sexta-feira, 19 de julho de 2024

Segurança pública está capturada pelo debate eleitoral, Alvaro Costa e Silva, FSP

Ricardo Lewandowski disse o óbvio: o atentado contra Trump mostra as consequências negativas de armar a população. A bancada da bala, no entanto, não está nem aí para o ministro da Justiça. Ainda comemora a exclusão de armas de fogo do imposto do pecado, que encarece refrigerantes, mas nada cobra de pistolas.

Uma espécie de incentivo fiscal para os bandidos que se abastecem na compra e venda de material desviado não só de colecionadores, atiradores esportivos e caçadores como de polícias e empresas de segurança.

Rejeitado em diversas pesquisas de opinião e, de certa maneira, com a eleição de Lula, o discurso pró-armamentista do ex-presidente Bolsonaro ("o povo armado jamais será escravizado") continua a dominar o Congresso, segundo uma pesquisa do Instituto Fogo Cruzado.

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, ao lado do presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Aloizio Mercadante, no Palácio do Planalto, em Brasília - Adriano Machado/Reuters

O grupo já se posicionou contra o texto da PEC que amplia a participação do governo federal no combate a facções como PCC Comando Vermelho. O líder da bancada da bala, deputado Alberto Fraga (PL-DF), argumenta que hoje as polícias Civil e Militar dão conta do recado perfeitamente. Ele deve morar em outro Brasil. Um país onde o crime organizado não está em expansão.

A proposta de Lewandowski —que tem resistência dentro do governo e do PT— apresenta dois pontos principais: aumenta as atribuições da PF, que atuaria nas investigações contra grupos de narcotraficantes e de milicianos, como também as da PRF, que deixaria de ser apenas rodoviária e passaria a trabalhar ostensivamente em ferrovias e hidrovias, podendo ser requisitada pelos estados.

Lula quer se reunir com governadores para que, juntos, desenvolvam uma política de segurança pública. Conversa difícil. A discussão corre o risco de ser capturada pelo debate eleitoral, com todos de olho em 2026. A direita não quer perder o argumento de que a esquerda é historicamente incapaz de oferecer uma solução. O medo dá voto.

quinta-feira, 18 de julho de 2024

Sérgio Rodrigues - A era da ignorância vem de longe, FSP

 

Se é possível que a ignorância jamais tenha sido tão influente e orgulhosa de si quanto em nosso tempo, como comprova qualquer breve passeio pelas redes sociais, desfazer nossa ignorância sobre a história da palavra nos leva longe no passado.

Vamos descobrir então que o termo que designa o "estado daquele que não tem conhecimento, cultura, em virtude da falta de estudo, experiência ou prática" (definição do Houaiss) pertence a uma família linguística nobre, com raízes na pré-história e descendentes espalhados pelo mundo.

Convém ir com calma. Ignorância é uma palavra que chegou ao português no século 14, vinda do latim "ignorantia" (falta de conhecimento, ausência de saber), na qual o prefixo indica negação.

A imagem mostra a silhueta de uma cabeça humana feita de palha ou fibras naturais. O fundo é composto por um padrão circular que parece girar, também em tons de palha, criando um efeito visual dinâmico.
Gerd Altmann/Pixabay

O que data da pré-história é o elemento "gno", isto é, conhecer. À medida que os estudos linguísticos dissipavam nossa ignorância ancestral, foi ficando claro que o código genético de "gno" podia ser identificado em línguas tão diversas quanto o russo e o persa, o sânscrito e o grego.

Os linguistas chegaram a essa conclusão juntando caquinhos esparsos para construir a hipótese de uma língua primordial da qual todas essas seriam descendentes —inclusive a nossa. Batizaram aquele caldo linguístico primitivo de protoindo-europeu.

Dito assim, parece simples, mas estamos falando de um longo e cabeçudo processo que, entre os séculos 18 e 19, envolveu estudiosos de diversos países no desenvolvimento do chamado método histórico-comparativo.

A quem quiser saber mais sobre essa fascinante aventura científica, recomendo o livro "Latim em Pó" (Companhia das Letras), de Caetano Galindo. No capítulo "O povo dos cavalos", o autor torna acessível o que é complicado por natureza —em suas palavras, "a história de como um bando de humanistas, dotado apenas de livros (...), elaborou um método revolucionário".

O elemento "gno" é fácil de identificar em outras palavras da língua portuguesa ligadas à ideia de conhecer, como cognição, prognóstico e diagnóstico —ou de desconhecer, como incógnita, agnóstico e ignóbil (o que não é nobre; baixo, vil). Todos esses são vocábulos de credenciais gregas ou romanas.

O fato de o mesmo "gno" ser também nítido no inglês "know" (saber, conhecer), palavra que chegou por caminhos genealógicos muito diferentes, vinda do germânico, é mais uma comprovação da hipótese protoindo-europeia.

No entanto, nem sempre o "gno" se deixa ver tão claramente. Diante do verbo conhecer e do substantivo conhecimento, temos que recorrer ao antepassado latino "cognoscere" (conhecer pelos sentidos) para identificá-lo.

Há casos em que ele se disfarça ainda mais. Como a grafia "gnoscere" (conhecer) caiu em desuso no latim clássico, substituída por "noscere", muitos descendentes do velho "gno" passaram a circular incógnitos por aí.

É o caso, por exemplo, de nobre (de "nobilis", conhecido, ilustre), notícia e noção —sim, essa mesma noção que anda rara no mercado.

E por falar em noção ou na falta dela... A tradução robótica na imprensa não tem volta. Sendo gratuita e instantânea, já ganhou.

Nem por isso vale fazer vista grossa para a degradação linguística, intelectual e anímica que ela provoca na paisagem textual do país —tão grande que não tem sido raro encontrar humanos mais robóticos que os próprios robôs.


André Roncaglia - Sobre memes e justiça tributária, FSP

 Nesta semana, as redes antissociais foram inundadas com memes de Fernando Haddad e sua suposta insaciabilidade tributária. Taxad foi o apelido criado para difamar o Ministro da Fazenda.

Isso não é novidade na carreira de Haddad. Quando era prefeito de São Paulo, a onda era chamá-lo de "Radard", por ter apertado a fiscalização do trânsito selvagem de São Paulo. Um levantamento de 2015 mostrou que menos de 5% dos carros cometeram mais da metade das infrações multadas. A este grupo não interessava ter uma cidade mais segura para pedestres e motoristas.

Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em reunião em Brasília
Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em reunião em Brasília - Andressa Anholete - 3.jul.24/Reuters

Novamente, a campanha caluniosa tenta contaminar a população com insatisfações sentidas por grupos específicos. A agenda de justiça tributária de Haddad sofre ataque da extrema direita, que usa a tática de seu ideólogo, Steve Bannon, de "inundar a zona" (flood the zone) com desinformação. Basta observar a evolução da carga tributária nos últimos anos. Ajudado pela grande inflação pós-pandemia, pela depreciação cambial e pelas receitas polpudas do setor mineral, Paulo Guedes deixou um pico recente de 33,1% de carga tributária. No primeiro ano de Haddad, a carga caiu para 32,4%.

Vale lembrar também que Guedes elevou o imposto sobre cilindro de oxigênio três semanas antes do colapso do sistema de saúde no Amazonas, que causou uma tragédia humanitária no estado; além disso, propôs uma contribuição sobre bens e serviços (CBS) de 12%. A reforma tributária proposta por Haddad terá alíquota de CBS próxima de 8%. Governo Bolsonaro tentou elevar a carga sobre os mais pobres, mas não gerou nenhum meme. Por que será?

Em um post de 2017 no blog do IBRE, meu colega Nelson Barbosa destacou a "amnésia seletiva" de economistas liberais e da imprensa na crítica a ajustes fiscais pelo lado de receita. Grande elevação da carga tributária ocorreu tanto no governo militar —de 16% do PIB em 1963 para 26%, em 1970— quanto no de FHC —de 26% em 1995 para 32% em 2002.

A resposta está na arrecadação sobre rendimentos do capital, que aumentou 21,6% em 2023. Se considerarmos o período janeiro a maio de 2024, esta receita cresceu 25% sobre o mesmo período de 2023. A tributação da renda dos residentes no exterior também subiu 11% em 2023, e 12,4% em 2024.

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Apenas neste ano, a tributação dos fundos exclusivos gerou R$ 12,3 bilhões e a dos fundos offshore, R$ 7,23 bilhões.

Fica evidente que o meme "Taxad" é um protesto das oligarquias brasileiras contra a correção de distorções históricas na tributação da renda dos mais ricos. Esta cloroquina contra a injustiça tributária é uma reação preventiva ao avanço da reforma tributária sobre a renda e o patrimônio. A soma envolvida explica o investimento no anúncio em telão na Times Square em Nova York.

Diferente do teto Temer de gastos, que focava o ajuste fiscal exclusivamente no corte de gastos e era leniente com a receita, o novo arcabouço fiscal distribui o ônus do ajuste entre o crescimento da receita e do PIB, moderação no crescimento dos gastos e queda da taxa de juros (pelo BC). Como qualquer outra regra fiscal, ele tem inconsistências que precisam ser corrigidas com reformas adicionais.

Ao tachar Haddad de Taxad os ricos passam recibo do receio de perder mais desonerações injustas. É hora de cortar na própria carne.