quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Mineração: governo entre intenção e gesto, FSP

 De um dia para o outro, o Brasil parece ter acordado sobre um solo impregnado dos minerais mais cobiçados pelas grandes economias do mundo, todas dispostas a se engalfinhar por um quinhão de substâncias que dão origem a baterias de carros elétricos, celulares, turbinas de avião e chips de inteligência artificial.

Inclinado a fazer com que o país deixe de ser apenas um almoxarifado mineral, o governo Lula dá sinais de que pretende transformar a "descoberta" dos minerais críticos em oportunidade de industrialização.

Lula disse que é preciso aproveitar "essas riquezas que Deus nos deu" e exigir seu beneficiamento no Brasil, "ou vamos ver os países de sempre cavarem buracos no nosso país, levarem o nosso minério, e a gente ficar com a fome e com a pobreza".

É fato, e funciona assim há mais de cinco séculos. Essa mudança, porém, não vai passar de mais um empilhamento de palavras se o próprio governo não der o tratamento justo ao assunto.

Mais crítico que os minérios é o cenário encarado todos os dias pelo órgão que fiscaliza aqueles que cavam os buracos pelo país, a ANM (Agência Nacional de Mineração).

Não há dinheiro para o básico. Sem recurso para pagar uma conta de R$ 500 mil por mês e manter seu sistema de combate à sonegação de impostos, a ANM alertou o governo que os cofres públicos correm o risco de perder até R$ 5 bilhões por ano em arrecadação dos royalties.

exploração predatória do setor mineral sempre drenou as riquezas do país. Sem fiscalização, essa farra fica ainda maior. O Tribunal de Contas da União mostrou que, nos últimos anos, 40% dos pagamentos de royalties minerais têm sinais de sonegação.

Mina de lítio no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais - Caio Guatelli - 23.ago.24/Folhapress

A volúpia atual em torno do "novo petróleo" fez o governo anunciar "grupos de trabalho" para estudar o eldorado dos minerais críticos. Uma divisão para lidar com o assunto foi criada dentro da ANM. São sinais de reação.

A verdade, porém, é que as turmas do cobalto, do lítio e das terras-raras pouco poderão fazer se, na prática, o local onde atuam continuar preocupado em contar moedas para pagar o aluguel do mês seguinte.

Até mesmo a fiscalização de barragens de rejeito, como as de Brumadinho e Mariana, está comprometida país afora, por falta de verba. Numa vala dessas, fica difícil acreditar na instalação de grandes plantas industriais de germânio e grafite para montar baterias e placas de satélite.

No mais, o país ainda precisa conhecer melhor o próprio solo. O Ministério de Minas e Energia sabe que, atualmente, apenas 27% do território nacional possuem um mapeamento em escala detalhada sobre seu potencial mineral efetivo.

O governo desenha um futuro brilhante para os minerais críticos, enquanto sua agência se vê enterrada em mais de 96 mil áreas minerais conhecidas, mas que estão paradas e sem atividade, porque não têm capacidade de lidar com esse estoque.

O buraco é mais embaixo.

105 colunas - Samuel Wainer questionou quem falhou em 1954: Vargas ou o povo, FSP

 Vinte e cinco anos depois, Samuel Wainer ainda se perguntava: quem falhou em 24 de agosto de 1954? Getúlio Vargas, que apertou o gatilho, ou o povo, que não lhe transmitiu "a mensagem de resistência à luta"?

O jornalista, fundador do jornal Última Hora e amigo próximo de Vargas, escreveu em crônica publicada na Folha, nos anos 1979, sobre os dias que antecederam o suicídio do presidente. E lembrou que o clima de tragédia já estava presente desde a campanha de 1950.

O jornalista Samuel Wainer - 1980/Folhapress

"Se for para o bem do povo, levai-me convosco", exclamou Getúlio ao aceitar a candidatura. E alertou sobre "os perigos e as ameaças que rondavam a sua porta", aventando "o sacrifício eventual de sua própria vida".

Wainer relatou um episódio revelador em Natal (RN), durante a campanha. Quando recebeu um telegrama de Assis Chateaubriand perguntando sobre um suposto atentado, Getúlio ditou pessoalmente a resposta: "Se atentado houvera, só poderia ser por excesso de amor popular".

Eleito com quase 50% dos votos, Vargas tentou um ministério de união nacional. "De nada adiantou essa estratégia conciliatória", escreveu Wainer. A oposição crescia: empresários, militares ressentidos pela deposição de 1945, interesses internacionais temerosos do nacionalismo getulista.

O jornalista terminou com a pergunta que não calava: "Falhou Getúlio, que jamais fora o líder revolucionário que seus adversários procuravam tendenciosamente pintar? Ou falhou o povo, que não soube lhe transmitir a mensagem de resistência à luta?"

Leia a seguir o texto completo, parte da seção 105 Colunas de Grande Repercussão, que relembra crônicas que fizeram história na Folha. A iniciativa integra as comemorações dos 105 anos do jornal, em fevereiro de 2026.

24 de agosto de 1954: falhou Getúlio ou falhou o povo? (24/11/1979)

Quem teve o privilégio de acompanhar de perto o retorno de Getúlio Vargas ao poder, em 1950, sentiu frequentemente o clima de tragédia que acompanhava a marcha do reencontro do ex-ditador com o povo do seu País. No seu patético discurso de aceitação da candidatura à sucessão do general Dutra, por volta de junho de 1950, Getúlio pintou em cores sombrias os dias que o aguardavam. "Se for para o bem do povo — exclamou ele — levai-me convosco". Mas alertou seus correligionários e amigos para os perigos e as ameaças que rondavam a sua porta. E aventou mesmo o sacrifício eventual de sua própria vida, exposta à sanha dos que temiam um eventual revanchismo na sua retomada do poder pelo voto democrático.

Não foi, aliás, sem razão que sua família, especialmente Alzira, sua filha mais atuante politicamente, procurou afastá-lo do desafio que o esperava nas urnas.

Mas, em vão. O crescente clamor nacional do "queremismo", a extensão cada vez mais espalhada do "Ele voltará", acabaram por quebrar as resistências de Getúlio. Provavelmente, a possibilidade de seu mito populista ser absorvido por alguém que ele não considerava digno de herdá-lo — no caso, em especial, Ademar de Barros — também teria influído na sua decisão de reiniciar a sua grande jornada, iniciada em 30, reformulada em 37 e cortada em 45. Mas, sem dúvida, foi seu sentimento de compromisso com o povo e sua convicção de que o povo não lhe falharia mais que pesou definitivamente na sua decisão.

"ATENTADO? SÓ POR EXCESSO DE AMOR"

A esse propósito, recorda-se o repórter de um episódio ocorrido em julho de 50, que marca significativamente os laços emocionais que prendiam Vargas ao povo. Estávamos em Natal, em plena campanha eleitoral. As avassaladoras multidões que percorriam o chão calcinado e seco do Norte ao encontro de Getúlio vinham num crescendo incontrolável à medida que a caravana avançava mais para o Sul. Em certos momentos, o transbordamento passional daquelas multidões fanatizadas, como que tomadas pela presença hipnótica do grande caudilho, faziam lembrar a figura de Gandhi e seu fascínio sobre as massas hindus; tão parecidas fisicamente com o nosso nordestino.

Essa quase apocalíptica explosão de sentimento popular em torno de Getúlio acabaria por chegar ao Sul. Estranhamente ali continuava prevalecendo a convicção de que a máquina oficial eleitoral do PSD, mais uma vez fortalecida pela divisão da classe média que optava, em sua maioria, pelo brigadeiro Eduardo Gomes, acabaria dando a vitória ao seu inexpressivo candidato, o mineiro Cristiano Machado.

Nessa oportunidade, este repórter recebeu um telegrama urgente de Assis Chateaubriand, o todo poderoso comandante dos "Diários Associados", para os quais fazia a cobertura da campanha de Getúlio. Pedia Chateaubriand confirmação ou desmentido de que teria ocorrido no capital do Rio Grande do Norte um atentado contra a vida de Getúlio Vargas. Mas, este, ao ler o despacho, ditou pessoalmente a sua resposta: "Informe o Assis, de que não houve atentado algum. Mas se atentado houvera, só poderia ser por excesso de amor popular".

Carregado nos braços do povo, eleito por quase 50% do povo, enquanto os outros 50% pulverizavam-se entre o brigadeiro Eduardo Gomes, Cristiano Machado e votos nulos e em branco. Getúlio sabia que não poderia contar com a tolerância e a compreensão de seus velhos adversários. E aos quais agora se aliavam novos e poderosos interesses monopolistas internacionais, temerosos da linha nacionalista e de justiça social que Vargas havia prometido na sua campanha.

A criação de Volta Redonda e a nacionalização das riquezas minerais do subsolo, a primeira em 42 e a segunda ainda em 1939, faziam temer justamente uma extensão menos controlável das tendências emancipacionistas de Getúlio. Além do mais, o fato de ser candidato oficial do PTB atraía contra ele a feroz oposição dos grupos empresariais mais conservadores do País, especialmente os da área do comércio. Finalmente, o surgimento do peronismo na Argentina, em plena ascensão nos anos iniciais da década de 50, contribuía para aliar com seu "justicialismo" que Perón dizia inspirado em Vargas, as inquietações das classes dirigentes menos esclarecidas do Brasil. Que não hesitaram, como pôde comprovar a UDN, em tentar sob sofismas jurídicos, mais absurdos inclusive do que tentaram abolir a impossibilidade de reconhecimento da vitória eleitoral de Getúlio.

AMPLIA-SE A FRENTE ANTI–VARGAS

Finalmente, não deve ser minimizada larga parcela das Forças Armadas que, depois de conspirar contra Getúlio Vargas durante largos anos, conseguiu finalmente sua deposição em 1945.

A exacerbada oposição civil naturalmente não deixou de capitalizar ressentimentos militares nascidos pela volta de um homem por eles deposto. Volta que era explorada como uma humilhação e uma revanche contra os vitoriosos de 29 de outubro de 45. A frente anti–Vargas se consolidava e ampliava suas ambições.

Assim, depois da posse de Getúlio, que representou um doloroso parto político, partiu ele à busca da consolidação do seu governo. E constituiu como meta um ministério de união nacional. Dele faziam parte o PSD, representado por homens como Horácio Lafer; a UDN, por dirigentes como João Cleofas, mitos nacionais como Osvaldo Aranha. E naturalmente homens do PTB, além de franco atiradores como Simões Filho, o todo poderoso dono de "A Tarde", da Bahia, e Ricardo Jafet, o industrial e financista mais chegado a Ademar de Barros, o líder do PSP.

De nada adiantou essa estratégia conciliatória de Getúlio. Talvez tenha sido até mesmo prejudicial, enfraquecendo a sua autoridade e debilitando os seus laços com o povo. Além do mais, durante 15 anos de poder contínuo, ora como ditador, ora como presidente, indiretamente eleito pelo Congresso em 34, novamente como ditador em 37 e finalmente como presidente, esmagadoramente consagrado pelo eleitorado em 50, Getúlio deixou em sua esteira ódios e apoios incandescentes.

Mas, os que conheciam a sua ação e o seu pensamento, sabiam que ele era um homem tranquilo. A sua maneira, tão contraditória e imprevisível quanto a própria natureza do povo que o idolatrava, Getúlio parecia ter consciência de que apesar dos zig-zags de sua ascensão, queda e retorno ao poder ele nunca se afastara dos rumos que o levaram a chefiar a primeira revolução popular do Brasil. Algumas vezes mencionava a Revolução Mexicana de 1910, a primeira revolução popular deste século. E não escondia certo desdém pelo precipício do autoritarismo e o monopólio partidário que enterrou num passado obscuro; sem glória, nem culto, os verdadeiros heróis populares da derrubada da oligarquia feudal e clerical mexicana, os Pancho Villa e Zapatas.

FALHOU GETÚLIO OU FALHOU O POVO?

Getúlio, nos raros momentos de confidência que concedia aos que o cercavam, deixava transparecer que sua decisão de retornar ao poder, em 50, era um corolário lógico dos compromissos que o levaram a chefiar a Revolução de 30. E cuja bandeira politicamente reformista, socialmente progressista e anticolonialista economicamente, ele desejaria manter em suas mãos até o fim de seus dias.

Assim, quando a tempestade que não lhe deu uma noite de paz desde que voltou ao poder assumiu as proporções de avalanche em fins de 1953, Getúlio não pareceu surpreendido.

São hoje amplamente divulgadas algumas de suas frases no apogeu da campanha que a grande frente nacional anti-getulista, com a UDN no comando de Carlos Lacerda na sua linha de frente, conseguiram levar ao ponto de uma aparente iminente insurreição armada.

"O tiro no Lacerda é uma punhalada nas minhas costas", disse Getúlio quando soube do atentado da rua Toneleros, em que tombou morto o Major Rubens Vaz. "Quando eles tomarem assento à mesa do banquete, puxarei a toalha"; foi seu malicioso comentário quando sua deposição já parecia inevitável. Comentário feito horas antes do tiro fatal no seu coração, às 8h25 de uma manhã cinzenta de agosto de 54.

Chegamos finalmente a uma etapa em que interpretações e comentários pela era getuliana vêm finalmente despertando nos nossos atuais círculos de ciência política do conviver com Getúlio desde 1949, em seu auto-isolamento na Fazenda do Itu, até o dia de sua morte no Palácio do Catete, limitou-se a oferecer aqui apenas algumas informações objetivas sobre acontecimentos concretos que teriam levado Vargas ao suicídio. Espero que sejam úteis ao debate.

Sobre uma pergunta, cuja resposta o repórter sobre que a ciência política procure: O que falhou na ação getuliana pós-1950, que o levou ao mais dramático holocausto da história latino-americana depois do massacre heróico de Salvador Allende?

Falhou Getúlio, que jamais fora o líder revolucionário que seus adversários procuravam tendenciosamente pintar? Ou teria ele apenas um reformista conservador, incapaz portanto de operar, em 24 de agosto, o "botão" que levaria o País inevitavelmente à guerra civil? Ou falhou o povo, que não soube lhe transmitir a mensagem de resistência à luta, como lhe comunicara com tanta intensidade a mensagem de amor e ternura na sua épica jornada eleitoral de 1950?

Gentileza urbana em São Paulo está abaixo da desejada, Vicente Vilardaga - FSP

 Ser gentil é uma virtude. Significa respeitar o próximo e tratá-lo com cortesia e de uma maneira educada. O que vale para as pessoas vale também para a arquitetura e o urbanismo. Na construção de prédios ou em qualquer tipo de obra, a gentileza inclui ações que melhorem a qualidade de vida da população, aproximem o espaço público do privado e agradem os moradores da vizinhança

Infelizmente, a gentileza urbana em São Paulo ainda tem muito a evoluir. A aversão aos pobres e os problemas de segurança inibem saltos mais altos. Nas novas obras ainda sobram, por exemplo, muros e grades. Raramente se vê um banco onde um pedestre possa sentar ou um pequeno jardim externo. Além disso, a maioria das fachadas ativas com lojas abertas ao público estão ociosas.

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Escola de inglês no térreo de um prédio perto da estação Vila Madalena do metrô, na zona oeste - Karime Xavier/Folhapress

Plano Diretor de 2014 atenuou o problema com os incentivos para a construção de prédios de uso misto. E falou-se bastante do assunto na revisão do plano, em 2023. O problema, porém, é que várias incorporadoras consideram essa uma questão secundária. Por falta de criatividade, por uma questão de custos ou para aproveitar ao máximo a área do terreno preferem deixar a gentileza de lado.

"A situação melhorou, mas pode melhorar muito mais", diz Fernando Forte, sócio do escritório FGMF. "Nos nossos projetos buscamos sempre aproximar o térreo da rua e integrar os espaços". Ele fala de edifícios com passagens que liguem uma rua a outra e que podem ser utilizadas por qualquer pedestre. Ou de áreas internas de livre acesso que favoreçam um agradável convívio entre os moradores e quem vem de fora.

As galerias do Centro, com mais de 50 anos, são um exemplo de gentileza urbana por permitirem o acesso ao seu interior por transeuntes que querem cortar caminho ou fazer compras e utilizar serviços em suas pequenas lojas. Embora antigas, elas seguem um conceito extremamente moderno. Um caso bem conhecido é o do edifício Copan.

Edifício POD, em Pinheiros
O edifício POD, em Pinheiros, tem vãos de circulação para moradores e acesso público - Fran Parente/Divulgação

As fachadas ativas são outra ideia promissora. Deixam o entorno mais seguro e aproximam o espaço público do privado. O morador pode descer para tomar um café, comprar um chocolate e jantar no outro prédio. Qualquer pessoa que estiver passando por ali pode fazer a mesma coisa.

Mas o problema é o preço da locação. Há mais espaços vazios do que ocupados nessas fachadas. Ferro conta que um prédio na rua Pedroso de Morais que seu escritório projetou está com lojas fechadas e valor pedido de aluguel é de R$ 60 mil. Uma amiga sua que tem um bar em frente paga R$ 15 mil.

Outra forma das incorporadoras serem gentis é diminuindo o impacto ambiental das novas obras com menos barulho e lixo e investindo em benefícios para a vizinhança, como cuidar de uma praça no entorno ou recuperar algum equipamento público de uso coletivo. Os moradores das proximidades, também encarados como clientes em potencial, ficam satisfeitos.

A acessibilidade é indicadora de gentileza urbana. Os prédios novos são obrigados por lei a ter equipamentos para as pessoas com deficiência e idosos. Mas os antigos estão pouco preparados, assim como a cidade em geral, que ainda tem um longo caminho a percorrer para se tornar acessível.

Segundo Forte, a avenida Luiz Carlos Berrini pode ser considerada um caso clássico de falta de gentileza. Com prédios sem jardins, bancos para sentar e fachadas ativas ele se torna um deserto nos fins de semana, vira uma espécie de cidade fantasma.

Pode-se dizer que a situação hoje é menos crítica do que já foi. Mas a maioria dos prédios ainda são verdadeiras fortalezas cercadas de muros e grades e sem conexão com o espaço público. O que não falta é grosseria urbana. A rua ainda é uma ameaça.