domingo, 23 de dezembro de 2012

Lições de um ano de baixo crescimento



Parece evidente que a atual estratégia econômica tem de ser revista. Não dá para crescer sem enfrentar as questões que bloqueiam o investimento


23 de dezembro de 2012 | 2h 10

JOSÉ ROBERTO, MENDONÇA DE BARROS, ECONOMISTA, SÓCIO DA MB ASSOCIADOS , JOSÉ ROBERTO, MENDONÇA DE BARROS, ECONOMISTA, SÓCIO DA MB ASSOCIADOS - O Estado de S.Paulo
O ano não acaba bem. Crescemos pouco e ponto. É inútil tentar dizer que a medida do PIB não avalia bem o setor de serviços, inclusive financeiro. Afinal, esta é a mesma régua utilizada em 2010 e 2011. Também parece pouco útil dizer que temos um infindável ajuste de estoques há mais de dois anos: ele não é visível em lugar nenhum.
O consumo avançou, mas a passos muito mais lentos, por razões de curto prazo e mais estruturais. No curto prazo, a queda do endividamento está sendo dolorosamente lenta. Do ponto de vista estrutural, o efeito inclusão de mais famílias no mercado se faz a taxas mais lentas, conforme o esperado. O explosivo crescimento nas compras de veículos e utilidades domésticas é coisa do passado. O consumo seguirá crescendo, mas não será mais a mesma locomotiva de antes. O consumidor demanda mais serviços e sonha com a casa própria. Com isso, sofre a indústria. As exportações, especialmente de manufaturados, andam devagar, e assim devem continuar em 2013.
Entretanto, o fato mais marcante do ano foi o desmonte dos investimentos, que caem há vários trimestres. As razões são muitas e vão desde a situação internacional (que não ajuda setores como o de metais), passando pelas enormes dificuldades da Petrobrás (que vem afetando, inclusive financeiramente, toda a cadeia de fornecedores) e pelos atrasos recorrentes dos projetos mais relevantes do PAC, até chegar aos setores mais diretamente afetados pela competição externa, como têxteis e calçados.
Ademais, muitas empresas se prepararam para um crescimento mais forte em 2012 e, ao ter frustrados os objetivos de venda no início do ano, viram sua situação financeira apertar. Investir nessas condições ficou muito menos atraente.
Instalou-se definitivamente a percepção da falta de competitividade brasileira. Um exemplo disso é o relatório "Competitividade Brasil 2012", recentemente divulgado pela Confederação Nacional da Indústria. Nele, avaliou-se a competitividade de 14 países, todos nossos concorrentes: Argentina, México, Colômbia, Rússia, Polônia, África do Sul, Chile, Índia, Espanha, China, Austrália, Coreia do Sul e Canadá. Nesse conjunto, o Brasil só é mais competitivo que a Argentina, a locomotiva do Mercosul. Essa situação foi sendo construída nos últimos anos, e aqui também, o diagnóstico convergiu para ampla aceitação.
Temos impostos complexos, muitas vezes antieconômicos e elevados, que sustentam um Estado cada vez maior, mais ineficiente, que não consegue investir (é um fato, exaustivamente comprovado, não é visão ideológica); uma deterioração da infraestrutura (há poucos dias tivemos o sexto apagão de energia elétrica deste semestre); mão de obra pouco treinada, fruto de uma qualidade medíocre da nossa educação e de um sistema produtivo pouco inovador. O discurso triunfalista morreu de morte morrida, como diria Monteiro Lobato.
Como consequência, a produtividade cresce muito pouco. Crescemos em extensão. Um sistema dessa natureza expande-se apenas de forma lenta e tem permanentes pressões inflacionárias, mesmo quando o crescimento é lento, como no ano passado e neste final de 2012.
Vale observar que os "campeões nacionais" não parecem fazer a menor diferença em nossa trajetória, exceto, talvez, pela melhora patrimonial de seus acionistas e por demandarem cada vez mais recursos do BNDES.
A estratégia macroeconômica não apresentou ainda grandes resultados. Os pacotes de estímulo ao consumo são cada vez mais ineficientes e a desvalorização cambial não produziu o esperado salto na indústria. Há uma evidente perplexidade no governo e em vários líderes empresariais com relação a esse fato.
A resposta mais simples é dizer que é apenas questão de tempo para que o salto no crescimento se materialize. Na indústria, muitos pedem apenas mais câmbio, ignorando os efeitos inflacionários daí decorrentes.
Ainda que seja verdade que poupadores e investidores precisem de mais tempo para se ajustar aos novos números, parece-me evidente que a atual estratégia econômica tem de ser revista. Não dá para pedir que as famílias se endividem ainda mais. Não dá para crescer sem enfrentar as questões que bloqueiam a oferta e retardam os investimentos. Esses não vão crescer na base do grito.
Existe um gigantesco conjunto de evidências que mostra que as vantagens comparativas dos países dependem (afora boas instituições) de dois fatores que têm de ser produzidos localmente, pois não podem ser importados em larga escala: conhecimento, decorrente de educação, pesquisa e inovação; e infraestrutura.
Curiosamente, esses são os dois itens onde menos investimos. Assim, não é de surpreender que, após a expansão de 1% deste ano, esperemos um crescimento de apenas 3% para o ano que vem. /

Desafios e oportunidades do crescimento desequilibrado



Uma homenagem a Albert Hirschman, que nos permite uma visão promissora do que hoje parece uma situação de baixo dinamismo econômico

23 de dezembro de 2012 | 2h 10
LUCIANO, COUTINHO, PRESIDENTE DO BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, SOCIAL (BNDES) , LUCIANO, COUTINHO, PRESIDENTE DO BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, SOCIAL (BNDES) - O Estado de S.Paulo
O ano de 2012 apresentou resultados aparentemente ambíguos na economia. O crescimento do PIB, que pode ficar não muito acima de 1%, contrasta com a evolução do bem-estar da população, já que a massa de rendimentos reais das pessoas ocupadas cresceu 5,9% e a taxa média de desemprego baixou para apenas 5,5%, nos últimos 12 meses até outubro. Assim, para a maioria da população a "sensação térmica" da economia está certamente muitos pontos porcentuais acima do crescimento do PIB.
O que à luz de uma visão de curto prazo e convencional parece uma situação de baixo dinamismo econômico pode ser visto, quando colocado num contexto "hirshmaniano", como uma trajetória promissora, mesmo que desequilibrada, em direção a um crescimento dinâmico, inclusivo e sustentável.
Para caracterizar esse contexto mais amplo, comecemos pela identificação das características centrais do modelo de crescimento que recolocou a economia brasileira no mapa das nações economicamente relevantes, na década passada.
Entre 2004 e 2010, a economia se expandiu a um ritmo médio de 4,4% ao ano, puxada principalmente pelo consumo. De fato, com uma taxa de expansão média de 5,2% no período acima referido (e uma participação média no PIB de cerca de 60%), o consumo das famílias foi responsável por 73% do crescimento total da economia durante aquele septênio.
Embora o consumo de bens e serviços tenha se destacado, outros fatores contribuíram para o bom desempenho no período: um novo ciclo expansivo na construção civil residencial que, juntamente com uma retomada do investimento não residencial (até 2010), elevou a formação bruta de capital fixo de 15,3% do PIB em 2003 para 19,5% em 2010; e o boom da demanda internacional por commodities que, por sua vez, contribuiu para os investimentos nas atividades agropecuária e mineral e para o desempenho da balança comercial.
No passado recente, a natureza desequilibrada do nosso crescimento se tornou muito aparente: a perda de dinamismo industrial, a insuficiência das infraestruturas, o esgotamento do exército industrial de reserva (o excedente de mão de obra) e o forte impacto do boom de commodities externo.
A perda de dinamismo industrial tem a ver com a significativa elevação dos custos industriais em reais - e mais ainda em dólares - que subtraiu progressivamente competitividade do setor manufatureiro brasileiro em relação a seus concorrentes. Em consequência, a despeito da continuada expansão da demanda doméstica por manufaturas, a produção doméstica estagnou. Porém, ao contrário da grande maioria dos países deste planeta, a base industrial brasileira é economicamente relevante e sua força não pode ser desmerecida: basta considerar sua capacidade de resistência a períodos muito mais difíceis do que o presente.
As restrições de infraestrutura resultam do nível relativamente baixo de investimento no setor durante um longo período, agravado pelo firme aumento da demanda devido ao forte crescimento da produção e do consumo de bens e serviços que demandam uma "infraestrutura associada" (automóveis e estradas, eletrodomésticos e eletricidade, serviços de transporte aéreo e aeroportos, e assim por diante).
Só recentemente os setores de infraestrutura passaram a ser objetos de investimentos em escala crescente. É importante destacar que, dada a sua escassez presente, a ampliação da oferta de infraestrutura tende a ter um ponderável efeito positivo em termos de redução de custos sistêmicos, acionando um motor adicional de crescimento da economia.
O ocaso da era de mão de obra abundante é explicado pela rápida transição demográfica, mas foi acelerado pelo ciclo de crescimento iniciado em 2004. O crescimento da população em idade ativa (um dos principais determinantes da expansão da oferta de trabalho na economia) está em apenas 1,2% ao ano. Com uma elasticidade do emprego em relação ao PIB de cerca de 0,5 - valor médio desde 2004 -, bastaria uma taxa de crescimento de 2,4% ao ano do PIB para absorver a mão de obra entrante no mercado de trabalho.
Visto por outra ótica, para crescer acima de 2,4% ao ano será necessário aumentar a produtividade do trabalho num ritmo superior ao que vem ocorrendo nos últimos dez anos. Assim, por exemplo, para crescer 4,5% ao ano, de forma sustentada, será necessário, tudo o mais constante, elevar a produtividade do trabalho em 3,3% ao ano.
Por fim, a contribuição das commodities para o crescimento, para o investimento e, sobretudo, para o saldo comercial, foi potencializada pela conjuntura mundial favorável da década passada. Aos preços de 2004, nosso déficit em conta corrente teria alcançado 4,3% do PIB em 2011 (contra 2,1% efetivamente verificados). Ou seja, de 2004 até 2011 as transações correntes do país tiveram um ganho de 2,2 pontos porcentuais do PIB devido à melhoria dos termos de troca.
O ciclo de commodities está em transformação: pode ser que aquelas de origem mineral cresçam a menores taxas, mas as de origem agrícola tendem a manter certo vigor, pela inclusão econômica em curso em países populosos. De todo modo, não se deve contar com os benefícios extraordinários da década anterior.
O corolário do diagnóstico acima é que, para enfrentar os desequilíbrios atuais da economia brasileira, é necessário atuar em três frentes: reduzir os custos de produção, sobretudo na indústria, acelerar os ganhos de produtividade e elevar as taxas de investimento e poupança da economia. Estes elementos estão interligados. O aumento do investimento é uma das alavancas do crescimento da produtividade, e o aumento desta, um dos ingredientes para reduzir os custos de produção e aumentar a competitividade das empresas brasileiras.
Atacar estas três frentes significa mitigar as tensões do crescimento (desequilibrado) em curso. No que se refere à redução dos custos industriais, as políticas macroeconômica e industrial contribuíram substancialmente nesta direção desde meados de 2011. No plano macro, através da redução dos juros e da depreciação cambial; no plano das políticas microeconômicas, a desoneração da folha de pagamentos, a redução anunciada das tarifas de energia elétrica e a redução dos custos dos empréstimos do BNDES foram as iniciativas de maior impacto.
A redução dos custos operacionais unitários da indústria, em dólar, prevista para 2012 e 2013, foi por nós estimada em 19%, o que concorrerá para o aumento da competitividade nos mercados interno e externo.
Sobrando pouco espaço para medidas adicionais de impacto para a redução de custos, na linha das referidas no parágrafo anterior, a ampliação da competitividade passará a depender, daqui para frente, fundamentalmente do aumento da produtividade. Este é um objetivo a ser alcançado através de três passos simultâneos, mas com efeitos encadeados ao longo do tempo: a curto prazo, a retomada do investimento em novas máquinas e equipamentos (estimulada pelo baixo custo de capital já anunciado para 2013) ajuda a subir a produtividade; a médio prazo, o amplo leque de investimentos em infraestrutura, que já foi deflagrado, reduzirá custos e aumentará a produtividade sistêmica; por fim, num prazo de maturação mais, longo, as iniciativas nos planos da inovação e educacional permitirão elevar competências, habilitando o país a crescer e também a partir de impulso tecnológico endógeno.
A prioridade ao dinamismo industrial não é defender, de per si, um segmento econômico em detrimento de outros, mas sim a necessidade de elevar a taxa de investimento: a indústria de transformação tem um peso na formação bruta de capital relativamente elevado (cerca de 1/3 do total do investimento das empresas), quando comparado ao seu respectivo peso no PIB. Se a isto acrescentarmos a onda de ampliação da infraestrutura, é forçoso concluir que um melhor crescimento a partir de 2013 tenderá a elevar a taxa de investimento da economia para níveis não alcançados nos últimos 30 anos.
As mudanças em curso na economia brasileira encerram um alvissareiro conjunto de oportunidades para o país.
Primeiramente porque estamos nos tornando uma economia diversificada em termos de suas frentes de expansão. Um país que aproveita janelas de oportunidade no mercado internacional de commodities; que tem diante de si o desafio do pré-sal; que apresenta um portfólio amplo e de retorno atrativo em infraestrutura; que possui uma base industrial pronta para dar um salto de qualidade em produtividade e inovação; que continua sua trajetória de inclusão econômica e social, consolidando um mercado interno de proporções significativas, torna-se um país versátil. A diversificação das frentes de expansão significa tornar o nosso crescimento menos volátil e mais robusto.
Em segundo lugar, porque os desequilíbrios pré-existentes e o atraso relativo do Brasil criam oportunidades para que, com a expansão do investimento, deflagre-se um processo de crescimento da produtividade acima da média internacional. Um aumento forte da produtividade é o caminho para conciliar elevação do padrão de vida da população com competitividade externa e crescimento.
O BNDES, ao longo de seus 60 anos, sempre contribuiu para a construção do futuro do nosso país. Em seu planejamento 2013-2015, sintonizado às prioridades governamentais para inovação, aumento de produtividade, infraestrutura e inclusão produtiva, e, internamente, ao valorizar a qualidade e a eficiência de seus técnicos, o BNDES pretende ser contemporâneo aos desafios do desenvolvimento brasileiro.
*ALBERT HIRSCHMAN (1915-2012) FOI UM ECONOMISTA ALTAMENTE CRIATIVO, COM GRANDE INFLUÊNCIA NO PENSAMENTO SOBRE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E EM OUTRAS ÁREAS DA ECONOMIA E DAS CIÊNCIAS SOCIAIS. NASCEU NA ALEMANHA, MAS DEIXOU O PAÍS DEPOIS DA ASCENSÃO DO NAZISMO, QUE PASSOU A COMBATER. DEPOIS DE ESTUDAR EM OUTROS PAÍSES EUROPEUS, RADICOU-SE NOS EUA, ONDE FOI PROFESSOR EM YALE, COLUMBIA, HARVARD E NO INSTITUTO DE ESTUDOS AVANÇADOS DE PRINCETON. ENTRE SUAS PRINCIPAIS OBRAS DESTACAM-SE: "A ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO", "AS PAIXÕES E OS INTERESSES", "SAÍDA, VOZ E LEALDADE".

Uma visão da complexa economia global em 2013


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Economia vive uma mudança de paradigma: isso exigirá das empresas agilidade digna de Muhammad Ali para prosperar em ambiente incerto

23 de dezembro de 2012 | 2h 10
MOHAMED, EL-ERIAN, PRINCIPAL EXECUTIVO, CODIRETOR , DE INVESTIMENTOS DA PIMCO, MOHAMED, EL-ERIAN, PRINCIPAL EXECUTIVO, CODIRETOR , DE INVESTIMENTOS DA PIMCO - O Estado de S.Paulo
Mesmo hoje, quase 40 anos depois daquele evento, algumas pessoas ainda se perguntam como um lutador peso pesado já com certa idade deixou os especialistas estupefatos e derrotou um dos maiores lutadores de boxe que já existiram. Por que estou mencionando isso? Porque a história por detrás dessa grande surpresa esportiva joga uma importante luz sobre como os diferentes segmentos da sociedade brasileira podem navegar melhor no que promete ser um ambiente global complexo e incerto em 2013.
Retornemos a Kinshasa em 1974. O mundo esportivo estava focado na luta - rotulada como "A Pancadaria na Floresta" ("The Rumble in the Jungle" em inglês) - entre Muhammad Ali e o campeão mundial dos pesos pesados George Foreman.
Os especialistas estavam convencidos: Ali não tinha virtualmente nenhuma chance de vencer. E muitos se preocupavam que ele pudesse ser seriamente machucado por Foreman.
A lógica dessa visão era bem sensata. Ali, outrora famoso por "dançar como uma borboleta e ferroar como uma abelha", não estava mais na flor da idade. Ele havia sido derrotado em lutas anteriores. E muitos achavam que ele já deveria ter se aposentado do boxe.
Isso era o oposto de Foreman. Em perfeitas condições físicas e no auge da sua forma para o boxe, Foreman nunca havia sido vencido. Ele vencera quase todas as suas lutas por nocaute, confirmando sua enorme força.
Mas acontece que Ali venceu, e ele o fez nocauteando Foreman no oitavo assalto. O mundo esportivo ficou em estado de choque.
O interessante foi que pesquisadores procuraram analisar o como e o porquê desse resultado surpreendente. E isso incluiu Don Tull, um talentoso professor da London Business School que repetidamente tem nos impressionado com sua capacidade para compreender mudanças de paradigma, incluindo como navegá-las com sucesso.
E o que aconteceu foi que os treinadores de Ali perceberam logo que o seu "método normal" não bastava para Ali enfrentar Foreman. Para triunfar, Ali teria de fazer mais do que "dançar" e "ferroar" como sempre fizera. Desta forma, a equipe de Ali mudou totalmente o seu programa de treinamento.
Para resistir à força de Foreman, Ali precisava aprimorar a sua "absorção". Para conseguir isso, as suas sessões de treinamento foram mudadas para condicioná-lo a absorver o castigo de sparrings (lutadores contratados para treinar com um boxeador), incluindo ex-detentos. E ele fez isso, dia após dia, numa rotina estafante.
Os treinadores de Ali foram mais longe. Perceberam que a "agilidade" de Ali - sua capacidade de desnortear Foreman - não era só uma função do talento decrescente de Ali. Eles também precisavam encontrar uma maneira de cansar Foreman. Então eles chocaram o mundo do boxe ao inventarem o que ficou conhecido como a estratégia "tonto nas cordas" ("rope-a-dope", em inglês).
Quando a luta começou, Ali não dançou em volta do ringue como todos os especialistas esperavam. Em vez disso, ele cometeu o que foi considerado na época um ato de autodestruição. Ele se reclinou nas cordas e levantou a guarda para proteger o máximo possível do seu rosto e do seu corpo.
Durante sete assaltos, Ali absorveu golpe atrás de golpe de Foreman. Mas o impacto era diminuído já que ele usava as cordas para dissipar a força dos golpes.
No início do oitavo assalto, Foreman estava tão cansado quanto frustrado. E esta era a chance aguardada por Ali, e pela qual ele estivera esperando para lançar seu contra-ataque surpresa.
Ali partiu para cima. Ele mudou da absorção para a agilidade, despejando diversos socos bem colocados. Para o mais absoluto espanto dos especialistas, Ali tinha nocauteado Foreman!
Para resumir esta longa história, Ali e seus treinadores brilhantemente perceberam que a mudança de paradigma exigia uma mudança também de mentalidade e de abordagem. E isso fornece percepções importantes para todos aqueles que desejam navegar bem no nosso ambiente econômico global cada vez mais fluido e complexo.
Com a Europa e Estados Unidos ainda com problemas para resolver os seus desafios estruturais e políticos, o resto do mundo não pode mais contar com uma economia global em bom funcionamento. Eles também têm que lidar com o impacto de políticas altamente experimentais dos bancos centrais do Ocidente. E eles deveriam reconhecer que o risco de uma séria ruptura sistêmica será tão maior quanto mais tempo falhem os esforços do Ocidente para promover maior crescimento, desemprego mais baixo, para conter a dívida e reverter a crescente desigualdade de renda, riqueza e oportunidades. Como exemplo, pensem apenas nos desafios enfrentados pela combinação de políticas macroeconômicas do Brasil.
Como virtualmente todos os outros bancos centrais no mundo, o Banco Central do Brasil (BCB) não teve essencialmente nenhuma escolha a não ser reduzir agressivamente as taxas de juros em reação ao prolongado experimento de liquidez do Federal Reserve. Do contrário, fortes fluxos de capital teriam levado a moeda para níveis que iriam gradualmente desindustrializar e enfraquecer a economia doméstica.
A reação do Banco Central brasileiro é uma maneira de "absorver" os golpes provenientes do que muitos qualificam como um comportamento irresponsável por parte do mundo desenvolvido. Mas o Brasil não pode parar por aí.
As autoridades econômicas em Brasília também precisam ajustar suas mentalidades e ferramentas para o novo paradigma dos bancos centrais ocidentais. Isto envolve uma agilidade muito maior na condução da política fiscal e na formulação e implementação de reformas estruturais.
As empresas brasileiras também se deparam com o desafio de adaptar apropriadamente suas modalidades de operação. O acesso a financiamento já está sendo reorientado dos bancos europeus para outras fontes de financiamento. A solidez dos balanços já não é apenas desejável, mas também crucial. Mas o ajuste não deve se limitar à capacidade de absorver os choques de demanda e financiamento provenientes do exterior. O setor privado precisa também estar pronto para reagir às oportunidades de agarrar fatias maiores do mercado global.
Muitas oportunidades desse tipo surgirão em 2013. Esperem algumas empresas europeias se recolherem aos seus mercados locais à medida que buscam se consolidar no contexto de um difícil ambiente operacional. Outras, incluindo certas instituições financeiras e holdings, não terão outra escolha senão a de vender ativos. Diante disto, é fundamental uma grande agilidade operacional por parte das empresas brasileiras, se quiserem se aproveitar dessa atraente dinâmica à medida que vá surgindo.
Como Ali demonstrou em 1974, não existe nada predestinado quando se trata de navegar em mudanças de paradigma. Com a combinação certa de absorção e agilidade, mudança e turbulência podem se transformar em oportunidades e não apenas representar riscos. /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO