Serei tão assertivo quanto possível: ser "assertivo" não tem nada a ver com estar certo. É possível ser assertivo e errar feio: "Com base no exame de todas as evidências científicas disponíveis, afirmo sem medo de errar que a Terra é plana!". Assertividade 10, acerto 0.
Se você gosta de acertar no uso da linguagem, essa confusão —que no limite leva ao delírio da grafia "acertivo"– é uma das maiores cascas de banana disponíveis no vocabulário do português brasileiro neste século. Limito o problema às últimas décadas, porque há evidências de que ele não existia antes disso –ou, se existia, era marginal.
Não que assertivo seja uma palavra nova. Derivada do latim "assertum" (asserção, afirmação), ela andava por aí desde o século 16 com o sentido de "afirmativo". É verdade que tinha uso restrito nesse papel de adjetivo, ocorrendo um pouco mais na forma substantiva feminina "assertiva", isto é, asserção, afirmação: "Sua assertiva sobre a Terra plana é uma estupidez!".
Bem mais tarde, por extensão de sentido, assertivo veio a ganhar no vocabulário da psicologia uma acepção derivada daquela: a de alguém "que demonstra segurança, decisão e firmeza nas atitudes e palavras" (Houaiss). Pronto, estava montado o cenário para o mal-entendido.
Primeiro, contudo, foi necessário que a linguagem corporativa —e em especial a vasta literatura best-seller sobre liderança— transformasse assertividade numa palavra-fetiche, qualidade preciosa e polivalente sem a qual gestor algum consegue chupar nem um picolé, muito menos liderar uma equipe.
Para isso contribuiu de modo decisivo, e sem surpresa alguma, a influência da língua inglesa, principal motor da criação de novos usos, sentidos e modismos linguísticos no ambiente corporativo (um tema ao qual a coluna está sempre voltando, mas o que eu posso fazer?).
Vieram do inglês tanto a valorização de uma palavra que se mantivera discreta por muitos séculos em nossa língua quanto sua explosão numa nuvem de sentidos intensamente positivos. Isso se deve em parte ao fato de assertivo trazer da língua de Elon Musk uma nova e decisiva camada semântica.
É que "assertive" tinha passado a acumular por lá uma acepção herdada de "self-assertive" (autoafirmativo, ou seja, que se impõe): a de alguém que "reafirma seus direitos ou sua autoridade".
Foi assim que, além de firmeza, segurança e decisão em atitudes e palavras, o pacote de excelentes qualidades associadas à pessoa assertiva passou a incluir a crença no próprio valor, a capacidade de exercer sua autoridade e o desassombro para lutar pelo que acredita lhe ser devido.
Sim, o excesso de sentidos não mente: estamos diante de uma palavra-ônibus, como bacana ou legal —ou algo bem próximo disso. Assertividade passou a ser tudo de bom.
Daí a acreditar que ser assertivo significa estar certo vai uma distância curta, bem fácil de pavimentar com as pedras da ignorância ortográfica e da anglofilia bocó.
Ah, sim: a linguística ensina que o erro de hoje é o acerto de amanhã, certo? Bem, é verdade que ninguém pode fazer nada para evitar a consagração de um uso que o conjunto dos falantes decida abraçar, mesmo se esse uso estiver baseado num rotundo equívoco de interpretação. A história das línguas está cheia de casos assim.
No entanto, enquanto o uso equivocado é de poucos, o direito de não pagar mico pode e deve ser exercido com a maior assertividade.
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