quarta-feira, 30 de abril de 2025

O espetáculo da decomposição: Bolsonaro aposta na morbidez e gera repulsa, Wilson Gomes, FSP

 Que Bolsonaro é um personagem que se representa em dois registros performáticos, alternados conforme a conveniência, é algo que venho afirmando há anos. Há, de um lado, o modo valentão, arruaceiro, irreverente e afrontoso, que serve bem ao vitalismo de quem aprecia líderes autoritários, fortes e que se impõem. Mas há também a chave oposta: a do coitadinho, da vítima, do perseguido e do sofredor, que exige comoção e compaixão —acompanhadas, naturalmente, de um sentimento de revolta contra quem lhe teria infligido tamanha injustiça.

Os dois modos se sucedem em circuito contínuo, sempre nesta sequência: primeiro, a bravata, o insulto, a ameaça expelida em nuvens de perdigotos, a exibição da coragem viril; depois, caso algo dê errado, o ator troca a máscara e reaparece coberto de dores e tormentos, lágrimas nos olhos ou expressão resignada, clamando por solidariedade dos seus diante do cerco de inimigos implacáveis.

Se reuníssemos todos os cortes de vídeos em que Bolsonaro —antes e depois de ungido como o "Davi do antipetismo"— afronta, pisa, xinga, grita, lacra, desafia e ameaça, teríamos um longa-metragem de dimensões consideráveis. Foi com esse personagem que ele se transformou no "mito" de uma geração que glorifica a irreverência, o politicamente incorreto, a afirmação brutal da pulsão de vida e, sobretudo, o próprio ressentimento.

Por outro lado, tampouco faltam cenas de choro compulsivo, denúncias de perseguição pelo "sistema", exibição das chagas físicas e alegações constantes de ser uma vítima permanente e injustiçada.

Calhou agora de testemunharmos uma nova performance do modo "coitadinho", depois de termos assistido, até em live hospitalar, a encenações recentes do modo "machão". Desta vez, com especial insistência na exibição do corpo da pobre vítima internada, retalhada e agonizante: não mais o "físico de atleta" e a imodesta glorificação das próprias habilidades militares, mas a exposição quase obscena de cicatrizes feias e assimétricas, de um corpo surrado, cortado e disforme, coberto de hematomas e drenos —a imagem de um homem prostrado e vencido.

Nem os sinais habituais de otimismo —típicos da liturgia digital das celebridades internadas, com selfies, mensagens de superação e flores no quarto— comparecem. Não há balões, nem sorriso forçado, nem "joinhas" de esperança. Bolsonaro se exibe —ele mesmo, em suas redes sociais— grotesco, exausto, quase cadavérico. A feiura —do corpo, da imagem e da situação— é buscada, é intencional. A mensagem não é de resistência e superação, mas de martírio e sacrifício. Não é o herói ferido; é o mártir em pleno ato sacrificial.

Sobre uma parede de azulejos de hospital, três pregos, e, de cada prego pende uma máscara de papelão colorida.  De esquerda para direita, a máscara de Frankenstein, logo a de Zé do Caixão e finalmente a de Drácula.  Aguardando penduradas que o seu dono vista uma delas na sua próxima "performance”.
Ariel Severino/Folhapress

Em outros tempos, os dois modos performativos de Bolsonaro eram mais bem controlados por seus roteiristas e diretores de imagem. Agora, algo parece ter escapado da velha arte de construir narrativas e controlar a performance que seu círculo íntimo dominava com habilidade.

Ser "coitadinho" no molde original —ultrajado, mas não vencido, preparando-se para retaliar— é uma coisa. Outra, bem diferente, é encenar uma espécie de Noiva Cadáver política, em que o líder se exibe mutilado, caindo aos pedaços e se decompondo em público. Se o objetivo era provocar compaixão e revolta, Bolsonaro pode ter errado a mão: a sensação provocada é de desconforto e repulsa.

Nas hostes adversárias, alguns enxergam na profusão de imagens hospitalares ecos inconscientes do culto à morte que marcou o franquismo tardio, por exemplo. Mas nada, nos antecedentes da dramaturgia bolsonarista, autoriza essa leitura. O grotesco, o cru e o feio na iconografia de Bolsonaro sempre foram instrumentos para evocar autenticidade e irreverência, jamais para convocar a morbidez ou a celebração da decadência. E o "modo vítima" sempre foi acionado para ativar narrativas de reação e revanche, não para exibir ruína e decomposição. O bolsonarismo sempre foi, nesse sentido, um revanchismo vitalista, não um mórbido decadentismo.

Essa performance de um líder despido e mutilado em um leito de hospital não corresponde ao roteiro original. Os diretores de "Bolsonaro, o filme" sempre souberam usar o vitimismo como motor para novas investidas, exibindo as feridas como provas de resiliência —à maneira de Trump, que, mesmo ferido a bala, convocava o contra-ataque.

Talvez, sem perceber, Bolsonaro tenha inaugurado —em ato— a imagem crepuscular de seu personagem maior: não o mito inviolável, mas um corpo batido pelo tempo e pelas circunstâncias, decompondo-se em público.

Governo dá 48 horas para Youtube, Tiktok e Instagram removerem anúncios de cigarro eletrônico, FSP

 Mariana Brasil

Brasília

A Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) deu 48 horas para que as plataformas YouTube, Instagram, TikTok, Enjoei e Mercado Livre removam conteúdos que promovam ou comercializem cigarros eletrônicos.

As empresas foram notificadas na terça-feira (29) pelo órgão do Ministério da Justiça a excluírem, de imediato, conteúdos vinculados aos cigarros e a outros produtos derivados de tabaco cuja venda é proibida no Brasil.

A iniciativa do CNCP (Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual), colegiado vinculado à Senacon, também pede o reforço os mecanismos de controle para evitar novas publicações desse tipo.

A imagem mostra um fundo de madeira com quatro dispositivos. No topo, há um dispositivo prateado com um bico rosa. Abaixo, estão três vapes da marca ELF BAR, nas cores verde, laranja e roxo, dispostos horizontalmente. Cada vape tem a palavra 'ELF BAR' em destaque na parte frontal.
Plataformas têm 48 horas para remover conteúdo que promova venda de cigarros eletrônicos. - Zanone Fraissat - 15.set.2023/Folhapress

Levantamento validado pelo CNCP identificou 1.822 páginas ou anúncios ilegais relacionados a cigarros eletrônicos nas plataformas notificadas.

O Instagram lidera o ranking, com 1.637 anúncios (88,5%), seguido pelo YouTube, com 123 anúncios (6,6%), e pelo Mercado Livre, com 44 anúncios (2,4%). O TikTok e o Enjoei também foram notificados, embora com menor volume de ocorrências. No toral, as contas dos vendedores e de influenciadores irregulares somam quase 1,5 milhão de inscritos, que são alcançados com essas propagandas.

A comercialização desses dispositivos é proibida Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que veta fabricação, importação, propaganda e venda de cigarros eletrônicos em todo o território nacional.

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A iniciativa se soma a uma série de ações coordenadas pelo CNCP em 2025. No início de abril, a Senacon notificou a plataforma Nuvemshop para remover lojas virtuais que comercializavam ilegalmente pacotes de nicotina, outro produto derivado do tabaco com venda proibida no País.

O combate à pirataria digital e ao comércio de produtos ilícitos é prioridade da Senacon e deve se intensificar. A atuação também faz parte de programas nacionais de enfrentamento ao contrabando e descaminho, reforçando o papel do CNCP como agente de proteção ao consumidor e à saúde pública.

terça-feira, 29 de abril de 2025

Deirdre Nansen McCloskey Todas as nossas liberdades, FSP

Uma jornalista da Folha, Daniela Arcanjo Rodrigues, ao me entrevistar, fez uma pergunta muito boa. Eu não tinha pensado nisso antes, o que mostra como o verdadeiro diálogo é criativo, superando a inteligência artificial. "Por que a ‘liberdade’ se partiu em pedaços?", perguntou-me.

Os direitistas pensam na liberdade apenas em termos econômicos, como coagir as pessoas eticamente, por exemplo, no comportamento religioso ou sexual. Eles consideram o principal objetivo do Estado esmagar o que veem como mau comportamento ético. Ser muçulmano em vez de cristão, por exemplo.

Os esquerdistas, por outro lado, pensam na liberdade em termos exclusivamente pessoais, como coagir as pessoas economicamente, por exemplo, nas licenças profissionais ou nas tarifas sobre produtos estrangeiros. Eles creem que o objetivo principal do Estado é esmagar o que consideram um mau comportamento econômico. Ser uma empresa, em vez de uma instituição beneficente, por exemplo.

Eu faço uma brincadeira sobre esse contraste com duas palavras iniciadas com "b". Nos EUA, os republicanos querem deixar a liberdade florescer na sala de reunião corporativa (boardroom), mas esmagá-la no quarto de dormir (bedroom). Os democratas querem o oposto. Este é o ponto da pergunta da jornalista: como as liberdades se dividiram?

Eu comentei que antes do surgimento do pensamento liberal, nos anos 1700, as palavras "liberty" (libertação) e "freedom" (liberdade) significavam apenas "não escravidão", ou seja, não ser fisicamente coagido por um senhor. Numa época em que todos tinham um senhor, não havia por que fazer distinções entre as formas de liberdade. Se você fosse aprendiz de um mestre carpinteiro, ele poderia surrá-lo por qualquer desobediência a um desejo dele, no trabalho ou na religião. Se fosse uma esposa, seu marido poderia bater em você por descumprir qualquer de seus desejos, sexuais ou econômicos.

Detalhe de 'Negros no fundo do porão', do alemão Johann Moritz Rugendas - Wikimedia Commons

Um sinal da chegada do liberalismo foi o declínio do espancamento pelos senhores. Ele veio lentamente. Na Marinha Real Britânica, o açoitamento de marinheiros foi abolido só em 1879. E, é claro, os maiores triunfos iniciais do pensamento liberal foram o fim da servidão na Rússia (1861) e da escravidão nos EUA (1865) e no Brasil (1888). A relação sexual forçada com a esposa foi legal em todos os estados dos EUA até 1974 e não ilegal em todos até 1983.

Mas as liberdades vieram de forma desigual, o que pode ter causado as divisões. A primeira liberdade na Europa foi religiosa, e só veio em plena forma após o esgotamento total das guerras sangrentas desde 1517 contra tal liberdade. Um passo intermediário foi deixar os reis decidirem —"cuius regio, eius religio", que significa "quem reina define a religião". A intolerância religiosa ainda ecoa no sentimento antijudaico e antimuçulmano, às vezes transformando-se em lei.

O liberalismo essencial pode ser visto então como tendo surgido com a tolerância religiosa. Nos anos 1700, quando a Escócia deixou de ser governada por calvinistas notavelmente intolerantes, veio a liberdade econômica de Smith. E vice-versa. Em Amsterdã, a liberdade econômica implicava liberdade religiosa.

Liberdade é liberdade é liberdade.

Parem de dividi-la.