segunda-feira, 12 de maio de 2014

Supremo abre licitação para dar 'bagagem intelectual' à TV Justiça


Presidência da Corte prevê gastar até R$ 10 milhões a mais por ano para substituir a atual empresa prestadora do serviço

12 de maio de 2014 | 2h 03

Felipe Recondo e Mariângela Gallucci - O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - Uma licitação aberta no fim de abril pelo Supremo Tribunal Federal prevê um aumento dos custos com a TV Justiça em aproximadamente R$ 10 milhões por ano. A seis meses do fim do mandato do ministro Joaquim Barbosa, a presidência do tribunal pretende romper o contrato com a atual empresa prestadora do serviço, a Fundação Renato Azeredo.
Um dos argumentos apresentados para a nova contratação é que os profissionais da TV Justiça não têm a "devida qualificação e bagagem intelectual" em razão de salários baixos.
O contrato atual, firmado em 2011, custa ao tribunal R$ 15 milhões e anualmente precisa ser renovado, sem necessidade de licitação. Como o prazo desse contrato é de cinco anos, o Supremo poderia renová-lo por mais dois anos sem aumento nos custos do tribunal.
A intenção da atual administração é abreviar esse contrato, chamando outras empresas para disputar uma concorrência pública. Com a nova licitação, o Supremo poderá pagar até R$ 25 milhões pela gestão da TV.
Num dos memorandos que embasou o edital, a administração do tribunal afirma que há na TV Justiça "chefes despreparados", quantidade insuficiente de profissionais, "perda de qualidade e de profundidade" e contratação de profissionais sem bagagem intelectual e de "baixa qualificação técnica".
Por isso, o Supremo quer estabelecer qualificação mínima para os profissionais a serem contratados, piso salarial e quantidade mínima de contratados - 164 profissionais.
Qualidade. O edital também não permite que os profissionais acumulem mais de uma função. De acordo com o Supremo, impedir que servidores exerçam mais de uma função - uma forma que a empresa teria de economizar com pagamento de salários - contribuirá para melhorar a qualidade dos programas da TV Justiça.
Na segunda-feira passada, após questionamentos do Estado, a licitação foi suspensa. Mas o tribunal informou que a concorrência será realizada. "A licitação, como manda a lei, será realizada. Por um ato de gestão, houve apenas a suspensão temporária para que algumas premissas possam ser objeto de nova análise, a fim de aprimorar o processo licitatório", informou a Corte. "Logo que o trabalho esteja concluído, a licitação será retomada, e todas as informações disponibilizadas", acrescentou, sem especificar quais aprimoramentos pretende fazer.
Questionado, o tribunal não respondeu por que suspenderá o contrato atual com a Fundação Renato Azeredo, qual a razão do aumento potencial de gastos, por que realizar a licitação a seis meses do fim do mandado do ministro Joaquim Barbosa e como foi mensurada a alegada falta de bagagem intelectual dos atuais funcionários da TV.
Procurados, servidores da emissora informaram que não iriam fazer comentários na atual fase do processo licitatório.
A TV Justiça é uma emissora pública fundada em 2002, sendo a primeira a transmitir julgamentos do Supremo ao vivo. Ela foi fundada quando Marco Aurélio Mello, ministro da Corte, exerceu interinamente o cargo de presidente da República durante o governo Fernando Henrique Cardoso e sancionou a lei que previa sua criação.
A emissora ganhou destaque em 2012, quando transmitiu a íntegra de todas as sessões do julgamento do mensalão. A exposição dada ao debates na Corte é foco de críticas desde então. O ex-ministro do Supremo Cezar Peluso, por exemplo, já criticou as transmissões, afirmando que elas mudam o comportamento do juiz.

'Esperança do Mundo' (definitivo)


"Nunca confiei na felicidade", diz o personagem de Robert Duvall no filme "Tender Mercies" ("A Força do Carinho", título brasileiro bem infeliz para o filme), papel com o qual ganhou o Oscar de melhor ator em 1983. O filme narra a derrocada de um cantor de música country e sua sofrida redenção, graças ao amor e generosidade de uma mulher.
No filme, salta aos olhos o deserto do Texas, a solidão de todas as planícies e a total ausência de qualquer metafísica barata, coisa comum hoje no cinema, seja ela moral, psicológica, ambiental ou política. O homem e a mulher são seres abandonados no mundo e devem cuidar de suas vidas porque ninguém mais o fará.
Aliás, por falar em metafísica, a pior é a política. Mas da política trato apenas por obrigação profissional, porque, como diz Albert Camus nos seus "Cadernos" (o primeiro tem como título "Esperança do Mundo"), ouvindo aqueles que se dedicam à política, podemos apenas concluir que as pessoas se importam pouco com esta parte das suas vidas, uma vez que todos na política mentem.
Acrescentaria, além dos políticos profissionais, os intelectuais que a ela se voltam como redenção do mundo e forma de obrigar os outros a viverem de acordo com os delírios que alimentam em seus gabinetes.
Enfim, no fundo, a política pouco me interessa. Trato-a assim como quem deve cuidar de uma ferida —do contrário ela se infectará.
Noutro filme, "Alabama Monroe" (2012), do diretor Felix van Groeningen, a personagem feminina Elise, interpretada por Veerle Baetens, diz algo semelhante ao final: "Sempre soube que tudo aquilo não podia durar, porque a felicidade sempre acaba". Referia-se ela ao amor por seu marido Didier e pela pequena filha morta.
Sinto-me em casa quando ouço pessoas dizerem coisas assim. Pois se existem apenas "três ou quatro atitudes diante do mundo", como dizia em seu "Breviário da Decomposição" Emil Cioran, filósofo romeno indispensável para quem suspeita que os trágicos gregos são quem tem razão na filosofia, esta é a minha. E seguramente a dele. E também a de Camus.
Na mesma obra, Cioran faz um diagnóstico preciso: "A obsessão pelos remédios marca o fim de uma civilização, e, pela salvação, o fim da filosofia". Por isso ele afirma que desistiu da filosofia quando viu que em Kant não havia nenhuma tristeza. Os filósofos, diz Cioran, quase todos acabam bem, prova máxima contra a honestidade deles.
Sempre sinto um cheiro de mesquinharia quando ouço alguém falar de uma nova dieta. A vida, talvez seja esta sua maior tragédia, se apequena quando não é de algum modo dada em sacrifício. Talvez seja isso que o cristianismo queira dizer quando afirma que só quando se perde a vida se ganha a vida. E não há saída: somos a civilização da mesquinharia. Até Cristo deve ser saudável.
Sei que Camus considerava o suicídio o único problema filosófico ("O Mito de Sísifo"). E sei também que ele considerava um milagre um momento em que não tivesse que falar de si mesmo (caderno "Esperança do Mundo"). Detalhe: Camus usa expressões como "milagre", conhecia bem teólogos como Blaise Pascal e conceitos como o de "graça", citando-os com precisão.
Mas eu suspeito que um dos maiores problemas da filosofia, e certamente um dos maiores milagres na vida, para quem tem um temperamento que desconfia da felicidade (trágico), é justamente o problema que Camus diz "ser um bom título": a esperança do mundo.
Como ter esperança no mundo sem ter que abdicar da capacidade de vê-lo tal como é? Por isso, sinto um halo de graça quando vejo a esperança visitar o mundo. Afora as ilusões, só a generosidade é capaz de acolher a esperança.
Talvez o próprio Camus dê uma pista neste "Caderno", sendo ele um filósofo, e sabendo, como nós todos, que nós filósofos sofremos da vaidade intelectual como pecado capital. Camus diz que "a obsessão em ter razão é a marca suprema de uma inteligência grosseira". Portanto, talvez, a humildade, virtude capital para Camus, seja a esperança para a filosofia. Ou, como dizia Santo Agostinho, o que falta ao filósofo é chorar. 
luiz felipe pondé
Luiz Felipe Pondé, pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, 'Contra um mundo melhor' (Ed. LeYa). Escreve às segundas.

    Maior ou menor? - PAULO GUEDES


    O GLOBO - 12/05
    O dinheiro barato infla artificialmente o patrimônio dos mais ricos, enquanto a competição asiática trava o salário dos mais pobres
    O grande economista austríaco Joseph Schumpeter considerava o francês Léon Walras o maior economista de todos os tempos por sua formulação da Teoria do Equilíbrio Geral. O formidável Paul Samuelson comparava a importância de Walras nas ciências econômicas ao papel de Newton nas ciências exatas: Lagrange dizia que Newton era não somente o maior nome da física mas também o mais sortudo dos cientistas. Pois havia apenas um sistema do mundo, e foi Newton que o descobriu. Da mesma forma, há em economia um grande sistema do equilíbrio geral. E foi Walras quem teve a percepção e a sorte de o revelar.
    Pois bem, nunca foi Walras tão contemporâneo. E sua análise é o calcanhar de aquiles da sempre popular tese do capitalismo cruel defendida por Thomas Piketty, o economista francês que se tornou celebridade instantânea. Pergunte o que acham disso os 3,5 bilhões de eurasianos que mergulharam nos mercados de trabalho globais. Como aponta Kenneth Rogoff em seu artigo do GLOBO deste sábado, quando se trata de reduzir a desigualdade mundial, o sistema capitalista teve três décadas de desempenho impressionante . Foi a fuga da miséria socialista que empurrou bilhões em desespero em direção à engrenagem capitalista global, derrubando os salários e aumentando o retorno sobre o capital nas economias ocidentais.

    A mesma engrenagem que aumentou a desigualdade em países ricos reduziu globalmente a desigualdade, permitindo que bilhões de asiáticos escapassem da extrema pobreza , prossegue Rogoff. É fato que a desigualdade aumentou em cada um dos países avançados. Afinal, o dinheiro barato infla artificialmente o patrimônio dos mais ricos enquanto a competição asiática trava o salário dos mais pobres. E as operações de salvamento de instituições financeiras após o grande estouro das bolhas protegeram essa riqueza acumulada por retornos extraordinários do capital durante todo esse tempo. Mas foram os governos que garantiram os depósitos de déspotas africanos, cleptocratas russos, políticos corruptos e mesmo meritórios bilionários de todo o mundo. Enquanto a destruição dessa riqueza concentrada foi perpetrada pelo capitalismo acusado de injusto. A desigualdade é localmente maior e globalmente menor, enquanto convergem as remunerações através do comércio globalizado (Samuelson) em uma economia mundial integrada (Walras).