Quando a Academia Brasileira de Letras perde um de seus membros, a sessão seguinte ao falecimento se dedica a lembrá-lo com relatos a seu respeito como intelectual e como pessoa. Daí ser chamada Sessão da Saudade. Desde que passei a pertencer à instituição, em março último, o historiador José Murilo de Carvalho, que nos deixou neste domingo (13), é o primeiro confrade que se vai. Mas nossos poucos meses de convívio foram suficientes para que eu compreendesse a razão de chamá-la Sessão da Saudade.
Não é fácil descrever a sensação de se ver privado da companhia de alguém que esperávamos ter ao nosso lado, todas as quintas-feiras, por muitos anos. Sendo ele José Murilo, o vazio é ainda maior. Já não o verei à minha direita, a dois confrades de distância, e, de meu ângulo na bancada, aquele que eu tinha quase de frente. A imagem do homem tímido e modesto que, de posse da palavra, esbanjava conhecimento era marcante.
Em seus livros, José Murilo dissecou com paixão e rigor as engrenagens do Império e da República: o egoísmo das elites, a alienação forçada das massas, o sufocante "poder moderador" dos militares, os obstáculos à cidadania. O estudo da história implica, quase sempre, uma visão otimista do futuro, uma esperança de que os problemas, velhos de séculos, um dia sejam resolvidos.
Mas, já de há alguns anos, José Murilo estava desencantado com o país. "Haverá saída para a situação em que vivemos?", ele perguntou, em 2019, em entrevista ao jornalista e também acadêmico Zuenir Ventura. "Acho muito difícil, com uma marginalidade tão grande, tanta exclusão social, milhões de desempregados, subempregados ou não empregáveis por falta de educação. Não vejo como incorporá-los ao mercado com um crescimento de 1% ou 2% ao ano."
Zé Murilo se foi, mas o Brasil fará melhor se levar em conta o alerta que seu grande historiador nos deixou.
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