terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Política e ética na prancheta


 "Aos jovens não basta sair da faculdade como um ótimo arquiteto, mas como um homem que leu, que conhece as misérias do mundo e contra elas vai saber se manifestar."

MARIA HIRSZMAN/, ESPECIAL PARA O ESTADO - O Estado de S.Paulo
A arquitetura não é o único legado de Oscar Niemeyer. Tanto quanto suas criações e projetos, sua postura ética, a defesa moral de ideais irredutíveis - a despeito das pressões políticas contrárias - são marcas registradas de sua atuação. "Passei a vida debruçado na prancheta, mas a vida é mais importante do que a arquitetura", repetia ele, reafirmando assim o lado humano de sua obra, muitas vezes deixado de lado por uma visão mais técnica de seu legado.
"Oscar, você recebeu, em quase um século de vida, todos os prêmios e reconhecimentos mais importantes do mundo, entre outros: o prêmio Lenin na antiga União Soviética; o Pritzker Prize - injustamente compartilhado com um arquiteto norte-americano; a Royal Gold Medal dos arquitetos ingleses; e recentemente o Prêmio Imperial do Japão", afirmou Roberto Segre em uma das homenagens prestadas ao arquiteto em vida, procurando ressaltar o que chamou de atenção constante aos "caminhos da cultura progressista", de "persistente atitude política e ideológica em defesa da justiça social, dos direitos dos oprimidos, dos explorados"; e de luta pelo "acesso à cultura, à beleza, à estética do entorno cotidiano".
Realmente era notável a capacidade desse homem que viveu quase todo o século 20 (ele nasceu em 1907), protagonizou a história da arquitetura moderna, de manter-se fiel às mesmas crenças políticas, sem deixar que elas interferissem em sua trajetória ou abandonar os ideais de juventude por um caminho mais fácil e palatável. Filho de fazendeiros, era o único ateu e comunista da família. Mas diz que foi levado a esse caminho pela revolta em relação à situação de miséria e desigualdade no mundo.
Um de seus grandes companheiros foi Luiz Carlos Prestes, a quem abrigou em seu escritório logo após a anistia de 1945. O líder da Coluna Prestes teve influência decisiva em sua filiação ao Partido Comunista Brasileiro, no mesmo ano, e também estavam juntos na desfiliação do Partidão, em 1990.
Outro dentre os vários companheiros de jornada foi Darcy Ribeiro, com quem construiu a Universidade de Brasília e, anos depois, os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), durante o governo de Leonel Brizola. O sociólogo costumava dizer que Niemeyer era o "único gênio brasileiro".
Permaneceu fiel ao ideário de esquerda, defendendo causas como a de Cuba, movimentos como o MST e certo de que em algum momento chegariam as mudanças necessárias.
"A revolução de 1905, de outubro de 1917, a vitória contra o nazismo, a libertação de Cuba, tudo isso vai se repetir depois destes tempos sombrios que o capitalismo brutalmente instituiu e o império de Bush procura manter", afirmou em uma de suas inúmeras declarações de caráter político. "Só restaram dois comunistas no mundo. O Niemeyer e eu", teria dito o próprio Fidel Castro, como versa a lenda.
Conciliador sem ceder no campo ideológico, ele se entendia e dialogava com representantes de um amplo espectro, dos dirigentes do Partido Comunista Francês (é dele o projeto de sede do PCF, em Paris, e do jornal L'Humanité) ao presidente Juscelino Kubitschek, com quem construiu não apenas Brasília, mas outros projetos memoráveis, como o complexo da Pampulha, em Belo Horizonte - que Niemeyer via como uma espécie de ensaio preparatório para o que depois viria a ser a nova capital do País.
Ironicamente, atribuía ao regime militar parte da grande repercussão e dispersão de seu trabalho no exterior. Afinal, foi em função das pressões da ditadura que optou pelo autoexílio. "Eles, que queriam me calar, deram-me a oportunidade de levar minha arquitetura para a Europa e fazê-la conhecida, como desejava. Para isso tive apoio de Maurois, que conseguiu de De Gaulle uma lei especial para trabalhar na França", disse.
Esse lado humanista e engajado de Niemeyer se sobressai sempre nas muitas entrevistas que ele concedeu em mais de um século de vida. Raramente se dispunha a falar de arquitetura. Quando o fazia era sempre com um lápis na mão e lançando mão de associações poéticas entre sua obra e sublimes fontes de inspiração como as curvas do corpo feminino.
É impressionante essa relação de Niemeyer com a forma, sua capacidade de criar prédios que mais parecem esculturas do que estruturas adaptáveis ao uso futuro. "Um dia Le Corbusier comentou que eu tinha as montanhas do Rio dentro dos olhos", brincava.
Ele sempre fez questão de reafirmar aos jovens profissionais - e seu exemplo marcou gerações e gerações de arquitetos brasileiros e estrangeiros - a importância de uma formação genérica, de uma ampla base cultural que vá muito além das noções de cálculo e equilíbrio: "Aos jovens não basta sair da faculdade como um ótimo arquiteto, mas como um homem que leu, que conhece as misérias do mundo e contra elas vai saber se manifestar."

Ousadias num País tropical, por Gilberto Gil


Gilberto Gil - especial para O Estado de S. Paulo
Dias de adaptação à luz intensa, natural, que substitui as lâmpadas acesas durante o dia; às divisões baixas de madeira, em lugar de paredes; aos móveis padronizados - que, antes, obedeciam à fantasia dos diretores ou ao acaso dos fornecimentos. Novos hábitos são ensaiados... A sala em que me instalaram não provou bem. Desde anteontem passei para onde as coisas têm melhor arrumação. Das amplas vidraças do 10.º andar descortina-se a baía vencendo a massa cinzenta dos edifícios. Lá embaixo, no jardim suspenso do Ministério, a estátua de mulher nua de Celso Antônio, reclinada, conserva entre o ventre e as coxas um pouco de água da última chuva, que os passarinhos vêm beber, e é uma graça a conversão do sexo de granito em fonte natural. Utilidade imprevista das obras de arte.
Obras de Niemeyer levam admiradores a ensaiar novos hábitos - Reprodução
Reprodução
Obras de Niemeyer levam admiradores a ensaiar novos hábitos
Essas palavras foram escritas por Carlos Drummond de Andrade, em O Observador no Escritório, para falar da mudança do ministro Gustavo Capanema e sua equipe para o então prédio do Ministério da Educação e Saúde, nos primeiros dias do mês de abril de 1944. E é fascinante ouvi-lo não só sobre a luz natural invadindo as salas, como sobre a sensação espacial de estar num prédio radicalmente novo, que leva a ensaiar novos hábitos. Este é o dom, a virtude e a verdade da grande arquitetura. O espaço construído sendo capaz de renovar a nossa experiência das formas e os nossos hábitos.
Mas este prédio de Lucio Costa e Oscar Niemeyer, baseado no traçado original de Le Corbusier, não é só isso. Ele é um marco inaugural, marco da nova arquitetura brasileira e mundial, marco da invenção na história da cultura brasileira. E tem lições fundamentais para nos dar, no momento em que estamos vivendo.
Aqui está uma prova nítida de nossa capacidade de assimilar criativamente linguagens internacionais, nelas imprimindo a nossa marca própria e original, inclusive para nos antecipar às realizações estrangeiras. Porque a verdade é que este prédio, exemplo de ousadia e requinte tropicais, pegou de surpresa os centros mundiais de cultura. Neste caso, deixo a palavra com o próprio Lúcio Costa: "O edifício construído para sede do antigo Ministério da Educação e Saúde surgiu como que de repente e a sua serena beleza surpreendeu quando, terminada a guerra, o mundo tomou conhecimento da sua insólita presença. Marco definitivo da nova arquitetura brasileira revelou-se igualmente, apenas construído, padrão internacional da reformulação arquitetônica, e demonstrou que o engenho nativo já está apto a apreender a experiência estrangeira, não mais somente como eterno caudatário ideológico, mas antecipando-se na própria realização."
Uma outra lição que este grupo e este prédio nos dão está na aliança que souberam tecer entre a tradição e o novo. Não foi isso o que aconteceu na Europa, onde agrupamentos se dividiram, como adversários, em nome de uma suposta dicotomia entre memória e invenção - e o panfletário Le Corbusier queria fazer tábua rasa do passado. O Instituto do Patrimônio - criado por um punhado de jovens inovadores, sob a regência de Rodrigo Melo Franco de Andrade - ficou abrigado aqui mesmo, neste prédio de vanguarda. E Lúcio Costa trabalhou para o Patrimônio. Podemos dizer, portanto, que este grupo tinha um pé em Ouro Preto - e um pé no futuro, que um dia se chamaria Brasília.
Este prédio nos ensina, também, que é preciso ter responsabilidade para construir. Responsabilidade social e cultural. Porque todo prédio importante, que se ergue na paisagem, vai marcar profundamente o corpo da cidade. Marcar com a sua dimensão física, com a sua carga simbólica e com a sua mensagem. E é por isso mesmo que devemos olhar com reserva, criticamente, todo projeto de implantação de obras gigantescas, grandes somente em sua monumentalidade, mas culturalmente supérfluas, vazias de significado.
Gostaria de lembrar o contexto histórico em que este edifício se ergueu. Ele foi construído ao longo da 2ª Guerra Mundial. E assim gerou um contraste eloquente. Enquanto na Europa a tecnologia estava sendo usada para destruir, no Brasil ela estava sendo usada para construir. E que isto também nos sirva de lição, hoje, quando a perspectiva de uma nova guerra se desenha cada vez mais próxima. Que a tecnologia seja para nós, sempre, um instrumento construtivo sempre para paz.
Por tudo isso, é preciso revelar, ao próprio Rio e a todo o País, o significado deste prédio. É preciso informar, iluminar e usar os seus belos espaços. Recuperar o que for preciso de suas instalações. Para que este edifício renasça da cidade - e para o coração do País. 

'Apesar do PIB fraco, Brasil É Bric, sim'



Entrevista com Jim O'Neill, presidente do Goldman Sachs Asset Management

24 de dezembro de 2012 | 4h 35
MELINA COSTA - O Estado de S.Paulo
O britânico Jim O'Neill, hoje presidente do conselho do Goldman Sachs Asset Management, tornou-se uma estrela pop da economia ao alçar os países em desenvolvimento ao centro das atenções de investidores globais. Publicado em 2001, seu estudo Building Better Global Economics cunhou o acrônimo BRIC para designar Brasil. Rússia. Índia e China, as grandes economias que puxariam o crescimento mundial nas décadas por vir.
Desde então, o termo foi repetido à exaustão e alimentou a euforia de empresas, fundos de investimento e bilionários. Não sem razão. O Brasil, de fato, ultrapassou economias maduras como a Itália e Reino Unido - mas agora amarga taxas de crescimento muito distantes do que se espera de um mercado emergente (o Reino Unido, por exemplo, deve voltar a ficar à frente do Brasil este ano, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional). Em entrevista por telefone de seu escritório em Londres, O'Neill defendeu a permanência do País no clube das "economias de crescimento rápido" - mas afirma que, se o Brasil não crescer ao redor de 4% em 2013, a situação será preocupante. Assim como o ministro Guido Mantega, ele atribuiu o desempenho modesto do PIB brasileiro no terceiro trimestre ao item "intermediações financeiras", que apresentou queda de 1,3% devido à redução na taxa de juros e ao aumento da inadimplência - um tema que chegou a levantar questionamentos sobre a metodologia de medição da atividade utilizada pelo IBGE.
O ano de 2012 foi marcado por surpresas. Os economistas, que começaram o ano prevendo um crescimento do PIB entre 3,5% e 4%, agora projetam algo ao redor de 1%. O tombo maior foi no terceiro trimestre, com um crescimento de 0,6%. O que aconteceu com o Brasil?
O terceiro trimestre tem uma explicação técnica. Houve uma fraqueza não antecipada do item transações financeiras. Se não fosse por isso, o crescimento teria sido perto do esperado. Eu não quero usar isso como uma desculpa para o ano, mas certamente para o terceiro trimestre é por isso que o número foi tão decepcionante.
Mas independentemente disso, o crescimento de todos os trimestres se mostrou fraco.
O terceiro trimestre deveria estar mostrando uma retomada. Mas, não importa a razão, o resultado veio em um cenário de resultados anteriores já fracos. Então, apesar de ter sido uma questão específica, é claramente decepcionante.
Depois desses resultados, o Brasil ainda pode ser considerado um mercado de crescimento?
Isso é algo que eu gosto de destacar para as pessoas. Nos primeiros três anos da década passada, o crescimento do Brasil também foi muito decepcionante. Então, mesmo que o crescimento em 2011 e 2012 tenha sido decepcionante pelos padrões de crescimento do Brasil em 2005, se compararmos com uma década atrás, o resultado não é muito diferente. As taxas de crescimento do Brasil se movem de forma muito volátil ao redor de uma tendência. O fato de que o Brasil teve dois anos decepcionantes é obviamente importante, mas não acho que é o suficiente para levar alguém à conclusão que você disse. Se o Brasil crescer muito pouco de novo no ano que vem isso, na minha opinião, seria um problema.
Seria o suficiente para reconsiderar a presença do Brasil nos BRICs?
Bem, eu espero que o crescimento do Brasil seja ao redor de 4% em 2013. Se não for, isso seria preocupante.
Comparando com outros países do BRIC, por que o Brasil teve um desempenho pior?
Sim, teve nos últimos dois anos. Você não pode comparar o Brasil com Índia e China de forma alguma. Seria loucura. Eles têm mais de um bilhão de pessoas. Não é uma comparação justa porque é mais fácil para esses mercados crescerem. O único com o qual o Brasil poderia ser comparado é a Rússia.
Mas esses países fazem parte do mesmo grupo, os BRICs. Você acha que esse time está menos homogêneo agora do que quando o termo foi criado?
Não, de forma alguma. Primeiro, esses países se moveram em seus próprios ciclos e ao redor de suas próprias tendências de crescimento. O fato de o Brasil ter tido resultados decepcionantes por dois anos não é grande coisa para mim. Em 2009, o PIB da Rússia caiu quase 8%. Isso não me fez pensar que a Rússia não deveria estar nos BRICs. Segundo, nos últimos onze anos, desde que eu desenvolvi o conceito (dos BRICs), o Brasil e a Rússia tornaram-se muito maiores do que dissemos. Não prevíamos que o Brasil passaria a Itália antes de 2020. E ultrapassou em 2011. Mesmo que o Brasil tenha decepcionado por dois anos, temos que analisar seu desempenho sob o ponto de vista de onde o País saiu na última década.
Perguntando de outra forma: o que o faz acreditar que o Brasil ainda deve fazer parte dos BRICs?
Acho que a tendência de crescimento do Brasil é ao redor de 4%. Não vejo espaço para mais do que isso. Mas também não vejo nenhuma razão para duvidar desse número. As políticas econômicas que o governo brasileiro introduziu nos últimos seis a nove meses têm suporte cíclico e estrutural.
Quais os principais motivos por trás do crescimento pífio?
Os problemas à frente do Brasil durante o ano foram substanciais. O real sofreu - e ainda sofre - por estar supervalorizado. Segundo, fora do setor de commodities, o Brasil não é competitivo - mesmo sem o problema do real. Os criadores de políticas no Brasil têm que achar formas de aumentar a competitividade.
E o problema no setor de commodities? O valor desses produtos não deve crescer tanto quanto cresceu na última década.
O problema por trás disso é que o Brasil sofre de uma 'mini-Doença Holandesa'. É um sintoma clássico de muitos países produtores de commodities. Faz com que a moeda torne-se pouco competitiva e os criadores de políticas acham que podem fazer o que quiserem com a riqueza proveniente das commodities - mas na verdade não podem. Os criadores de políticas brasileiras às vezes acham que podem usar o governo para gerar crescimento. Eu digo: vocês estão tentando fazer uma China num momento em que a própria China não quer mais fazer uma China.
O governo tem sido acusado de interferir no curso das empresas: Vale, Petrobrás e agora as elétricas. Qual a sua opinião sobre isso?
A evidência é que isso não ajudou a criar crescimento. Talvez tenha até afastado o setor privado. Os criadores de políticas deveriam repensar isso.
Quais seriam as suas sugestões para o Brasil acelerar o crescimento em 2013?
Primeiro, eu acho que a política econômica e as medidas para reduzir o valor do real fazem sentido. O Brasil terá benefícios disso claramente em 2013 e depois. Se o real cair mais, será benéfico. Mas, além disso, as autoridades brasileiras deveriam fazer mais para apoiar o setor privado. Deveriam tornar o setor de não-commodities mais competitivo e parar de dirigir Vale e Petrobrás como estão fazendo.
Os investidores mudaram sua visão do Brasil depois desses dois anos de crescimento mais baixo?
Meu amigo Armínio Fraga me disse uma coisa alguns anos atrás e acho que ele está muito certo. "O Brasil nunca é tão bom como as pessoas acham, mas também não é tão ruim quanto as pessoas pensam." Em 2010, as pessoas estavam ridiculamente otimistas em relação ao Brasil. Me perguntavam se o Brasil poderia crescer no estilo chinês. Era maluquice. Hoje as pessoas acham que o Brasil não deveria ser um BRIC. Isso é tão maluco quanto.
Segundo economista, para o País crescer em 2013, governo
deveria apoiar empresas e parar de dirigir Vale e Petrobrás
"Em 2010, as pessoas estavam ridiculamente otimistas com o Brasil. Me perguntavam se o País poderia crescer no estilo chinês. Isso era maluquice."
O economista inglês ficou conhecido internacionalmente depois de criar o termo BRIC para designar as
economias de Brasil, Rússia, Índia e China. Em 2001, ele já dizia que
esses países puxariam o crescimento mundial nas décadas seguintes.