terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Arcaismo sindical , por Suely Caldas


JORNALISTA, É PROFESSORA DA PUC-RIO E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM, JORNALISTA, É PROFESSORA DA PUC-RIO E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM - O Estado de S.Paulo
SUELY
CALDAS
Quem não quer R$ 1,6 bilhão de dinheiro público, gastar como bem entender e nunca ser fiscalizado? É mamata? Pois essa mamata existe desde 1943, há quase 70 anos, atende pelo nome de "imposto sindical", é cobrada de todos os trabalhadores com carteira assinada e sua receita vai direto para o caixa de sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais de trabalhadores. Quer mais? Essas entidades também são aquinhoadas com verbas do Ministério do Trabalho supostamente para custear programas de educação do trabalhador, mas o dinheiro se perde e raramente sua aplicação é fiscalizada ou avaliada. E mais: as centrais ainda recebem verbas de patrocínio de estatais, o que já gerou uma ação contra a Petrobrás no Tribunal de Contas da União.
Quem não quer R$ 15 bilhões a cada ano, aplicar uma parte em educação e serviços sociais e outra, incalculável, em seus gastos corriqueiros e correr riscos mínimos de fiscalização? É quanto levam sindicatos, federações e confederações de empresários com a arrecadação do chamado Sistema S (Sesc, Senac, Senai, Sesi, Senat, Sebrae), taxa de 2,5% sobre o valor da folha de pagamento das empresas do País. Essas entidades tentam argumentar que não, mas é dinheiro público, porque as empresas repassam seu custo para os preços de produtos e serviços pagos pela população. Além disso, elas também têm seu quinhão do imposto sindical.
Esses são os instrumentos que financiam a estrutura sindical do País desde 1943, quando Getúlio Vargas a criou. Tudo pago por 190 milhões de brasileiros. FHC e Lula tentaram mudá-la, tornando-a menos onerosa e de maior eficácia para o trabalhador, mas falou mais alto a força do corporativismo e do lobby de dirigentes sindicais dos dois lados e junto dos dois governos. Dilma Rousseff não tentou, mas ainda há tempo, se disposição tiver.
Nestes 70 anos, o progresso tecnológico impôs muitas mudanças, modernizou indústrias, métodos de gestão, a enxada deu lugar ao trator e o Estado passou a concentrar sua atuação na saúde, educação e segurança. Mas a estrutura sindical e as formas de financiá-la ficaram intactas, as mesmas que Getúlio importou da Carta del lavoro, criada em 1927 pelo ditador fascista italiano Benito Mussolini, para guiar as relações de trabalho na sociedade.
Quantos hospitais, escolas, presídios e redes de água e esgoto seriam construídos, se tal dinheiro fosse direcionado para esse fim? Não se sabe ao certo, mas, com toda a certeza, ajudaria muito a reduzir o vergonhoso e desumano déficit nessas áreas. O drama da saúde pública, por exemplo, é vivido cotidianamente pelos que dela precisam, em hospitais sujos, desaparelhados, com falta de médicos e remédios, doentes jogados ao chão ou não atendidos, cirurgias adiadas. Mas a população que não usa a rede pública não tem ideia disso e há dias ficou chocada ao ver na TV uma gigantesca fila de milhares de pacientes em frente ao Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia do Rio - onde 21 mil pessoas esperam por uma cirurgia - tentando marcar uma consulta para 2013.
Com dinheiro farto fluindo, a estrutura sindical dispara e a cada ano surgem novos e misteriosos sindicatos, criados com a única finalidade de devorar o imposto sindical. Hoje há mais de 14 mil deles; atuando em defesa de trabalhadores, nem 1/4 disso. De criação mais recente, as centrais não recebiam receita do imposto, mas Lula cuidou disso: deu a elas 10% (R$ 160 milhões em 2012) dos 20% que cabiam ao governo no rateio. Resultado: mais quatro centrais foram criadas, além de CUT e Força Sindical, que já existiam. Delas, só a CUT condena a cobrança do imposto, mas dele usufrui enquanto não é eliminado.
No início de seu primeiro governo, FHC tentou tirar das entidades patronais e profissionalizar a gestão do dinheiro do Sistema S, concentrando-o na educação dos filhos dos trabalhadores. Foi bombardeado pelo lobby patronal e acabou desistindo. O ex-ministro da Educação de Lula Fernando Haddad fez gesto parecido. Também desistiu.
Quando os sindicatos sairão do atraso?


Devagar com o andor


Devagar com o andor - ROBERTO FENDT


O Estado de S.Paulo - 16/12



Tornou-se lugar comum afirmar que embarcamos num processo de desindustrialização provocado pela baixa competitividade da indústria brasileira. Em apoio a essa tese se aponta que vamos encerrar 2012 com a produção industrial em queda de quase 2,5% em relação a 2011. Com isso, a participação da produção industrial deverá se acentuar este ano, passando a contribuir com pouco mais de 22% para a formação do PIB. Nesse quadro, tem especial relevância a queda na produção de bens de capital, que, até outubro, havia encolhido quase 12% na comparação com janeiro/outubro de 2011.

A perda de competitividade tem sido geralmente ilustrada pela comparação dos preços dos produtos industriais brasileiros com seus congêneres estrangeiros. Um exemplo bom realça essa forma de argumentar - tomando por base os dados apresentados em matéria de Sílvio Guedes Crespo, aqui mesmo no Estado.

O Ford Focus Sedan custava com impostos, em dezembro de 2011, R$ 56.830 no Brasil e R$ 30.743 nos EUA. O modelo brasileiro custava quase 85% a mais que o seu equivalente americano. O Fiat Punto 1.4 modelo 2012 saía por R$ 40.308 no País. Na Europa, o preço era de R$ 30 mil com impostos - uma diferença de 26% a mais.

Os números, contudo, mudam quando as diferenças de tributação são levadas em conta. A diferença nos preços sem impostos do Ford Focus nos dois países cai para 22%. No caso do Fiat Punto, a diferença passa a ser ainda menor, de 12%. Um último exemplo: o Volkswagen Golf, sem impostos nas duas localidades, teria uma diferença de preços da ordem de 12,5%.

É claro que persiste uma diferença, maior no caso do modelo americano e menor nos europeus. Excluída a diferença de cargas tributárias no Brasil e no exterior, o que explicaria essa diferença? Seria a desvantagem competitiva da indústria nacional?

Há sempre a tentação de explicar a discrepância dos preços pela maior margem de lucro no Brasil com relação às praticadas na Europa e nos EUA. A favor desse argumento se aponta a maior margem de proteção alfandegária e não alfandegária à produção nacional. É possível que haja algo de verdade nesse argumento. Mas há outros fatores que devem ser também considerados.

O grau de penetração dos insumos importados utilizados na produção nacional - especialmente partes e componentes - subiu muito nas duas últimas décadas. Os custos portuários brasileiros oneram de forma significativa a importação desses componentes. Uma indicação disso é o custo de manuseio de um contêiner no Brasil comparado com os custos em portos no exterior. Em Santos, o custo é de US$ 250; em Roterdã, US$ 75; e em Xangai, US$ 75.

O transporte rodoviário também onera de forma diferenciada o preço ao consumidor final. Não há como comparar o transporte por nossa combalida malha rodoviária de um veículo produzido em São Paulo ou Contagem para Porto Alegre ou Rio de Janeiro, com trajeto semelhante entre os países europeus.

Também não há como comparar os custos regulatórios, burocráticos e de prestação fiscal no País com os concorrentes europeus. E nos EUA são quase inexistentes. Pior que isso, as taxas de juros que oneram o custo do capital de giro das empresas brasileiras estão anos-luz acima de seus congêneres europeus e americanos - 40% ao ano no Brasil em comparação com 8% a 15% lá, dependendo da qualidade do tomador.

Utilizei como exemplo o segment0 automotivo por facilidade de comparação entre o produto nacional e o estrangeiro. As considerações aqui feitas se aplicam também a uma enorme gama de outros produtos industriais.

Não gostaria que o leitor ficasse com a impressão que me baixou o espírito do conde Afonso Celso e que escrevi uma versão atualizada do seu Porque me ufano do meu país. Não deixei de levar em consideração a diferença de escala de nossa indústria e das congêneres estrangeiras; nem ignorei a maior flexibilidade do mercado de trabalho nos EUA na composição do custo da indústria. Apenas procurei enfatizar que os problemas de competitividade da indústria brasileira estão em grande parte associados às circunstâncias nacionais - a carga tributária escandinava, os custos da logística, as altas taxas de juros praticadas no mercado. Nossa indústria não é ruim, como querem nos fazer crer.

Memórias de uma ilusão fatal


PAULA SACCHETTA - O Estado de S.Paulo
Toco a campainha da casa em Santana algumas vezes, mas com a música clássica em alto e bom som, que dá pra escutar do lado de fora, ele certamente não deve ouvir meu chamado. É o ateliê de Gershon Knispel, artista plástico, de 80 anos. Telefono e ele vem abrir a porta. Vai logo baixando o som, "desse jeito não dá nem pra conversar, mas a música é minha inspiração, sem ela não consigo trabalhar". Ele mora em um apartamento em Higienópolis com a namorada, mas passa o dia no ateliê.
Gerson Knispel, radicado em SP desde 1995 - Paula Sacchetta/Estadão
Paula Sacchetta/Estadão
Gerson Knispel, radicado em SP desde 1995
De origem judaica, Gershon nasceu em Köln, na Alemanha, em 1932 e, aos 3 anos, mudou-se para a Palestina. Muitos acreditaram que Hitler não duraria tanto, mas seu pai sabia que aquele que havia chegado ao poder pelo Partido Nacional-Socialista em 1933 seria uma ameaça à família. E assim, na Palestina, entre árabes e judeus, começa a vida e a formação do simpático velhinho que hoje afirma ser "um pintor de protesto". Tudo que viveu permeia nossa conversa e nos rodeia em pinturas e gravuras espalhadas pelo sobrado de tijolo iluminado por luz natural. Entre quadros e aquários, ele me recebe com uma camiseta preta na qual dá para enxergar a etiqueta para fora com letras em hebraico. No momento está organizando sua obra para um livro que deve sair em abril, mas diz que odeia tudo que o faz parar de pintar. Humanista e humanitário, afirma que sua rotina é reagir. Um dos pioneiros na chegada dos judeus à "terra prometida", explica como testemunha da história a origem dos conflitos de hoje, nos quais judeus e árabes continuam se matando entre mísseis, homens-bomba e assassinatos seletivos.
A hostilidade de um gueto"O grande erro naquela terra foi que os primeiros judeus que chegaram, russos e poloneses principalmente, vieram com uma cultura de gueto. Chegaram sentindo-se ameaçados e assim se isolaram. Cercaram suas casas com muros de madeira, pedras, sacos de areia. Compravam terras dos fazendeiros árabes endinheirados, os efêndis, que não avisavam os camponeses que nelas trabalhavam e iam embora para a Europa. Nelas, os judeus faziam os kibutzim (kibutz no plural), com muros, todos cercados. E foram, aos poucos, criando uma atmosfera hostil. Construíam torres, diziam que era para a caixa d'água, mas eram torres de vigilância. Tiravam as pedras e as usavam para cercar e delimitar o território de cada um. Expulsavam camponeses que trabalhavam nas terras e as cercavam. Esses pioneiros chegaram sem disposição para criar qualquer vínculo com aqueles que já moravam ali. Os alemães, que chegaram pouco depois, eram mais abertos, mas aí já era tarde.
Um outro povo na terra"A partir desse choque e desse antagonismo foi surgindo um nacionalismo árabe. Os judeus recém-chegados tinham sindicatos e organizações, e os árabes, que começaram a se sentir mais fracos, queriam organizar-se também - e o fizeram. Além disso, a língua falada nas ruas passou a ser o hebraico e até o iídiche foi liquidado, pois era preciso fortalecer uma espécie de orgulho nacional. Toda uma cultura forte que existia na região foi ignorada e praticamente desapareceu. Quando cheguei à Palestina não conseguia falar hebraico direito. Falava alemão na rua e era chamado de nazista pelas outras crianças judias. Já com os vizinhos árabes a coisa era diferente: as casas deles estavam sempre com as portas e janelas abertas, não tinham muitos móveis, mas eram cheias de tapetes e almofadas onde podíamos nos encostar e deitar. As casas tinham mosaicos de azulejos coloridos e fontes no quintal. Era diferente da minha própria casa, onde a gente entrava com os pés sujos de lama e tomava bronca da mãe. Eles recebiam bem quem chegasse. Eu me comunicava com eles em árabe, o pouco que aprendi na rua com as outras crianças. Para mim já era claro: não haveria futuro se nos fechássemos. E eu queria me adaptar. Minha família se estabeleceu em Haifa, uma cidade portuária, de pequenas praias, e como meus pais não tinham muito dinheiro, ficamos na parte mais pobre da cidade. Todos os meus vizinhos eram árabes. Quando chegamos já havia outro povo na terra, não era um deserto. Tinha um povo que era nosso irmão e precisávamos respeitá-lo. E também eram donos daquela terra.
Dividir para reinar"Nos anos 1930, judeus intelectuais da Palestina fundaram uma organização política, a Brit Shalom, que pregava a coexistência pacífica entre judeus e árabes. Era a primeira tentativa de negociação de paz na região. Pregavam que o maior inimigo era o mandato britânico e que os palestinos, árabes e judeus, precisavam se juntar pela paz permanente e tirar os ingleses da terra. Lutavam pelo estabelecimento de um Estado binacional onde árabes e judeus tivessem direitos iguais. Abdicavam do sonho sionista da criação de um Estado puramente judeu. Mas não conseguiram, pois já estava enraizada toda uma infraestrutura para tornar Israel um Estado judeu. O Grande Levante Árabe de 1936, que chega até nós, hoje, como um levante contra o povo judeu, era contra a Inglaterra e seu mandato na Palestina, contra o domínio colonial. Para piorar a situação, David Ben Gurion, que viria a ser o primeiro primeiro-ministro de Israel, inventou o conceito de 'trabalho judaico'. Os camponeses expulsos de suas terras e sem trabalho nas cidades, já que judeus só empregariam judeus, começaram a sentir mais raiva ainda. Os conflitos começaram a se aprofundar e a Inglaterra, obviamente, usava isso a seu favor. Dividindo os povos, poderia dominar mais facilmente. Em vez de nos juntarmos, nos separamos. Ben Gurion chegou à Palestina em 1908, e os judeus alemães, mais 'abertos' à convivência com os palestinos, só nos anos 1920 e 30.
O primeiro choque"Sou da chamada 'geração de 1948'. Participei de cinco guerras como oficial do Exército, mas foi em 1953 que tive meu maior choque, que foi a morte de todo aquele idealismo pra mim. Aos 12 fui morar em um kibutz socialista ao norte de Israel. Meus pais ficaram em Haifa e fui recebido por Shlomo e Tzilla Rozen. Eu era do Mapam, o partido socialista sionista em 1953, quando um amigo me levou para visitar Nazaré. Passamos por um hotel para peregrinos que se chamava Casa Nova. Fiquei horrorizado. O hotel era sujo, tinha um cheiro horrível de urina e muita gente e colchões amontoados nos quartos. Comecei a andar pelos corredores e vi que conhecia a gente que estava ali. Eles eram de Maalul, um dos centenas de vilarejos tirados do mapa e apagados por Israel depois de 1948. Eles confirmaram que eram de lá, também me conheciam e estavam esperando, me disseram. Estavam naquela situação havia mais de cinco anos. Esperando o quê? Nas guerras contra o mandato britânico seus vizinhos do kibutz, o mesmo onde eu morava, os tiraram da aldeia para protegê-los, disseram. Eles ficariam longe de casa durante a guerra, mas voltariam depois, sãos e salvos. Cinco anos haviam se passado e eles continuavam esperando. Fiquei com raiva. Voltei ao kibutz e perguntei a Shlomo o que significava aquilo. Contei tudo que havia visto em Nazaré. Ele ficou branco e me respondeu: 'Você conhece Ben Gurion? Ele é impossível. Não deixa que devolvamos as aldeias aos árabes'. Mas essas aldeias ainda existem?, perguntei. E ele: 'Não vamos entrar em detalhes'. Mas por que então ele fazia parte do governo de Ben Gurion (Shlomo era ministro da Imigração)? 'É melhor assim porque sem ele ficaremos pior', respondeu. Rasguei a carteira do partido na cara dele e saí sem me despedir. Entrei no Partido Comunista logo depois.
Brasil, um painel e um passaporte"Em 1958, Nina, que tinha sido minha namorada em Israel e veio para o Brasil com a família, me avisou de um concurso promovido pela TV Tupi para a execução de um mural no prédio deles. Eu já era artista plástico. Me inscrevi, mandei os croquis e venci. O painel ainda está lá: são índios de 7,5 metros de altura, no lugar mais alto de São Paulo, no Sumaré, onde hoje funciona a MTV. Uma vez no Brasil, me juntei ao pessoal do CPC, Centro Popular de Cultura, o Guarnieri, o Juca de Oliveira, o Augusto Boal e, entusiasmado com eles, fui ficando. Fiz uma gráfica para imprimir gravuras. O Brasil se tornou minha pátria também. Me juntei ao Partido Comunista com Mário Schenberg, Villanova Artigas e Oscar Niemeyer, que se tornou um amigo próximo. O prédio da MTV foi tombado recentemente, recebi a notícia com muita alegria. É uma garantia de que aquilo será preservado. Em 1964, no dia seguinte ao golpe militar, já comecei a ser procurado. Estava envolvido demais com o Partido Comunista e o CPC, era perigoso para eles. Peguei um cachimbo, tabaco, um passaporte e um talão de cheques e fui atrás de gente do Mapam, aquele mesmo partido do qual eu havia rasgado a carteirinha, em São Paulo. Tínhamos divergências, mas numa hora dessas eles precisavam me ajudar. Me transferiram para o Rio, onde ficava a Embaixada de Israel. Fiquei lá alguns dias e arranjaram um voo para Israel. De 1964 a 1986 morei em Haifa e trabalhei como conselheiro de arte da prefeitura. Em 1986, virei presidente do conselho dos artistas plásticos de Israel. Em 1987, 20 anos depois da Guerra dos Seis Dias, fizemos uma exposição com 67 artistas, metade árabes e metade judeus, contra a ocupação israelense de terras palestinas. Voltei ao Brasil em 1995 e fiquei.
Reféns de um Estado distante"O problema é que a política do Estado de Israel, desde sempre, foi de derrubar tentativas de negociação de paz, pois eles não queriam um Estado palestino ou um Estado binacional. Nós, da geração de 1948, chegamos à conclusão de que a grande euforia por um Estado não levou em conta que iríamos nos tornar um país ocupante e, com o tempo, um país baseado nos princípios fascistas mais radicais. Temos agora uma bomba atômica e um muro de 650 quilômetros de extensão e 8 metros de altura. Nos jornais dos últimos dias, senti uma tristeza enorme ao ver fotos de israelenses procurando abrigo nas ruas das cidades bombardeadas. Afinal, os mísseis e foguetes que saíram de Gaza não passaram por cima do muro? Então para que ele serve? Serve para separar famílias, tornar o caminho dos palestinos mais difícil, e eles já estão fartos disso. Um pacifista israelense, Gershon Baskin, disse que o assassinato de Ahmed Jabari, líder militar do Hamas, foi um 'erro estratégico'. Não foi um erro estratégico, é a estratégia de sempre. A estratégia é não querer a paz. Yitzhak Rabin (primeiro-ministro de Israel em 1974-1977 e 1992-1995) e Yasser Arafat (líder da Autoridade Palestina) representavam os maiores perigos para Israel, pois eram capazes de estabelecer uma paz de fato na região. Rabin foi morto por um judeu ortodoxo de extrema direita e Arafat terá seu corpo exumado ainda este mês porque suspeita-se que ele tenha sido morto por exposição a substâncias radioativas pelo serviço secreto israelense. Quando começaram esses últimos ataques jovens saíram às ruas aqui em São Paulo, na Av. Paulista, para protestar contra o Hamas. Eu me pergunto, o que eles estão fazendo? Aqui, por serem judeus, ficam reféns de um Estado que pratica essas atrocidades. Não têm o direito de votar lá, mas assumem, aqui, os crimes deles.
A ilusão final"Manter Israel como é mantido hoje, como uma coisa única e completa, é suicídio. Hannah Arendt, em seu relato sobre o julgamento de Adolf Eichmann, nazista executado nos anos 1960, criticou a tendência dos israelenses de fazerem uma expansão desenfreada, criando uma situação em que todos os esforços se concentram em armas, transformando a cultura e o Estado 'modelo' que eles queriam em uma ilusão fatal. Quanto tempo, perguntou ela, vai durar um Estado que só sobrevive à base da força? Precisamos acabar com essa história de Israel grande, precisamos devolver os territórios ocupados e derrubar o muro da vergonha. Nossa geração, que achava que estava libertando o Oriente Médio do colonialismo, percebeu que aquilo era uma ilusão. Em 1956, na Guerra do Suez, eu era paraquedista e fui enganado. Derrubamos o projeto do Nasser para nacionalizar o Canal de Suez, que era legítimo. Achei que estava ajudando, mas foi uma aventura colonialista ao lado da Inglaterra e da França. Hoje somos usados de novo: Israel é o maior parceiro das aventuras imperialistas norte-americanas no Oriente Médio. E eu não paro de falar, escrever e pintar. Não paro porque é um bom jeito de ficar vivo."