domingo, 30 de setembro de 2012

Jovens estudam humanas, mercado pede exatas



Estudo mostra quais são as profissões que têm sido mais demandadas e em que áreas os salários estão subindo ou caindo

29 de setembro de 2012 | 13h 10
Fernando Dantas, da Agência Estado
RIO - As profissões das áreas exatas e técnicas estão com a demanda em alta no Brasil, segundo estudo baseado nos Censos de 2000 e 2010, realizado pelo economista Naercio Menezes Filho, do Centro de Políticas Públicas do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper)e Universidade de São Paulo (USP).
Por outro lado, o aumento da oferta de profissionais acima da demanda do mercado fez com que os salários caíssem entre 2000 e 2010 em profissões não ligadas à área técnica, como Administração, Comunicação e Jornalismo, e Marketing e Publicidade, com quedas de respectivamente 17,8%, 14,1% e 7,4%
No topo da remuneração entre todas as formações universitárias em 2010, estavam profissões como Medicina, graduados em academias militares, Engenharia Civil e Odontologia, com salários mensais médios de respectivamente R$ 6.952, R$ 6.359, R$ 4.855 e R$ 4.854.
"Há mais demanda na área de exatas, mas a oferta está crescendo mais rápido na área de humanas", comenta Menezes.
O detalhadíssimo trabalho leva em conta um amplo conjunto de informações sobre os 10,6 milhões de brasileiros de 18 a 60 anos que detinham diploma universitário em 2010 (e os 5,4 milhões na mesma situação em 2000). O estudo foi feito por encomenda da BRAiN Brasil, uma associação de bancos, BM&F, Federação dos Bancos Brasileiros (Febraban) e outras entidades, que tem como objetivo transformar o Brasil num polo internacional de investimentos e negócios.
A pesquisa partiu de um aparente paradoxo. Apesar de se constatar no Brasil um apagão de mão de obra qualificada, o salário real médio de quem tem o ensino médio completo caiu de R$ 1.378 em 2000 para R$ 1.317 em 2010. Da mesma forma, os diplomados no curso superior viram seu rendimento médio cair de R$ 4.317 em 2000 para R$ 4.060 em 2010. Se o ganho de quem tem o ensino médio ou grau universitário caiu, é um sinal de que a demanda por qualificação recuou - o que aparentemente contradiz a o fenômeno do apagão de mão de obra.
O estudo detalhado de mais de 40 tipos de formação universitária, porém, explica a contradição. Na verdade, há algumas profissões de grau universitário extremamente demandadas, nas quais a oferta de mão obra cresceu insuficientemente de 2000 a 2010. "São as profissões que o país está pedindo", diz Menezes Filho.
Proporção
É o caso, por exemplo, da Engenharia Civil. Havia 141,8 mil engenheiros civis no Brasil em 2000, número que cresceu para apenas 146,7 mil em 2010. Dessa forma, a proporção de engenheiros civis no total da população com diploma universitário caiu de 2,76% para 1,45% no período. A alta da demanda fica claro na evolução salarial da categoria no período, com elevação de 20,6%. Em 2010, na média, um engenheiro civil ganhava 211% a mais do que os trabalhadores apenas com ensino médio completo. Em 2010, essa vantagem subiu para 266%.
Um fenômeno muito parecido ocorreu com a Medicina, que está no topo de rendimento, e também tem a menor taxa de desemprego entre as profissões (excetuando-se os militares), de apenas 0,62% em 2010. O número de médicos cresceu pouco no Brasil entre 2000 e 2010, saindo de 207 mil para 225 mil. Com isso, sua proporção no total da população diplomada caiu de 4,04% para 2,23%. Já o salário deu um salto de 18,13%.
Algumas profissões fora da área técnica, porém, tiveram aumento de oferta com queda de salário - isto significa que o sistema universitário produziu mais profissionais desse tipo do que o País estava demandando. Em Administração, por exemplo, houve um salto de 594 mil para 1,473 milhão. A profissão passou de 11,6% do total dos diplomados para 14,6% entre 2000 e 2010. A oferta tornou-se excessiva, como fica claro pelo recuo de 17,8% na remuneração.
Em hotelaria, alimentação e turismo, o contingente diplomado quase quintuplicou, fazendo com que a remuneração caísse 22,6%, para R$ 2.585, em 2010.
Impacto nos salários. Algumas profissões rentáveis também tiveram um salto tão forte na oferta de novos profissionais entre 2000 e 2010 que acabaram sofrendo impacto na remuneração. O número da atuários no País aumentou seis vezes em dez anos, de 2,1 mil para 12,5 mil. A profissão é bem remunerada, sendo a sexta no ranking, com ganho médio mensal de R$ 4.723 em 2010. Ainda assim, a remuneração média caiu 11,5% desde 2000.
Outras profissões sofreram queda tanto de oferta quanto de demanda (medida pelo salário), como Filosofia. Em 2000, havia 29,1 mil pessoas de 18 a 60 anos formadas em Filosofia, número que caiu para 24,9 mil em 2010. Mesmo com menos oferta, os salários caíram 14,6%, para R$ 2.390. Aliás, é a menor remuneração entre todas as profissões que exigem diploma universitário.
Outra característica da Filosofia é ser o grau universitário em que uma menor proporção das pessoas diplomadas trabalha na própria área de formação, com apenas 3,9% em 2010. Em contraste, 79,9% dos médicos trabalham com medicina.
"O problema é menos que há poucas pessoas com formação universitária no Brasil, e mais que essas formações estão muito mal distribuídas", diz André Sacconato, economista da BRAiN.
Ele nota que é mais barato abrir cursos universitários em áreas não técnicas "Dá para criar uma faculdade de Economia só com professores e livros, mas Medicina e Engenharia precisam de materiais, máquinas, equipamentos e tecnologia - estamos formando muitos administradores e poucos engenheiros".

A Justiça de meus sonhos


ETHEVALDO SIQUEIRA - O Estado de S.Paulo
Como milhões de brasileiros, sonho com uma Justiça muito melhor para o Brasil. Mas, para que esse milagre venha a ocorrer, precisamos envolver toda a sociedade nessa luta e nesse propósito, além de muitos líderes do próprio Poder Judiciário, do Congresso e do Executivo. Aliás, sempre desejei falar a magistrados e transmitir-lhes um pouco da percepção que o cidadão comum tem da Justiça e dar-lhes algumas sugestões fundamentais.
Para minha surpresa, acabo de realizar esse desejo. Anteontem, tive a oportunidade de ouro de falar durante 45 minutos a uma plateia de mais de uma centena de juízes. Sugeri, em resumo, duas reformas fundamentais para melhorar a Justiça brasileira. Uma delas consistiria, em síntese, na simplificação das leis e na redução dos recursos puramente procrastinadores. Outra seria a modernização da estrutura do Poder Judiciário, tarefa que envolve o aprimoramento permanente do quadro de pessoal, das instalações físicas e, em especial, do uso de novas tecnologias, com os equipamentos e sistemas mais modernos de processamento e transmissão de dados.
Olhar externo. Todas as instituições deveriam abrir-se periodicamente ao diálogo com a sociedade, como faz agora o Poder Judiciário de São Paulo ao convidar pessoas de diversas áreas para falar em seus eventos. Por isso, não hesitei em aceitar o convite do desembargador Renato Nalini, corregedor-geral da Justiça de São Paulo, para expor minhas ideias no evento denominado Ética para o Juiz: Um Olhar Externo, na Escola da Magistratura de São Paulo.
É claro que essa oportunidade de ouro foi oferecida a outras pessoas, mais ilustres e capazes que este jornalista, como os intelectuais Renato Janine Ribeiro, Sérgio Rouanet, Manuel da Costa Pinto, o historiador Marco Antonio Villa, o professor Vladimir Safatle e meu colega Tonico Ferreira.
Tenho conversado muito com amigos sobre esse tema, em especial, com o engenheiro Gilberto Garbi, do qual tomei emprestadas diversas observações e alguns casos exemplares que sintetizam os maiores problemas da Justiça brasileira. Como quixotes do século 21, Garbi e eu não temos a menor inibição em levar nossas críticas e sugestões a líderes e instituições respeitáveis. Na maior parte de minha apresentação, ressaltei aos juízes o potencial extraordinário que a tecnologia e suas ferramentas digitais oferecem hoje para agilizar e racionalizar a Justiça, como já ocorre em alguns países adiantados nessa área.
Nossa percepção. O cidadão brasileiro tem fome e sede de Justiça. Está a cada dia mais indignado com o que vê à sua volta e nos noticiários. Infelizmente, tem pouca esperança de que esse quadro - que perdura há séculos - venha a ser substancialmente alterado em sua geração. Eu sou um desses cidadãos. Como milhões de brasileiros, sonho com instituições bem melhores do que as que temos, não apenas a Justiça, mas o Legislativo, o Executivo, a Universidade e, claro, a própria Imprensa.
Não poderia, assim, perder a oportunidade de transmitir minha percepção sobre os problemas da Justiça àquela plateia de juízes. Sem nenhuma ofensa ou desrespeito, procurei dizer-lhes algumas coisas que há muito estavam entaladas em minha garganta. A maior parte da sociedade, suponho, já perdeu a esperança e parece até resignada, diante das sucessivas frustrações experimentadas ao longo de décadas. Isso ocorre, em especial, com as pessoas mais simples e de menor escolaridade.
Um retrato. A Justiça brasileira é lenta e excessivamente burocratizada. Perante a lei, só o cidadão é obrigado a cumprir prazos. Será que um processo como o mensalão precisaria de sete anos para ser julgado? No combate à corrupção, muitas sentenças buscam apenas atender exclusivamente aos aspectos formais, e não à ética. É incrível, mas mesmo diante de uma tonelada de evidências, os tribunais superiores acabam absolvendo réus famosos "por falta de provas" - como no caso de um ex-presidente cassado por corrupção.
Muitas decisões da Justiça se tornam, assim, conservadoras e imobilistas diante da dinâmica do mundo moderno. A morosidade dos julgamentos e as intermináveis procrastinações e apelações chegam às vezes a dar a impressão de que a instituição está mais interessada em permitir que o criminoso fuja do alcance do braço da Lei. A maioria dos recursos parece visar, sobretudo, à proteção do criminoso, e não de suas vítimas.
As brechas da lei permitem com frequência ao assassino ou fraudador de maior poder econômico apostar com sucesso na impunidade. Uma das portas por onde escapam é a prescrição dos crimes, decorrente muitas vezes da sucessiva procrastinação.
Impunidade. A sucessão quase interminável de recursos faz com que assassinos confessos permaneçam livres, desfrutando a vida, enquanto os familiares das vítimas amargam indignação e revolta diante da impunidade. Motoristas embriagados que matam pedestres ou ciclistas, pagam com cestas básicas as vidas que ceifam.
Todos os dias, temos diante dos olhos exemplos chocantes dessa desproporção entre a brandura das penas e a gravidade dos crimes. E pior: o Estado mostra-se incapaz em executar as penas que, finalmente, são impostas pelo Judiciário.
Até quando teremos de enfrentar tudo isso?

Massacre expõe os gargalos da Justiça


AE - Agência Estado
Em 2 de outubro de 1992, quando aconteceu o massacre na Casa de Detenção do Carandiru, a morte dos 111 presos se tornou um marco no debate sobre direitos humanos. Passados 20 anos, o caso serve também para revelar os gargalos da Justiça e sua incapacidade para responder a episódios dessa relevância.
Para entender o percurso da ação, sete professores da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) se debruçaram sobre os documentos e analisaram suas idas e vindas na Justiça, a fim de compreender o motivo da demora. "Esse caso revelou que nosso sistema penal tem enorme dificuldade para lidar com casos dessa complexidade", diz a professora Maíra Rocha Machado, uma das autoras da análise.
Segundo a professora, três foram os desafios principais. O primeiro está relacionado à obtenção das provas, que acabaram sendo basicamente testemunhais - foram ouvidas 469 pessoas, sendo 111 presos e o restante, policiais militares. Os detentos mortos em pavimentos diferentes foram levados para o 2.º andar, formando uma pilha de 98 corpos, o que dificultou o trabalho da perícia.
O exame de balística, para apontar a autoria dos disparos, não foi feito. Houve indício de que 13 revólveres foram "plantados" no pavilhão. Foram esquecidos, no entanto, 13 cadáveres em celas, sentados ou encostados na parede, sem armas, com sinais de execução.
Mais duas questões jurídicas atrasaram a ação. O segundo problema decorre do fato de que o principal acusado de comandar o massacre, o coronel Ubiratan Guimarães, assumiu cargo de deputado estadual em 1997 e ganhou foro especial.
Ele foi condenado em 2001 e voltou a ser eleito deputado em 2003, sendo a apelação analisada novamente no Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo - o coronel foi assassinado em 2006, antes de cumprir pena, em um caso de crime passional. O desmembramento, porém, acaba tendo efeitos importantes no caso dos demais réus.
O terceiro problema foi a discussão sobre o conflito de competência, para decidir se o processo deveria ser julgado pela Justiça Militar ou Comum.
Burocracia. Dessa maneira, apesar da complexidade da tragédia, as investigações não retardaram o andamento do processo e foram feitas em menos de um ano. Em compensação, nos corredores da burocracia da Justiça, o processo acabou tramitando por dez anos só no TJ-SP, para que fosse confirmada a decisão de pronúncia dos acusados.
"Quando o Código de Processo Penal foi criado, nos anos 1940, nunca seus autores imaginaram que haveria um caso com tantos réus. A quantidade de réus, dezenas, é o principal desafio para levar esse caso a júri", afirma o promotor de Justiça Norberto Joia, que atuou no julgamento do coronel Ubiratan.
Apesar de o júri de 26 réus ter sido marcado para o dia 28 de janeiro do ano que vem, a defesa pretende pedir a nulidade da decisão, adiando-o mais uma vez. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

A profecia que se concretizou

CARLOS EDUARDO ENTINI - O Estado de S.Paulo
"No dia em que houver uma rebelião vai ser uma coisa tão terrível que entrará para a história do mundo." E foi. As palavras proféticas do diretor do presídio nos anos 1980, Luiz Camargo Wolfmann, o Luizão, proferidas em 1983, descreviam a situação vivida durante quase toda a existência do Carandiru. Construído para acabar com o déficit prisional da cidade, em pouco tempo sofreu do mesmo mal.
Em 1974, 18 anos depois de ser inaugurado, tinha 5.346 presos, mais do que o dobro da capacidade, 2.200. A superlotação era regra. Em 1978, a capacidade foi ampliada para 3.500. Em 1981, chegou a abrigar 7.029 presos. No mesmo ano, a Justiça decretou que a população do presídio não poderia passar de 6 mil. Em 1992, tinha mais de 7 mil.
Além do excesso de presos, o Carandiru conviveu com o pior que um sistema prisional falho produz: falta de assistência jurídica e médica, detentos com penas cumpridas, deficientes mentais, presos de alta e baixa periculosidade misturados, falta de funcionários etc. E criou outras falhas piores: violência, motins, homicídios, tráfico de drogas.
Aquela "república", com leis próprias, era administrada com doses de complacência e rigidez dos diretores, para que o barril de pólvora não explodisse. Em 1985, quase explodiu. Um protesto pela não aplicação da Lei de Execuções Penais acabou em revolta e tomou conta de todos os pavilhões. Foram 11 mortos.
A confusão não foi pior porque a polícia não entrou. "Se a PM invadisse haveria chacina", publicou o Estado. A tragédia era questão de tempo. "Não seria melhor colocar toda essa gente na parede e metralhar?", era o que sempre falava Luizão. A resposta veio em 1992 da ação policial para controlar um tumulto iniciado após a briga entre dois presos no Pavilhão 9. "Eles (PMs) não deram chance, abriam as portas e apertavam o gatilho", disse um sobrevivente.