Já escrevi aqui que polícia é civilização. Um dos maiores passos para a pacificação social foi dado quando o Estado tomou para si o monopólio do uso legítimo da violência, isto é, quando criou a polícia.
Nas contas de Steven Pinker, isso fez com que as taxas de homicídio na Europa do século 16 despencassem para algo entre um décimo e um quinquagésimo dos valores anteriores. Esse movimento também abriu caminho para a consolidação de princípios básicos do direito, como o do devido processo legal, o de que nenhuma pena pode passar da pessoa do acusado e o de que as sanções devem ser individualizadas e proporcionais ao delito.
O estado de São Paulo não tem uma polícia, mas uma gangue uniformizada. Essa é a melhor hipótese para entender a operação policial no Guarujá, deflagrada após o assassinato de um soldado da Rota, que deixou cerca de 12 mortos. Uma incursão típica não produz carnificinas dessa magnitude. Ou existe um gênio maligno interferindo nas estatísticas para nos enganar, ou alguns dos policiais, em vez de proceder sob o manto da lei para localizar e prender os suspeitos do homicídio para levá-los a julgamento, preferiram embrenhar-se num projeto de vingança, eliminando pessoas que de algum modo viam como ligadas ao crime. Essa sensação só é reforçada pela notícia de que indivíduos com vínculo com a corporação usaram redes sociais para celebrar as mortes.
Igualmente inquietantes são as reações de autoridades. O governador e o secretário da Segurança Pública consideraram a operação absolutamente normal. Deputados estaduais da bancada da bala, numa versão legislativa da fraude processual, em vez de exigir a elucidação dos fatos querem tirar as câmeras dos uniformes da polícia.
Esse comportamento de gângster não chega a ser irracional. É como tentávamos controlar a violência em tempos pré-modernos. Mas não ser irracional não significa ser civilizado.
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