O voto sobre descriminalização da maconha do mais novo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Cristiano Zanin, indicado por Lula, recebeu aplausos da caterva bolsonarista. Já se disse, com justiça, que o Brasil não é para principiantes.
Zanin votou, infeliz, contra a descriminalização do porte pessoal de cânabis. Divergiu, assim, de cinco de seus pares no STF que já se manifestaram. Mais precisamente, negou ser inconstitucional o art. 28 da Lei de Drogas (11.343/2006).
O artigo estipula que "quem guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas":
- advertência sobre os efeitos das drogas;
- prestação de serviços à comunidade;
- medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Fernanda Mena em boa hora esclareceu a habitual confusão de termos nessa matéria. Uma coisa é despenalizar (uso segue como crime, mas sem prisão); outra é descriminalizar (deixa de ser crime, mas pode ter sanção administrativa); outra, ainda, legalizar (consumo permitido, regulamentado em lei).
O art. 28 teoricamente afastou a hipótese de encarceramento para porte e uso pessoal. Só que não: seu parágrafo 2º deixa na mão de juízes definir, em cada caso, quando se trata de consumo individual ou tráfico.
Na prática, a emenda de 2006 foi pior que o soneto. Magistrados passaram a encarcerar como facínoras, preponderantemente, usuários pretos e pobres.
Explodiram as prisões de supostos traficantes, como anotou Mena: "Em 2005, (...) 14% dos presos do sistema carcerário brasileiro eram acusados ou condenados por tráfico de drogas. Em junho de 2022, esse percentual era de quase 30%".
Faltava um critério quantitativo para limitar a arbitrariedade dos juízes. Vários países o adotam, com valores que variam de 5 gramas (México) a 100 gramas (Espanha).
Zanin está apanhando como cachorro de aldeia por sua decisão, em particular de progressistas que votaram no PT, alguns míopes a ponto de apoiar como algo republicano Lula indicar seu advogado pessoal ao STF.
É ingenuidade pressupor que ser de esquerda exclua abraçar pautas conservadoras, como ser contra aborto e drogas. Ou, ainda, implique manter coerência na questão ambiental e não cevar monstros como Belo Monte, pecuária devastadora e combustíveis fósseis.
Adeptos libertários da descriminalização da maconha, no entanto, têm omitido um elemento significativo do voto de Zanin: o ministro novato propôs que o art. 28 passe a conter, veja só, um limite quantitativo de 25 gramas.
Vale dizer, ele ao menos indica uma saída para o efeito mais pernicioso da Lei de Drogas. Mobiliza razões equivocadas contra admitir a inconstitucionalidade, de fato, mas não por ser a favor do encarceramento generalizado.
Zanin alega que eliminar o art. 28 como inconstitucional tiraria de cena os únicos parâmetros objetivos para diferenciar usuário de traficante. Mau argumento, pois o quantitativo diz respeito à tipificação do crime de tráfico, não à questão deontológica: a criminalização do uso pessoal de drogas é conciliável com os direitos fundamentais à liberdade individual e à inviolabilidade da vida privada?
Para piorar, o ministro demonstrou ignorância ao afirmar que a descriminalização contribuiria para agravar problemas de saúde relacionados ao vício. Milhões de pessoas fumam maconha legalmente em 23 estados norte-americanos, sem indicação médica, e não há evidência de aumento explosivo de consumo, muito menos de emergência em saúde pública.
Isso o ministro não quer enxergar. Nem os bolsonaristas que agora o aplaudem.
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