domingo, 30 de setembro de 2012

Massacre expõe os gargalos da Justiça


AE - Agência Estado
Em 2 de outubro de 1992, quando aconteceu o massacre na Casa de Detenção do Carandiru, a morte dos 111 presos se tornou um marco no debate sobre direitos humanos. Passados 20 anos, o caso serve também para revelar os gargalos da Justiça e sua incapacidade para responder a episódios dessa relevância.
Para entender o percurso da ação, sete professores da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) se debruçaram sobre os documentos e analisaram suas idas e vindas na Justiça, a fim de compreender o motivo da demora. "Esse caso revelou que nosso sistema penal tem enorme dificuldade para lidar com casos dessa complexidade", diz a professora Maíra Rocha Machado, uma das autoras da análise.
Segundo a professora, três foram os desafios principais. O primeiro está relacionado à obtenção das provas, que acabaram sendo basicamente testemunhais - foram ouvidas 469 pessoas, sendo 111 presos e o restante, policiais militares. Os detentos mortos em pavimentos diferentes foram levados para o 2.º andar, formando uma pilha de 98 corpos, o que dificultou o trabalho da perícia.
O exame de balística, para apontar a autoria dos disparos, não foi feito. Houve indício de que 13 revólveres foram "plantados" no pavilhão. Foram esquecidos, no entanto, 13 cadáveres em celas, sentados ou encostados na parede, sem armas, com sinais de execução.
Mais duas questões jurídicas atrasaram a ação. O segundo problema decorre do fato de que o principal acusado de comandar o massacre, o coronel Ubiratan Guimarães, assumiu cargo de deputado estadual em 1997 e ganhou foro especial.
Ele foi condenado em 2001 e voltou a ser eleito deputado em 2003, sendo a apelação analisada novamente no Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo - o coronel foi assassinado em 2006, antes de cumprir pena, em um caso de crime passional. O desmembramento, porém, acaba tendo efeitos importantes no caso dos demais réus.
O terceiro problema foi a discussão sobre o conflito de competência, para decidir se o processo deveria ser julgado pela Justiça Militar ou Comum.
Burocracia. Dessa maneira, apesar da complexidade da tragédia, as investigações não retardaram o andamento do processo e foram feitas em menos de um ano. Em compensação, nos corredores da burocracia da Justiça, o processo acabou tramitando por dez anos só no TJ-SP, para que fosse confirmada a decisão de pronúncia dos acusados.
"Quando o Código de Processo Penal foi criado, nos anos 1940, nunca seus autores imaginaram que haveria um caso com tantos réus. A quantidade de réus, dezenas, é o principal desafio para levar esse caso a júri", afirma o promotor de Justiça Norberto Joia, que atuou no julgamento do coronel Ubiratan.
Apesar de o júri de 26 réus ter sido marcado para o dia 28 de janeiro do ano que vem, a defesa pretende pedir a nulidade da decisão, adiando-o mais uma vez. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

A profecia que se concretizou

CARLOS EDUARDO ENTINI - O Estado de S.Paulo
"No dia em que houver uma rebelião vai ser uma coisa tão terrível que entrará para a história do mundo." E foi. As palavras proféticas do diretor do presídio nos anos 1980, Luiz Camargo Wolfmann, o Luizão, proferidas em 1983, descreviam a situação vivida durante quase toda a existência do Carandiru. Construído para acabar com o déficit prisional da cidade, em pouco tempo sofreu do mesmo mal.
Em 1974, 18 anos depois de ser inaugurado, tinha 5.346 presos, mais do que o dobro da capacidade, 2.200. A superlotação era regra. Em 1978, a capacidade foi ampliada para 3.500. Em 1981, chegou a abrigar 7.029 presos. No mesmo ano, a Justiça decretou que a população do presídio não poderia passar de 6 mil. Em 1992, tinha mais de 7 mil.
Além do excesso de presos, o Carandiru conviveu com o pior que um sistema prisional falho produz: falta de assistência jurídica e médica, detentos com penas cumpridas, deficientes mentais, presos de alta e baixa periculosidade misturados, falta de funcionários etc. E criou outras falhas piores: violência, motins, homicídios, tráfico de drogas.
Aquela "república", com leis próprias, era administrada com doses de complacência e rigidez dos diretores, para que o barril de pólvora não explodisse. Em 1985, quase explodiu. Um protesto pela não aplicação da Lei de Execuções Penais acabou em revolta e tomou conta de todos os pavilhões. Foram 11 mortos.
A confusão não foi pior porque a polícia não entrou. "Se a PM invadisse haveria chacina", publicou o Estado. A tragédia era questão de tempo. "Não seria melhor colocar toda essa gente na parede e metralhar?", era o que sempre falava Luizão. A resposta veio em 1992 da ação policial para controlar um tumulto iniciado após a briga entre dois presos no Pavilhão 9. "Eles (PMs) não deram chance, abriam as portas e apertavam o gatilho", disse um sobrevivente.


Nenhum comentário: