Acaba de ser publicado, no terceiro fascículo de 2023 da Revista Brasileira de Economia, o artigo "Reestimativa do crescimento do PIB brasileiro de 1900 até 1980", de Edmar Bacha, Guilherme Tombolo e Flávio Versiani.
Me parece o artigo de história econômica brasileira mais importante das últimas décadas. Ele altera profundamente a maneira como entendemos a experiência de crescimento do Brasil nos séculos 20 e 21.
No período em que as contas nacionais eram construídas pela FGV (Fundação Getulio Vargas), de 1947 até 1980, uma parte da economia —parcela expressiva dos serviços— não foi incluída. Eram os serviços governamentais e financeiros e os aluguéis. Os três representavam algo como 30% do PIB no período.
A taxa de crescimento do PIB não incluído nas contas nacionais era menor do que a taxa de crescimento dos componentes do PIB incluídos nas contas: agropecuária, indústria, comércio e transportes. Assim, houve superestimativa do crescimento da economia no período. Também encontraram problemas semelhantes para o período anterior de 1900 até 1946.
Muito provavelmente os pesquisadores da FGV nos distantes anos 1940 estavam preocupados com um indicador de atividade de mais fácil mensuração e que acompanhasse melhor o ciclo econômico. A metodologia foi sendo mecanicamente reproduzida e somente alterada quando as contas nacionais passaram para o IBGE, em 1985, compreendendo toda a década de 1980 em diante.
Dado que o crescimento entre 1900 e 1980 foi superestimado e que o nível da economia em 1980 foi corretamente observado, a consequência é que o nível da economia em 1900 está subestimado. O Brasil era menos pobre em 1900 do que se imagina.
Reconstruindo a série para trás a partir de 1980 com as novas taxas corrigidas pelos autores, obtém-se que a economia em 1900 era 80% maior do que se imaginava.
Essa diferença faz sentido? Penso que sim. Se supusermos que esse fator de correção se aplica aos dados históricos de Maddison —base de dados que documenta a evolução do produto per capita para diversos países desde o século 19—, o PIB per capita brasileiro, em vez de ser 11% do PIB per capita americano em 1900, passa a ser 20%.
Segundo os dados de Maddison, o produto per capita da Índia em 1900 —e sempre em comparação com a economia americana— era de 12%, o da Bolívia, de 18%, o do México, de 23%, e o da América Latina após a exclusão do Brasil, de 26%.
Muito estranho o Brasil ser levemente mais pobre do que a Índia, 39% mais pobre do que a Bolívia e 52% mais pobre do que o México.
A correção proposta pelos autores do artigo elimina toda as esquisitices. O número brasileiro fica entre o PIB per capita da Bolívia e do México e 67% maior do que o da Índia.
Duas são as maiores consequências da reavaliação dos autores do crescimento brasileiro nas primeiras oito décadas do século 20. Primeira, o crescimento do Brasil entre 1930 e 1980, nas cinco décadas em que vigorou o nacional-desenvolvimentismo, foi menor do que se imaginava. Segunda, o crescimento brasileiro no século 19 deve ter sido melhor do que se pensava.
Com relação ao primeiro ponto, com dados atualmente utilizados, nosso desempenho é muito bom. Segundo a base de dados de Maddison, somente o Japão e a Romênia apresentaram crescimento do PIB per capita superior ao brasileiro nas cinco décadas desenvolvimentistas.
Com os dados corrigidos a partir da revisão de Bacha, Tombolo e Versiani, o PIB per capita cresceu, entre 1930 e 1980, ao ritmo de 2,7% ao ano, em vez de 3,7%. Tivemos a 17ª maior taxa de crescimento do produto per capita entre os 56 países em que há dados na série de Maddison para o período. Um bom desempenho, mas longe de ser espetacular.
Outra consequência é que o crescimento da produtividade no período foi bem menor. O processo de industrialização e urbanização entregou menos do que se imaginava, e o crescimento da produtividade acompanhou o que ocorria no resto do mundo.
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