segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Apesar de você, o Brasil vai crescer

Autor(es): Ernesto Lozardo
Valor Econômico - 28/12/2012
 

Há uma orquestrada crítica à política econômica embasada na teoria de equilíbrio geral macroeconômico como se na vida real isso pudesse acontecer. Trata-se de um referencial teórico, pois a trajetória do desenvolvimento econômico é um processo de permanente desequilíbrio.
A arte da política macroeconômica consiste em administrar, e não torturar, fundamentos da estabilidade. Refiro-me a três críticas de profissionais que pretendem mitigar a construção de um ambiente propício aos investimentos privados no Brasil.
A primeira diz respeito aos critérios de investimentos no programa de infraestrutura do governo Dilma Rousseff. O governo pretende assegurar a menor tarifa possível e o menor custo do capital de investimento. Isso não significa que essa política atrairá somente empresas de "segunda categoria" para realizar as obras de logística modal e de infraestrutura. O programa de investimentos visa reduzir o famigerado "custo Brasil", aumentando a eficiência dos sistemas de transportes. Os projetos de concessões públicas para a construção de ferrovias (10 mil km) e rodovias (7,5 mil km) interligará todas as regiões aos 12 principais portos da costa brasileira. As concessões de rodovias e ferrovias exigirão investimentos da ordem de R$ 133 bilhões: R$ 79,5 bilhões até 2017 e o restante, R$ 53,5 bilhões, ao longo de duas décadas.
Uma política econômica responsável prioriza o crescimento com redução das desigualdades sociais
O objetivo é reduzir o custo atual do sistema modal de transporte. Esse sistema está 40% acima do dos Estados Unidos, ou seja: o sistema de transporte no Brasil custa 11% do PIB e nos Estados Unidos é inferior a 8% do PIB.
O BNDES fará sua parte, aportando, em média, 65% dos recursos necessários em ferrovias, rodovias, portos e aeroportos com taxa de juros subsidiada. Os restantes 35% serão capital próprio das concessionárias. Estas complementarão os recursos por meio de empréstimos ao custo do mercado de capitais. A composição do custo de construção da obra deve assegurar tanto a menor tarifa como uma taxa de rentabilidade possível, considerando serem sistemas de transportes, e cada um deles guarda riscos distintos.
O "custo Brasil" resume-se à baixa capacidade competitiva tecnológica e inovadora do setor industrial em relação à concorrência internacional. Com o objetivo de reduzir essa deficiência econômica, há um grande empenho público e privado na promoção da inovação tecnológica. A Finep investirá R$ 15 bilhões em projetos de inovação tecnológica industrial. A CNI - Confederação da Nacional da Indústria, em conjunto com o Senai, conta com um aporte de R$ 1 bilhão do BNDES, para a criação de 27 centros de pesquisas em inovação tecnológicas para atender à competitividade da industrial nacional.
O governo federal lançou um ambicioso programa da pesca. Serão investidos mais de R$ 4 bilhões para aumentar a produção e o consumo de peixe na dieta dos brasileiros.
Por último, mas não apenas isso, o governo federal, em conjunto com a iniciativa privada, vai remodelar os principais portos e aeroportos do país. Cabe, também, lembrar os investimentos pertinentes à realização da Copa do Mundo e da Olimpíada. Em face dessas iniciativas, prevê-se que, até 2017, os investimentos estarão acima de 25% do PIB. O país viverá uma fase de "canteiros de obras e de pleno emprego".
A segunda crítica afirma que o governo optou por estimular o consumo em vez dos investimentos. Os programas de investimentos mencionados anulam essas alusões. O fato é que, o governo federal estimulou o consumo e os investimentos, porém, cada um em seu devido tempo. Estimular o consumo foi prioritário para evitar o desemprego e perda maior da dinâmica industrial. Houve aumento na inadimplência do crédito bancário, mas isso é responsabilidade de quem cede e de quem toma empréstimo, mas não do governo.
No tocante aos custos da produção, baixaram-se os impostos de bens de consumo duráveis, bem como a desoneração da folha de pagamento de 40 setores da indústria. Reduziu-se a taxa básica de juros, exigiram-se mais recursos subsidiados do BNDES, e o real foi desvalorizado. Foram medidas emergenciais da política macroeconômica para contra-atacar o contágio da crise externa sobre a economia brasileira. Os resultados obtidos foram positivos: reduziram-se o desemprego, os custos da produção e do capital.
A terceira crítica alega que o Banco Central abandonou seu triplo mandato (câmbio flexível, meta inflacionária e superávit primário), substituindo-o por um novo tripé (câmbio fixo, metas de juros e de crescimento). Esse mandato foi criado tanto para controlar as expectativas futuras de preços como assegurar sua estabilidade, e permitir a redução dos juros. Em 1999, não havia crise financeira global e, tampouco, guerra de moedas entre países, causando valorização do real, transferindo renda e empregos nacionais para o exterior. O tripé original está consolidado de forma institucional e social. Em face da imprevisibilidade política e econômica existentes nos Estados Unidos e na União Europeia, bem como um cenário menos dinâmico da economia chinesa, é justo que o BC adapte os eixos do tripé da estabilidade ao cenário internacional e não se deixe levar pela ideologia neoliberal. No entanto, vários ex-dirigentes do BC acreditam, cegamente, no que Milton Friedman, prêmio Nobel de economia, apregoava: "o que importa é a política monetária".
Um mandato de política econômica minimamente responsável prioriza o crescimento com redução das desigualdades sociais, a competitividade econômica e a estabilidade do poder de compra da moeda nacional. O Brasil caminha nessa direção.
Parafraseando a canção de Chico Buarque: apesar das críticas ideológicas neoliberais sobre os fundamentos do crescimento, amanhã o Brasil viverá outro dia.
Ernesto Lozardo é professor de economia da EAESP-FGV e autor do livro "Globalização: a certeza imprevisível das nações

Confronto que endurece


Tão palavrosos como dirigentes partidários e como militantes, nos seus governos os petistas são um fracasso de comunicação até aqui inexplicável. E pagam preços altíssimos por isso, sem no entanto se aperceberem dos desastres e suas consequências. Ou melhor, às vezes percebem, e até se autocriticam, mas com atraso de anos.
Para aturdir os governantes e dirigentes petistas, deixando-os à mercê da pancadaria, nem é preciso um canhonaço como foi o mensalão. Um aparelho de ar refrigerado em pane é suficiente. Nada mais normal do que a quebra de uma máquina. Mas há cinco dias os usuários do aeroporto Santos Dumont se esfalfam em queixas e acusações; e, no outro lado, a presidente, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a Secretaria de Aviação Civil (a que veio mesmo?) e a Infraero apanham, inertes, dos meios de comunicação e da estimulada opinião pública.
No governo imenso, cheio de assessorias de comunicação próprias e contratadas, a ninguém ocorreu romper o marasmo burocrático e dirigir-se à população com as explicações devidas.
A quebra foi assim-assado, tomaram-se tais providências, e, depois, o reparo está demorando ou não deu certo por tais motivos, diante dos quais estão tomadas as seguintes providências, e por aí afora.
Nada de difícil ou especial. Aquilo mesmo que se espera ao buscar o carrinho ou, se tucano, ir pegar o carrão e não o encontrar pronto na oficina. Aborrece, mas se a explicação não falta e é honesta, o provável é perceber-se uma situação desagradavelmente normal na era das máquinas. E nada mais.
No aeroporto Tom Jobim deu-se o mesmo, com a pane local de um transformador. Mas tudo virou um problema enorme de falta de geração de energia, de apagão.
Até os índios do Xingu e do Madeira foram condenados, com o brado destemido de Regina Duarte a favor da inundação das terras indígenas e da floresta: "Viva Belo Monte! Essa [um aparelho de ar refrigerado quebrado] é a prova de que precisamos de uma nova estrutura em energia!"
Talvez, contra o calorão do Santos Dumont, comprar um aparelho novo fosse mais barato e eficiente do que construir uma hidrelétrica na Amazônia. Bem, depois a atriz se disse preocupada também com o calorão na Copa do Mundo. A qual, aliás, será no inverno. Mas o que interessa é ter aproveitado a bobeada do governo petista.
Desde a entrevista de Lula em Paris, sentado a meio de um jardim de hotel, com uma jovem entrevistadora mal improvisada, para gaguejar grotescos esclarecimentos do mensalão, logo serão dez anos.
A inesgotável oratória de Lula, com sua mescla de populismo político e ativismo social, nesse tempo contornou a maioria dos percalços que o sistema de comunicação dos governos petistas não encarou. Com o julgamento do mensalão e com as cenas que ainda promete, o governo Dilma Rousseff é o alvo do agora exaltado antilulismo ou antipetismo (a rigor, não são o mesmo). Assim, neste embate endurecido, tende a ser o 2013 que veremos.
Daniel Marenco/Folhapress
Janio de Freitas, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa com perspicácia e ousadia as questões políticas e econômicas. Escreve na versão impressa do caderno "Poder" aos domingos, terças e quintas-feiras.

    domingo, 30 de dezembro de 2012

    Recuperando a História, por Suely Caldas


    Mais um ano se foi. O 2.º do governo Dilma, o 10.º de gestão petista e o 18.º de estabilidade econômica e inflação sob controle. Mesmo resumidamente, recuperar a história é bom, traz luz às novas gerações. Então, vamos lá.
    Hiperinflação liquidada com o Plano Real e um programa de governo para modernizar a economia deram, há 18 anos, o imprescindível impulso para desenhar o Brasil atual. Em oito anos de governo faltaram tempo e apoio do Congresso para FHC realizar tudo o que planejou: a reforma do Estado avançou, a educação progrediu, a infraestrutura deu passos, mas faltaram as reformas política, tributária, previdenciária e trabalhista. O sistema de saúde andou pouco e o combate à pobreza só engatinhou com a criação de programas sociais, entre eles o Bolsa-Escola e o Vale-Gás, que deram origem ao Bolsa-Família.
    Ao chegar ao governo, em 2003, Lula enfrentou desconfiança de empresários, banqueiros, agentes do mercado financeiro e quem mais faz girar a roda da economia. Ele seria capaz de dar continuidade aos avanços de FHC e completar as reformas? Ou daria curso às incendiárias e inexequíveis propostas do PT, como o calote na dívida pública? O pragmatismo de Lula e a habilidade política de seu ministro da Fazenda, Antônio Palocci, funcionaram e a confiança foi recuperada. Claro, Lula assimilou e adotou integralmente (sem tirar nem pôr) o modelo econômico do antecessor e prometeu completar as reformas. Para evitar a óbvia identificação com FHC, passou a adotar o bordão "nunca antes na história deste país".
    Mas logo começaram a surgir os escândalos de corrupção, e com eles morriam os planos de reforma e aprofundamento do programa econômico. Primeiro foi o caso Waldomiro Diniz - assessor estratégico do então ministro José Dirceu que aparecia em fita recebendo propina do bicheiro Carlinhos Cachoeira -, em fevereiro de 2004. Um ano depois, o mensalão. Depois, outros e mais outros a alimentar a convicção de que "nunca antes na história deste país" houve tanta corrupção no governo.
    Os escândalos atrapalharam, as reformas foram abandonadas, mas Lula conseguiu trazer para a economia os efeitos do boom de crescimento econômico do mundo, ajudado pela ação firme e autônoma do Banco Central (BC). Os avanços no combate à pobreza foram a principal marca de sucesso do governo Lula. Pouco melhorou a qualidade na educação, a saúde foi um desastre, a economia seguia no feijão com arroz, mas ele conseguiu manter a inflação contida e com média de 5,78% nos oito anos e PIB com crescimento médio de 4%.
    Errou quem imaginou que Lula escolhera um poste para esquentar a cadeira de presidente até sua volta em 2014. Dilma Rousseff começou a se diferenciar do padrinho já no discurso de posse, ao avisar que não iria tolerar a corrupção e o malfeito. No primeiro ano de governo, demitiu seis ministros acusados de corrupção, todos herdados de Lula. Na política, pouco cedeu ao troca-troca com partidos aliados e, na economia, vai-se diferenciando de Lula e FHC, introduzindo mudanças e construindo um modelo muito próximo ao que vigorou no governo militar de Geisel.
    Intervenções miúdas do Estado na economia privada; endividamento do governo; proteção à indústria (sobretudo a automobilística), favorecida por tarifas de importação altas, desvalorização cambial e juros subsidiados; e uso de bancos públicos e empresas estatais (caso da Petrobrás) para controlar a inflação e estimular o consumo são identidades dos modelos Geisel e Dilma.
    Tal modelo não foi capaz de estimular o investimento - nem em produção nem em infraestrutura. E, pior, tem atraído desconfiança e insegurança nos investidores em relação ao futuro, reconhecidas pelo BC em seu último Relatório de Inflação. Até os melhores feitos de Dilma - a redução da taxa de juros Selic e taxa de desemprego baixa - ficam perdidos em meio ao desânimo geral. E a disposição de fazer o País crescer a qualquer custo tem contrastado com resultados medíocres do PIB: média de 1,85% nos primeiros dois anos.
    Um feliz 2013!