Estou viciada em séries coreanas: já assisti a dezenas. A que mais me encantou foi "Navillera". O protagonista é um carteiro aposentado de 70 anos que, por acaso, vê um jovem dançando e fica fascinado. Seu sonho de criança era ser bailarino, mas o pai não permitiu.
"Eu nunca fiz o que quis… Antes de morrer, eu quero voar alto pelo menos uma vez."
A esposa e os três filhos esperavam que ele, como a maioria dos aposentados, ficasse em casa assistindo televisão. Mas ele está obcecado em realizar seu sonho: "Nós só vivemos uma vez, por isso, cada segundo é importante para mim".
Ele decide, então, sem contar para a família, fazer aulas de dança com o jovem bailarino, que fica muito irritado com a insistência do aposentado: "O que um velho está fazendo em uma academia de dança?". Mas, aos poucos, uma bela amizade nasce entre os dois e mudará completamente suas vidas. A cumplicidade entre o bailarino de 23 anos e o sonhador de 70 é uma verdadeira lição de vida para todos nós, os velhos de hoje e os velhos de amanhã.
O aposentado também está escondendo da família algo bem mais grave: ele foi diagnosticado com Alzheimer. Por isso anota todos os detalhes dos seus dias em uma caderneta, para lembrar-se de tudo o que precisa fazer e dizer para ninguém perceber que ele está perdendo a memória. Apesar dos preconceitos e estigmas associados à velhice, ele está decidido a realizar seu sonho de voar alto e, para isso, precisa manter a doença em segredo das pessoas mais próximas, inclusive do jovem professor.
"Navillera" significa "belo como uma borboleta". São 12 episódios tão emocionantes que não me lembro mais de quantas vezes eu chorei.
Por que me emocionei tanto com "Navillera"?
Porque o drama aborda, com extrema sensibilidade e delicadeza, os mesmos conflitos que tenho encontrado nas minhas pesquisas com os nonagenários e suas famílias. Filhos e netos que não escutam com atenção os pais e avós e que, mesmo quando eles estão lúcidos e saudáveis, querem controlar suas escolhas e decisões. Parentes que, apesar da intenção de cuidar e de superproteger os mais velhos, acabam ameaçando o bem mais valioso que eles querem preservar: a autonomia.
Lembrei-me de "Navillera" no sábado passado quando estava fazendo exercícios na Academia da Terceira Idade. Em um parque pertinho da minha casa, repleto de mulheres e de homens de mais idade, conheci Nanci, de 92 anos. Foi amor à primeira vista.
"Perdi meu marido muito cedo, de câncer. Ele tinha 49 anos. Apesar de ter tido alguns pretendentes, nunca mais quis namorar ou casar. Eu moro sozinha e tenho muito orgulho de ser independente, de não dar trabalho para ninguém. Não tenho medo de morrer, meu maior medo é ser um peso para as minhas filhas. Quero continuar sendo autônoma e ativa até o fim da minha vida."
Ela me contou que só agora, aos 92 anos, teve a coragem de realizar seus "sonhos de menina".
"Estou tendo aulas de canto e comecei a cantar em um coral na minha igreja. Também estou aprendendo francês. A vida inteira eu cuidei de todo mundo. Chegou a hora de cuidar de mim. Não tenho mais tempo a perder. Abri mão dos meus sonhos para cuidar da família, mas agora minhas filhas e netos não precisam mais de mim. Ninguém mais pode me impedir de realizar meus sonhos."
Ela ficou surpresa com meu interesse em escutar suas histórias.
"Ninguém gosta de conversar com gente velha, ninguém presta atenção no que a gente fala. Uma hora me tratam como uma criança incapaz, teimosa e desobediente, só me dão ordens e broncas. Outra, como se eu fosse uma vovozinha fofinha ou uma velhinha gagá e descartável. Eu adoro conversar, sou muito faladeira. Ainda bem que você é mais escutadeira."
Fiquei muito feliz de escutar as histórias de Nanci e, mais ainda, de ganhar uma nova amiga. E brinquei:
"Nanci, conhece a música do Marcos Valle ‘Não confie em ninguém com mais de 30 anos’? Eu prefiro cantar: ‘Não confio em ninguém com menos de 90 anos’. Eu só tenho amigos e amigas de 97, 98, 99 anos... Você sabe quantos anos eu tenho? 93!"
Ela deu muitas risadas... E já marcamos um chopinho para o próximo sábado.
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