Por Beatriz Bulla
09/05/2023 | 23h00
Atualização: 10/05/2023 | 18h34
8 min
de leitura
O valor de manter a Floresta Amazônica em pé é cerca de sete vezes superior ao lucro que pode ser obtido através de diferentes atividades de exploração econômica da região. A informação consta de relatório divulgado nesta terça-feira, 9, pelo Banco Mundial, sobre o desenvolvimento na região da Amazônia Legal. A estimativa considera que a preservação da floresta vale, ao menos, US$ 317 bilhões por ano – o equivalente a R$ 1,5 trilhão.
“Em termos econômicos, o desmatamento é uma enorme destruição de riqueza, ameaça o clima global, ameaça a extraordinária biodiversidade e formas de vida e comunidades tradicionais”, afirma o economista Marek Hanusch, que é líder e coordenador do relatório “Equilíbrio delicado para a Amazônia Legal Brasileira – um memorando econômico”, publicado pela instituição internacional. “Chegamos a um mínimo estimado. É um mínimo de serviços que a Amazônia proporciona”, diz ele sobre a cifra de US$ 317 bilhões anuais.
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No documento, os economistas do Banco Mundial se posicionam de maneira favorável a salvaguardas ambientais estabelecidas no acordo negociado entre União Europeia e Mercosul, criticam incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus e dizem que o aumento de produtividade da economia nacional é o caminho para garantir a preservação ambiental e a melhora das condições de vida da população local.
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A conta do valor da floresta preservado inclui US$ 20 bilhões anuais estimados em serviços ecossistêmicos só na América do Sul – isso considera, por exemplo, as chuvas para agricultura na região. O maior montante vem do papel da região como sumidouro de carbono (calculado em US$ 210 bilhões).
Outros US$ 10 bilhões anuais vêm do chamado “valor de opção”, que é a prospecção associada a inovações farmacêuticas baseadas em recursos genéticos, dada a biodiversidade da floresta. Mais US$ 65 bilhões são calculados para “valor de existência”, que consiste na proteção da cobertura florestal e da biodiversidade por si só. Isso é avaliado por meio de pesquisas amostrais com a população global que medem o valor atribuído à preservação da Floresta Amazônica para gerações futuras. Há ainda US$ 12 bilhões estimados como valores de exploração privada com atividades sustentáveis, no cenário de preservação da floresta. Isso inclui madeira de baixo impacto, produtos não madeireiros e turismo sustentável.
Região da Amazônia Legal abarca nove Estados brasileiros e é maior em área do que a União Europeia
Região da Amazônia Legal abarca nove Estados brasileiros e é maior em área do que a União Europeia Foto: Herton Escobar/Estadão - 07/10/2017
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Os dados, segundo os pesquisadores, foram considerados de maneira conservadora no relatório. A maior parte do valor, ainda de acordo com o estudo, refere-se a um “valor de bem público global”. Segundo o relatório, o desmatamento é uma “redistribuição ineficiente de riquezas públicas para o privado”.
Do outro lado, para o cálculo da exploração da floresta é considerada a hipótese de a área tropical ser eliminada, com substituição por outra atividade, especialmente agropecuária e florestas plantadas – que têm valor de biodiversidade menor. Segundo o documento, o custo de oportunidade total da exploração da floresta, avaliado de forma muito menos conservadora, fica entre US$ 43 bilhões (R$ 215 bilhões) e US$ 98 bilhões (R$ 490 bilhões) por ano.
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Se uma área de 20% a 35% da Amazônia fosse convertida em culturas de alta produtividade ou pastagens, com retorno líquido anual de até US$ 750 por hectare, o valor agrícola total atingiria até US$ 75 bilhões por ano. A estimativa, segundo o próprio relatório, pode estar exagerada.
No caso da extração de madeira não sustentável, a estimativa de lucro anual é de US$ 10 bilhões. Já na atividade de extração mineral, a previsão do valor líquido é de US$ 8 bilhões por ano, nos últimos anos.
Desenvolvimento econômico
“No curto prazo, é crítico ter uma política ambiental muito forte para reduzir o desmatamento. No médio e longo prazos, no entanto, argumentamos que o Brasil e a Amazônia precisam de um modelo de crescimento diferente”, afirma o economista Marek Hanusch.
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O relatório argumenta que o desmatamento é parte do modelo de desenvolvimento do Brasil e da Amazônia Legal. Para conter o desmatamento e propiciar aumento de riqueza para a população da região, segundo os pesquisadores, o País tem de mudar seu motor de crescimento, reduzir o foco na expansão da fronteira agrícola, chamado de arco do desmatamento, e aumentar a produtividade dos outros setores: indústria e serviços.
No documento, os pesquisadores sustentam que, quando a produtividade no Brasil cresce, há menos desmatamento na Amazônia Legal, ao comparar a trajetória de ambos de 1996 a 2021.
“Este relatório é sobre a proteção da Floresta Amazônica, que depende fundamentalmente da implementação de políticas ambientais eficazes, e também da garantia de que as pessoas que vivem na floresta possam continuar a melhorar suas vidas. O relatório se pergunta como o Brasil pode promover um equilíbrio tão delicado? A resposta é que não (será) com o modelo atual de desenvolvimento. Porque esse modelo se sustenta da extração insustentável de riquezas da floresta, derrubando-a e convertendo-a em terras agrícolas”, afirma Johannes Zutt, diretor do Banco Mundial para o Brasil.
“Esse modelo contrapõe as pessoas à natureza, destruindo muito mais riquezas do que cria. Esse modelo continua a aproximar a Amazônia de um ponto de inflexão, após o qual a floresta perderá a capacidade de gerar chuvas suficientes para se sustentar e também não oferece muitos benefícios aos 28 milhões de residentes da Amazônia Legal”, afirma Zutt.
A região da Amazônia Legal abarca nove Estados brasileiros, 28 milhões de habitantes e abriga 60% da Floresta Amazônica, além de partes do cerrado e do Pantanal. O território é maior em área do que a União Europeia.
O relatório também destaca que, além de impactos econômicos e políticos ligados ao desmatamento na região, a inação sobre a preservação da floresta “também resulta em progresso social mais lento”.
“Na maioria dos Estados amazônicos, especialmente os mais remotos, a pobreza estagnou ou aumentou nos últimos anos”, aponta o estudo. A região da Amazônia Legal abriga 380 mil indígenas, cujas condições de vida, segundo o Banco Mundial, são piores do que as do restante da população.
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A maioria (76%) das pessoas na Amazônia Legal já vive em áreas urbanas, mas a pobreza rural, segundo o relatório, é mais severa. Em 2019, segundo os dados coletados, praticamente 46% da população pobre que vive em áreas rurais defecava a céu aberto.
“O modelo de desenvolvimento brasileiro e a incapacidade de aumentar produtividade têm impacto no desmatamento na Amazônia Legal. O Brasil precisa aumentar a produtividade. É crítico”, afirma Hanusch.
Estão entre as recomendações feitas pelo banco uma reforma nos incentivos à agricultura extensiva, com alteração tributária e no crédito rural. Também é apontada a necessidade de fortalecimento da fiscalização na região da Amazônia Legal, da bioeconomia e da proteção social na região.
O Banco Mundial avalia haver oportunidades para financiar a preservação da Amazônia através de doações, financiamento de instituições internacionais, instituições domésticas, da implementação de um mercado de carbono e de títulos verdes (green bonds).
Acordo UE-Mercosul
Os economistas do Banco Mundial alegam que acordos comerciais podem gerar riscos maiores para o desmatamento na área da Amazônia. Ao tratar especificamente do acordo entre União Europeia e Mercosul, os pesquisadores responsáveis defendem “salvaguardas ambientais”, que são estabelecidas pelos europeus.
“Várias salvaguardas ambientais destinam-se a reduzir os impactos desse acesso aprimorado ao mercado sobre o desmatamento”, diz o relatório, que sustenta ainda que “os efeitos dessas salvaguardas variam conforme o caso: é importante que elas sejam implementadas e aplicadas adequadamente”.
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“Os acordos comerciais que incluem a liberalização agrícola continuarão a representar um risco para a conservação das florestas da Amazônia até que a maturidade econômica e institucional esteja suficientemente avançada”, sustenta o Banco Mundial.
O acordo de livre comércio entre os dois blocos foi firmado em junho de 2019, depois de duas décadas de negociação. A conclusão completa do texto ficou travada nos últimos anos, pois os europeus resistiam em tratar com o governo Jair Bolsonaro, diante da piora nos índices de desmatamento na Amazônia.
Os sinais de boa vontade dos dois lados para tirar o acerto do papel foram dados no início deste ano, com o estabelecimento de um cronograma para encerrar até julho todas as pendências. Em março, no entanto, a União Europeia enviou ao Mercosul um protocolo adicional, com novas condicionantes no campo ambiental. O movimento foi considerado “desbalanceado” por Brasília. O Mercosul ainda deve apresentar, ainda neste mês, uma resposta sobre o tema para a União Europeia.
Marek Hanusch afirma que a liberalização comercial tem impacto no uso da terra, mas diz que o ganho de competitividade com um acordo pode compensar eventuais riscos ambientais – se houver uma política rigorosa de combate ao desmatamento em vigor.
“Se um país ou região se abre para commodities agrícolas brasileiras vai, tecnicamente, aumentar a demanda por produção agrícola e aumentar a demanda por uso de terra agrícola. Esses são precisamente os mecanismos que aumentam o desmatamento. Se tivermos uma política de proteção ambiental muito forte, isso não será um grande problema, porque o desmatamento será contido”, afirma.
Ele também diz que a exigência de certificação dos produtos exportados é uma forma de evitar o consumo de produtos fruto de desmatamento. No mês passado, o Parlamento Europeu aprovou, com ampla maioria, uma legislação que impede que produtos oriundos de áreas florestais que foram desmatadas a partir de 1º de janeiro de 2021 sejam vendidos nos 27 países que integram a União Europeia. A nova regra será aplicada para importação de gado, café, cacau, soja, madeira, borracha, óleo de palma e derivados, como couro, móveis de madeira, carvão e papel impresso.
“Combinar liberalização da produção agrícola e a abertura comercial pode, eventualmente, promover aumento de produtividade e, na média, reduzir o desmatamento”, diz Hanusch.
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