quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Os marines contra as drogas


Mac Margolis - O Estado de S.Paulo
A guerra latino-americana contra as drogas acaba de ficar mais quente. Desde o fim de agosto, uma leva de fuzileiros navais dos EUA está na Guatemala para ajudar no combate aos traficantes, que converteram o país centro-americano em um antro de crimes e violência.
Apesar do nome belicoso, a Operação Martelo está limitada a oferecer apoio logístico às tropas locais. São 4 helicópteros e 200 soldados para monitorar terra, mar e o espaço aéreo do litoral guatemalteco, vias onde a bandidagem transita desimpedida.
Sem dúvida, algo precisava ser feito. Com os cartéis mexicanos em expansão, o crime tomou conta de nacos importantes do istmo, corredor expresso de 90% das 700 toneladas de cocaína sul-americana rumo à América do Norte.
No caminho, converteram Honduras, El Salvador e Guatemala em campeões de violência. Honras para Honduras, que, em 2010, teve 82 homicídios por 100 mil habitantes, seguida por El Salvador (66) e Venezuela (65). Em quarto, a Guatemala (41 homicídios por cada 100 mil) virou "paraíso de criminosos", conforme relatório do International Crisis Group. "Autoridades locais são corrompidas. Partes do território nacional estão fora de controle", segundo o comando militar dos EUA.
Palavras como essas provocam arrepios. Nos EUA, ao tempero ardente da campanha presidencial, a direita republicana acusa o presidente Barack Obama de rasgar a Constituição ao enviar tropas sem a devida aprovação do Senado. O argumento é curioso para a oposição americana, que acusa o presidente de frouxo em política externa.
Os defensores dos direitos humanos lembram o passado polêmico da intervenção americana na América Central, a começar com o golpe de 1954 contra o presidente da Guatemala, Jacobo Arbenz, com um dedo da CIA. O golpe plantou a semente da longa guerra civil. Os militares americanos se retiraram em 1978, mas o confronto durou 36 anos e deixou 200 mil mortos.
A barulheira política e a desconfiança com as segundas intenções gringas fazem parte do enredo das Américas. Bem mais preocupante é a falta de clareza sobre a real política de Washington. A Operação Martelo sinaliza uma mudança de estratégia ou é mais um improviso do império?
Há dúvidas. Os países mais flagelados pelo narcotráfico já repensam a fracassada guerra às drogas, até com propostas de descriminalizá-las. Os EUA desconversam. Em sua visita à região, no início do ano, o vice-presidente Joe Biden ouviu a mensagem de vários governantes, distribuiu sorrisos e juras de amizade.
A Operação Martelo poderia ser uma resposta, mas para que tenha relevância, ela terá de fazer parte de uma estratégia maior, com metas, meios e fins delineados. Com a convulsão no Oriente Médio, a crise na Europa e a eleição americana, é pouco provável que América Latina ocupe um espaço importante na agenda de Washington. Não seria a primeira vez que o déficit de atenção define a diplomacia na região e não são 200 marines que mudarão esse fato. Melhor para o narcotráfico.    
É COLUNISTA DO ESTADO, CORRESPONDENTE DA NEWSWEEK E EDITA O SITE BRAZILINFOCUS.COM

Atraso na gestão do lixo


O Estado de S.Paulo opinião 29 de julho de 2012 | 3h 07
Há dois anos, ao sancionar a Lei n.º 12.305, o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, parecia encerrar a espera de 20 anos por uma Política Nacional de Resíduos Sólidos, com diretrizes para a gestão do lixo no País e a mudança dos padrões de comportamento e consumo. As normas fortaleciam o conceito de ciclo de vida de produtos industrializados - impondo cuidados a serem observados desde a sua produção até a disposição final - e a prática da logística reversa, em que fabricantes, distribuidores e vendedores são obrigados a recolher o lixo tóxico como pilhas, pneus, lâmpadas, lubrificantes e eletrônicos. Das prefeituras, a política exigia planos de gestão para resíduos sólidos, proibindo os lixões a céu aberto. Determinava ainda que o poder público, os setores produtivos e toda a sociedade deviam fazer um esforço para enfrentar as principais questões ambientais e de saúde pública. Dois anos se passaram e em quase todo o País a população continua a fazer o descarte do lixo comum junto com os resíduos tóxicos.
Apenas iniciativas pontuais e sem coordenação foram tomadas por organizações não governamentais e algumas empresas, sem grande impacto no cenário nacional. Algumas poucas indústrias já agiam naquele sentido, antes mesmo da entrada da legislação em vigor, porque os produtos eram reaproveitáveis e tinham valor significativo para os custos da produção. Mas não houve nenhum movimento forte o suficiente para educar a população e mudar seus hábitos. E pouco se fez para oferecer ecopontos em número adequado e de fácil acesso para a população.
Falta também coordenação entre as ações que dependem das três esferas de governo. Em março, por exemplo, a Secretaria-Geral da Presidência da República anunciou os três eixos que sustentariam o programa para tratamento de resíduos sólidos: Brasil sem Lixão, Recicla Brasil e Pró-Catador. São ações planejadas para cumprir as determinações da Política Nacional de Resíduos Sólidos, entre elas a que estabeleceu o fim de todos os lixões do País, por meio da instalação de aterros sanitários, até agosto de 2014. Pela lei, para os aterros deverão ser enviados apenas rejeitos, ou seja, a parte do lixo que não pode ser reciclada ou reutilizada. Conforme o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, o governo federal, os Estados e os municípios terão responsabilidade compartilhada nas ações destinadas a atingir essa meta, assim como para investir em cooperativas de catadores e em parcerias para aumentar a coleta seletiva e assegurar a destinação adequada do lixo não reciclável.
Os acordos setoriais e termos de compromisso entre empresários e o poder público para implantar o sistema de logística reversa já deveriam ter sido feitos. O primeiro passo, porém, só foi dado em novembro passado, quando o Ministério do Meio Ambiente publicou edital para a apresentação de propostas referentes ao descarte de embalagens de óleo. Elas ainda estão em estudo. No início de julho, o Ministério lançou editais para o descarte das lâmpadas fluorescentes e embalagens em geral. Os fabricantes, comerciantes, importadores e distribuidores têm 120 dias para fazer suas sugestões.
Nos governos locais, a lentidão também impera e poucas ações estão em curso. Mesmo São Paulo, a cidade mais rica do País, está muito longe de alcançar a gestão eficaz dos resíduos sólidos. O contrato de concessão dos serviços de coleta e destinação do lixo, firmado em 2005, dava prazo até 2009 para que cada subprefeitura tivesse uma central de triagem dos resíduos sólidos. A Prefeitura não conseguiu alcançar a meta fixada e fez uma nova promessa: instalar 51 centrais de triagem de recicláveis até o fim de 2011. Mas hoje pouco mais de 20 centrais operam em São Paulo. A capital encaminha para a reciclagem apenas 1,4% das 15 mil toneladas de lixo domiciliar produzidas por dia pelos seus 11 milhões de habitantes.
A esta altura já está muito claro que, para alcançar os resultados pretendidos, é preciso não só que o poder público faça mais do que tem feito, mas também que consiga agir em conjunto com as empresas privadas.

Luli Radfahrer - Presente contínuo 6 fev 12

Caetano Veloso já dizia que só é possível filosofar em alemão. Licenças poéticas à parte, é inegável a influência de certas línguas na comunicação de determinados processos. Por mais que as ideias apareçam independentemente de qualquer idioma (caso contrário seria impossível traduzi-las), seu debate e sua transmissão dependem e se apoiam em estruturas comuns.

A linguagem é um dos recursos simbólicos mais ricos à disposição do pensamento. Seu uso facilita, de forma clara e direta, a compreensão imediata de conceitos razoavelmente complexos -como "aflição" ou "impertinência". Regras gramaticais costumam dizer muito a respeito da forma de pensar coletiva daqueles que as utilizam. Da mesma forma, o uso de tempos verbais transmite uma boa perspectiva a respeito de um ambiente ou evento.

Em japonês, por exemplo, quase não há diferença de termos entre o que acontece e o que acontecerá. No dialeto usado na Sicília não se fala em futuro. Nossa língua conta com três passados para explicar por que tantas ideias teriam sido fantásticas, enriquecido seus inventores e melhorado o mundo se apenas um ou outro fato não tivesse ocorrido.

No planeta digital, todos exprimem suas identidades, anseios e pontos de vista com um linguajar curto, pragmático e sintético, em que só há espaço para um tempo verbal: o imediato. O passado é compilado, classificado e trazido a valor presente por buscadores como Google, Bing e Yahoo!. A programação atemporal da TV YouTube apresenta uma mistura de reminiscências e inovações à prova de qualquer critério. O acesso aos fatos é aleatório a tal ponto que, pela primeira vez na história, a ordem dos fatores parece incapaz de alterar o produto.

Em redes sociais, cada nome é um crachá, eternamente disponível. Todos são velhos conhecidos, já que podem consultar, sem maiores justificativas, o histórico pessoal de qualquer um na linha do tempo que resume indivíduos a páginas do Facebook. No LinkedIn, interfaces parecidas sintetizam carreiras e reputações em espaços ainda menores.

Twitter e Tumblr perguntam a seus usuários "o que está acontecendo" -assim, em presente contínuo. Cada resposta contribui para uma correnteza de atualizações tão imprevisíveis quanto rapidamente esquecidas. Gravadas, as conversas via Skype e MSN permitem que assuntos discutidos sejam retomados a qualquer instante. Nunca foi tão fácil ir direto ao ponto, seja lá qual for o ponto.

O espaço-tempo digital é achatado a ponto de fazer qualquer Einstein perder a perspectiva. Como o passado é acumulado e o futuro parece surgir por mágica nas fábricas de sonhos da Apple e da Amazon, é cada vez mais comum a vertigem causada pela falta de referências. Essa desorientação é reforçada pelos bastiões da autoajuda, rápidos em sua habilidade de resumir biografias a listas de tópicos.

É preciso ampliar os horizontes do mundo digital, explorar a natureza múltipla da rede para criar novas estruturas que só seriam possíveis por meio dela. A rede não é uma cópia pobre do mundo real, mas um ambiente de expansão. Se bem usada, pode ter o mesmo efeito que a física teve com a matemática avançada, que criou dimensões para chegar a lugares inimagináveis.

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