Em meio à briga com o irmão pela herança do fundador da Casas Bahia, o empresário Michael Klein volta ao berço da gigante varejista com a transferência de seu escritório para São Caetano do Sul (SP), acelera a venda de suas concessionárias no programa de Lula dos carros com desconto e se prepara para entrar no mercado de galpões logísticos na zona leste de São Paulo.
A partir deste mês, já reinstalado no endereço original da Casas Bahia, na região do ABC —onde a varejista nasceu há cerca de 70 anos—, o empresário vai dar início à expansão dos projetos de logística do Grupo CB, holding com 500 funcionários e negócios no ramo imobiliário e 11 concessionárias de veículos das marcas Jaguar Land Rover, Honda, Mitsubishi, Jeep e Mercedes-Benz.
O retorno a São Caetano também representa um desfecho na pretensão que o empresário teve um dia de atuar no setor aéreo. Ele embarcou na aviação depois de vender o controle da Casas Bahia ao Grupo Pão de Açúcar em 2009, quando a rede se juntou ao Ponto Frio para formar a Via Varejo.
Fora do negócio, Michael deixou a cidade natal da varejista em 2018 para se instalar no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, quando sua operação de táxi-aéreo Icon Aviation decolava.
O braço de aviação executiva, entretanto, ficou inviável na pandemia por causa dos custos dolarizados de manutenção das aeronaves e foi vendido em 2021 para outra empresa do setor, a Voar.
"Hoje, quando eu preciso viajar para dentro ou fora do Brasil, eu alugo deles as aeronaves que vendi. Não queríamos mais ter piloto nem nada. Nunca aprendi a pilotar, nunca nem sentei no banco da frente da aeronave. Sempre quis ser passageiro", diz Michael.
Desde então, ele ocupava um escritório com 110 funcionários no bairro de Moema, onde atendeu a reportagem para uma entrevista no fim de julho enquanto a equipe de mudança ainda se preparava para retirar as caixas empilhadas.
Ali ele falou de seu próximo passo empresarial, no bairro da zona leste famoso por abrigar o estádio de seu time de futebol, o Corinthians —uma maquete da arena, que adornava o escritório antigo, foi devidamente transportada para as novas instalações.
O primeiro galpão que lançará, chamado de Itaquera 1, tem 10.000 m2 e investimentos em torno de R$ 50 milhões. Na sequência, há planos para construir outros dois empreendimentos de mesmo porte.
Michael, que já tem operações de logística no município de Cajamar (Grande São Paulo) —conhecido como "a Faria Lima dos galpões", por concentrar alguns dos principais centros de distribuição do comércio online do país—, quer fazer de Itaquera "a Faria Lima dos galpões urbanos".
A vantagem do bairro, diz ele, é que a localização dentro da capital paulista agiliza o chamado "last mile" (do inglês, última milha, que designa a última etapa da entrega, que precisa ser rápida, barata e eficaz).
O empresário prevê ainda iniciar, em março do ano que vem, a terraplanagem de seu segundo galpão em Cajamar, com 800.000 m2 de terreno, 250.000 m2 de área construída e investimento superior a R$ 1 bilhão.
A maior parte da receita do braço imobiliário do Grupo CB ainda tem origem no aluguel de lojas para a Via (dona da Casas Bahia). Mas os novos galpões podem ser locados para outros segmentos, desde alimentos e confecções até eletrônicos, diversificando o faturamento.
Já no setor automotivo, o grupo tem seu portfólio mais voltado às marcas do segmento de luxo, mas também registrou aceleração em parte das vendas com o programa de descontos do governo Lula para os chamados carros populares de até R$ 120 mil.
Ele afirma que as 20 unidades do modelo Jeep Renegade que estavam em estoque nas concessionárias do Grupo CB foram vendidas em dois dias.
Eu não gostaria de comentar sobre política. Todo político quer fazer o melhor. Esse melhor pode demorar para chegar. Vamos esperar os dias melhores. A gente torce para que o governo acerte nas medidas para poder começar a deslanchar
"Demoraria meses para saírem os carros. Depois que foi esticado mais um pouco, recebemos mais 20 carros e também foram vendidos em um prazo muito pequeno. No nosso caso, surtiu efeito positivo", diz.
O empresário evita fazer avaliações mais diretas sobre o primeiro semestre do governo petista.
"Eu não gostaria de comentar sobre política. Todo político quer fazer o melhor. Esse melhor pode demorar para chegar. Vamos esperar os dias melhores. A gente torce para que o governo acerte nas medidas para poder começar a deslanchar", afirma.
Em seu retorno ao antigo edifício da varejista (localizado no endereço que leva o nome de seu pai, rua Samuel Klein), Michael deve ser recebido com incentivos fiscais oferecidos pela Prefeitura de São Caetano. A despeito das boas-vindas, o ambiente que ele encontrará foi modificado pela crise reputacional que atingiu o nome da família nos últimos dois anos.
Em 2021, um grupo de vereadoras de São Caetano fez abaixo-assinado para tentar trocar o nome da rua que homenageia Samuel após a divulgação de diversas reportagens sobre processos judiciais com acusações de crimes sexuais.
Os relatos que abalaram o renome do fundador da Casas Bahia (morto aos 91 anos, em 2014) vieram à tona depois da revelação das acusações de estupro envolvendo o outro filho de Samuel, o caçula Saul, hoje com 69 anos, irmão de Michael (que tem 72 anos).
A tentativa das vereadoras de rebatizar a rua não prosperou, mas a tensão dos Klein ainda deve se prolongar em outras frentes. Na briga entre os irmãos, Saul contesta a divisão da herança bilionária apresentando suspeitas de falsificação de assinaturas do pai em documentos que beneficiaram Michael.
O irmão, por sua vez, nega que tenha havido fraude. Diz que o testamento lavrado teve testemunhas, advogados e escreventes de cartório. "Uma pessoa depois dos 80 anos já não escreve com a mesma firmeza de 10 ou 15 anos antes", afirma Michael.
Cada um escolhe o caminho que quer seguir na vida. Eu resolvi seguir o caminho de formar família. Não é o mesmo que ele optou. Então, ele que arque com as consequências do caminho que resolveu seguir
Em resposta aos laudos grafotécnicos levados pelos advogados de Saul à polícia para pedir a abertura do inquérito, Michael também demandou uma perícia própria das firmas que aparecem em alterações contratuais da Casas Bahia e no testamento.
O resultado obtido por Michael no fim de julho concluiu o oposto, indicando que as assinaturas são autênticas.
Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa de Saul afirma que os advogados estão impedidos de se manifestar publicamente porque a Justiça decretou sigilo no inquérito que apura falsificação de assinaturas em documentos envolvendo o espólio de Samuel Klein.
Em nota, diz também que a defesa de Saul "desconhece a existência do alegado laudo elaborado por Michael Klein".
Não é a primeira vez que Saul questiona a autenticidade de assinaturas em uma disputa judicial. Em 2019, uma mulher processou Saul acusando-o de ter deixado de pagar as parcelas combinadas em um acordo pela prestação de serviços de modelo e cuidadora, mas ele negou, argumentando que desconhecia a existência de tal documento e que jamais havia assinado. Segundo perícia grafotécnica realizada na época, a assinatura que atribuíam a Saul era falsa.
Questionado pela Folha se tem mágoa de Saul por ter levado o sobrenome da família ao noticiário de escândalo sexual, Michael afirma lastimar que o irmão não tenha seguido a trajetória de zelar pelo nome.
"Cada um escolhe o caminho que quer seguir na vida. Eu resolvi seguir o caminho de formar família. Não é o mesmo que ele optou. Então, ele que arque com as consequências do caminho que resolveu seguir", diz Michael.
Além do embate em família, Michael enfrenta disputa com a Via, atualmente em arbitragem, sobre o acordo firmado para o pagamento de passivos trabalhistas antigos.
Desde que reassumiu a posição de principal acionista individual da Via Varejo em 2019, a família Klein (incluindo a irmã de Michael e os filhos do empresário) tem mais de 20% da companhia e hoje seu filho Raphael ocupa uma vaga no conselho de administração.
Na mudança para São Caetano, Michael levou, além da maquete do estádio, o livro que comemorou os cem anos do Corinthians, em 2010, uma edição especial, com mais de 600 páginas em 30 quilos de fotos históricas e homenagens ao time.
Corintiano entusiasmado, o empresário fez questão de mostrar a publicação à reportagem da Folha antes de começar a falar de negócios, da política ou do conflito familiar. Ao abrir a capa, ele exibe o autógrafo do craque Sócrates e avisa, bem-humorado: "Assinatura verdadeira!".
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