verdade que uma parte deles está no Nordeste, como no Ceará ou na Paraíba, o que vai favorecer, por tabela, a presidente Dilma. Mas ele pode fazer algo mais forte ainda indo para Ceará, Paraíba, Bahia, Pernambuco, pode ir a alguns lugares da região Norte e tentar fazer uma campanha mais forte em São Paulo e Rio. Por enquanto, isso não aconteceu. Tem ali um jogo mais oculto, por enquanto, de qual vai ser o grau de envolvimento do Lula nesse final de campanha da Dilma no segundo turno. Se ela conseguir envolvê-lo, ganha uma arma importante.
Como o sr. vê a questão do mercado financeiro contra Dilma?
Acho que tem a ver com uma sensação de que a política está errada, ao menos para aquilo que o mercado financeiro acredita ser a política econômica certa. Eles apontam a queda do superávit primário, o aumento da taxa de inflação, a redução do crescimento econômico. Em segundo lugar, o mercado financeiro tinha um maior entrosamento com o governo Lula e com o governo Fernando Henrique. O corte não é o governo Lula, é o governo Dilma. Quando o governo Lula adotou políticas anticíclicas, o mercado financeiro não ficou bravo com isso. A grande maioria queria a manutenção do lulismo, até porque viu no Serra algo diferente do que viram no Fernando Henrique. No governo Dilma, há um corte, em parte por erro da avaliação das políticas econômicas, mas também por essa falta de entrosamento. Bateram de frente várias vezes, há a história de como houve a redução da taxa de juros. Nesse processo, houve o predomínio de um cabo de guerra entre o governo e o mercado financeiro. A presidente não foi capaz de reconstruir as pontes com o mercado financeiro.
Ela devia já anunciar a nova equipe econômica?
Ela devia ter anunciado a equipe econômica, se fosse o caso de querer mudar, há seis meses. Não o fez, embora já tenha demitido e mantido em atividade o ministro. Agora, no meio da campanha do segundo turno, creio que criaria mais ruídos do que pontos a favor. Acho que Dilma perdeu o timing disso.
O sr. acha que se o presidente Lula tivesse sido candidato, a situação seria diferente?
Para Lula ser candidato, Dilma teria que, de alguma forma, obedecer a ele. Lula pediu no final do ano passado a mudança do ministro da Fazenda. Se ele tivesse sido candidato, ele poderia dizer que a presidente Dilma governa, mas ele está ajudando a consertar algumas coisas, porque ele é o candidato. Se isso ocorresse, acho que ele teria sido o franco favorito para essa eleição. Mas não ocorreu. Dilma acreditou até o final que ela teria chances, embora tenha chances muito apertadas. E, por outro, Lula não quis comprar essa briga, já que ele não tinha a convicção de Dilma de que ele deveria ser o candidato. Seria um desgaste muito grande e que poderia gerar mais problemas do que soluções ao próprio PT.
Parece que ele está se preservando para 2018.
Em parte, sim. Ele não brigou para ser o candidato, e não ajudou tanto ao longo da campanha de Dilma até agora porque não foi chamado para tal. Alguém só vai participar de uma campanha mais fortemente se você coloca o cara no pedestal. Aécio fez isso com Fernando Henrique. Ele fala mais do Fernando Henrique nos debates do que Dilma fala do Lula. Obviamente, Lula está apoiando Dilma, mas com menor intensidade. Creio que, se ele fosse chamado, colocaria alguns poréns, e ela teria que aceitar pelo menos uma parte desses poréns, e ele estaria hoje com maior participação. Mas os petistas não podem exigir maior participação do Lula sem dar o papel central que ele quer ter. Por isso, ele prefere ter uma participação mais low profile ao longo da campanha. A opção dele não é apenas um cálculo em relação a 2018, é resultado da forma com que a campanha da Dilma o tratou — num certo momento, em agosto, se aproximou do Lula, e, no momento em que a Marina começou a cair, se afastou dele. É uma situação de incerteza também para ele.
O sr. disse no ano passado que o PT precisava construir uma relação bem azeitada com o PMDB para ter êxito nas eleições. Isso deu certo?
Não deu muito certo. Em alguns estados, como Minas e Piauí, houve esse acordo, uma articulação capaz de agradar aos dois lados. Mas houve um número enorme de lugares em que a aliança não deu certo. O resultado é duplo: o governo perdeu apoio na própria campanha, vide Rio Grande do Sul, e se, porventura Dilma ganhar a eleição, ela terá um cenário difícil, terá que reconstruir essa relação, que hoje é muito ruim. Metade da Câmara está com Dilma e a outra metade, contra. No Senado, está um pouco melhor, ela tem apoio da maioria.
O deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) disse que metade do partido está com Aécio. Se Dilma vencer, ela terá um PMDB mais rebelde?
A frase do Eduardo Cunha tem a ver também com o passado, quando eles acreditavam que teriam maior entrosamento com o governo. Além disso, tem a ver com o cheiro da possibilidade de Aécio ganhar a eleição. Há ainda outro elemento que está fora dessa discussão: ele está com medo do combate à corrupção, porque existe um número enorme de deputados, senadores e governadores com temor de que toda essa história da Petrobras traga mais histórias. Acho que, de certa maneira, Cunha aposta que um governo de Aécio Neves seria melhor porque, de alguma forma, não precisariam da incômoda aliança com o PT e com Dilma, que maltrataram o PMDB nos últimos anos. E, também, porque eles acham que com Aécio seria mais fácil segurar essa avalanche que pode vir dos escândalos. É uma aposta.
O sr. acha que temas como corrupção, Petrobras e nepotismo vão pesar na reta final?
Pesou até agora. Ajudou a oposição a trazer para um empate técnico. Claro que ajudou muito mais dessa vez do que nas outras porque o cenário econômico não é bom. Nessa reta final, se for encontrado algo novo sobre a Petrobras para a presidente ou contra Aécio, é claro que pode atrapalhar. De resto, o que foi denunciado já teve efeito forte. Temos, no mínimo, um empate técnico e, no máximo, ligeiríssima vitória de Aécio.
A chegada, então, vai ser no photochart, como no turfe?
Vão dirigir como na última volta da Fórmula 1, mas a chegada estará mais próxima do “cruza a reta final” do turfe.
O sr. acha que essa polarização entre PT e PSDB continuará?
Ainda não dá para chegar a essa conclusão, porque vai depender de quem for eleito em 2014 e de seu governo. Em 2018, já começa um cenário na política brasileira no qual quem foi a elite do sistema político nos últimos 20 anos — particularmente os grandes líderes do PT e do PSDB — estará deixando a política. Entre 2018 e 2022, ocorrerá uma transição geracional na elite política brasileira que não é só uma questão de idade, mas de pessoas. Para 2018, não dá para garantir que acaba a polarização. Mas, para 2022, fica cada vez mais difícil manter a polarização, pelo menos nos termos em que ela se colocou nos últimos 20 anos.