Sempre que um político faz um discurso negacionista ou polarizante, costumam surgir duas reações. De um lado, os críticos destacam a natureza absurda do discurso; de outro, os apoiadores procuram diminuir a importância das palavras e argumentam que as ações estão seguindo uma direção distinta. No entanto, uma dúvida persiste: até que ponto as palavras proferidas por um líder têm impactos concretos?
Na tentativa de responder a essa pergunta, os economistas Nicolás Ajzenman, Tiago Cavalcanti e Daniel Da Mata analisaram como os discursos do então presidente Jair Bolsonaro afetaram o comportamento dos seus eleitores durante a pandemia. Para essa investigação, os autores fizeram uso de dados de cerca de 60 milhões de dispositivos móveis, buscando quantificar o grau de distanciamento social nas regiões que majoritariamente votaram em Bolsonaro nas eleições de 2018 comparativamente àquelas que não o apoiam. Também usaram informações referentes aos gastos realizados com cartões de crédito, a fim de avaliar o padrão de consumo dos cidadãos brasileiros por setor e por município após as falas do presidente sobre a pandemia. As comparações foram feitas usando uma metodologia conhecida como diferenças-em-diferenças, o que rendeu a publicação da pesquisa em uma das principais revistas científicas de economia, a American Economic Journal.
Os resultados são alarmantes. Após Bolsonaro minimizar publicamente os riscos da pandemia e apoiar o fim das medidas de isolamento, o distanciamento social em locais pró-governo diminuiu significativamente em relação àqueles pró-oposição. Em números: cada 1 ponto percentual adicional na parcela de votos para Bolsonaro em determinado lugar implicou em um efeito de aproximadamente 0,1 pontos no índice de distanciamento social após os discursos. Também se verificaram aumentos das despesas com cartão de crédito nessas mesmas localidades, especialmente em setores não essenciais, como bares, restaurantes e cinemas. Esses efeitos foram mais fortes nas localidades com maiores níveis de contas ativas no Twitter e com uma maior proporção de cristãos evangélicos, um grupo eleitoral crucial para Bolsonaro.
Ou seja, quanto mais influência eleitoral o ex-presidente tinha em certo lugar, maior também a influência dos seus discursos em prol do desrespeito às políticas de distanciamento social. Embora o estudo não se proponha a estimar o número de mortes causadas por essa postura, é razoável supor que contribuíram para agravar a situação epidemiológica do país, que já registrou mais de 700 mil óbitos por Covid-19.
Este é apenas um exemplo claro e quantificado de como a fala tem poder. Para além do caso de Bolsonaro na pandemia, as palavras de líderes populistas podem moldar a realidade e afetar o bem-estar da população ao incentivar ou não a aderência a políticas públicas.
Nem todos estão conscientes do perigo que os discursos populistas representam para a democracia. Muitas vezes, apoiadores de algum político minimizam: "Ah, ele fala bobagem mesmo, mas não é má pessoa"; ou "Ele nunca fez uma proposta concreta que apoiasse isso".
Essa atitude pode ser explicada por uma combinação de fatores psicológicos, sociais e políticos, como a identificação emocional com o líder, a busca por pertencimento a um grupo ou ainda a insatisfação com o status quo. Ainda assim, deve-se tentar resistir ao impulso e não seguir cegamente qualquer recomendação do seu político favorito.
Apesar de ser de difícil quantificação, as palavras de políticos muitas vezes têm repercussões concretas na vida das pessoas. O estudo sobre os discursos de Bolsonaro destaca a urgência de mais pesquisas para entender o efeito nocivo de falas populistas e polarizantes em todo o espectro político e ideológico.
Quem sabe, assim, a percepção sobre a necessidade de manter uma postura crítica em relação aos governantes possa se tornar menos dependente das preferências e paixões eleitorais do momento.
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