quinta-feira, 18 de julho de 2024

GABRIEL ROSTEY - O estranho litígio pelo Jockey Club, FSP

 

Gabriel Rostey

Criador do podcast Conversas Urbanas, é consultor em política urbana, patrimônio cultural e turismo; ex-membro do Conselho Municipal de Política Urbana de São Paulo e ex-secretário-geral da Associação Preserva São Paulo

Chama atenção a investida do poder municipal contra o Jockey Club de São Paulo: com desdobramentos a serem definidos pela Justiça, os vereadores aprovaram projeto que proíbe corridas de cavalo para apostas na capital paulista. O Jockey argumenta que só o Ministério da Agricultura pode dispor sobre a equideocultura e que a lei municipal não poderia revogar a federal.

Em paralelo, há gigantesca dívida de IPTU do clube com a Prefeitura relativa ao Hipódromo Cidade Jardim, área de 586 mil m², que segundo a gestão municipal chega a R$ 856 milhões. O litígio vai além dos valores e passa por se deve ou não haver a cobrança. Clubes desportivos são isentos, mas a Lei 6989/1966 excetua os locais com poules ou talões de apostas. Disputas judiciais também ocorreram entre o Jockey Club Brasileiro e a Prefeitura do Rio de Janeiro, com decisão do STF favorável ao município em valor superior a R$ 1 bilhão.

O Jockey Club Brasileiro e a Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro - Wang Tiancong/Xinhua

A possibilidade de fim dos páreos abriu questão sobre a posse do terreno: o prefeito Ricardo Nunes (MDB) defende que o Jockey recebeu a área da Companhia City para o turfe, e que em não havendo mais tal atividade a posse seria automaticamente da Prefeitura. Porém a matrícula do imóvel prevê que essa transferência só ocorreria com a dissolução do clube.

O que causa estranheza são os detalhes: no dia seguinte à aprovação da lei, Milton Leite (União Brasil), presidente da Câmara Municipal, disse que "iria lá com a polícia" caso seguissem as competições, quando ainda eram previstos 180 dias até a suspensão. E ameaçou: "é bom que o Jockey Club e outros comecem a preparar outro destino, outro endereço, porque aquilo é da prefeitura. E queremos tomar posse". A suspeição cresceu quando poucos dias depois a Câmara liberou a construção de prédios e atividade comercial em quadras vizinhas ao hipódromo.

Seria excelente aquele espaço transformado em área verde de visitação pública permanente, com potencial para se aproximar do rio Pinheiros, com a derrubada do muro e uma alternativa aos veículos naquele trecho da marginal Pinheiros, como defendido pelo paisagista Ricardo Cardim. Entretanto, um hipódromo também é importante para São Paulo, não só para contestadas corridas de cavalo –ora permitidas praticamente no mundo todo—, mas também para shows, eventos e adaptação para o ciclismo, como no Hipódromo de Longchamps, em Paris.

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É incongruente proibir apostas em corridas de cavalo bem quando o país regulamenta as apostas esportivas e analisa a legalização de jogos de azar como bingo e cassino. Se a motivação é a causa animal, por que o foco exclusivo no turfe, enquanto o hipismo da Hípica Paulista passa despercebido?

Pova de salto na Sociedade Hípica Paulista, em São Paulo - Moacyr Lopes Júnior - 21.mai.07/Folhapress

Em duelo de narrativas, o Jockey contra-ataca dizendo que a prefeitura quer desapropriar o hipódromo para especulação imobiliária. Desde o ano passado, o plano diretor prevê que a área se torne um parque, o que torna virtualmente impossível que uma vez em posse da prefeitura, qualquer parte seja destinada ao setor imobiliário.

É necessário que fiquem claras as intenções para a área, mesmo com parceria público-privada, como no suspenso Plano de Intervenção Urbana (PIU) Jockey Club, de 2017. O atropelo estatal pode condenar instituição quase sesquicentenária, e nem um sonhado parque valida atalhos para se apossar da área do Jockey; este, por sua vez, tampouco pode se eximir indefinidamente das obrigações tributárias.

Há interesses convergentes que devem prevalecer ao confronto.

Novo 'supertênis' quer transformar a indústria de calçados esportivos, FSP

 Vanessa Friedman

THE NEW YORK TIMES

Assim que Hellen Obiri, a corredora de longa distância do Quênia e medalhista olímpica de prata duas vezes, assumir sua posição na linha de largada da maratona olímpica em Paris no próximo mês, ela fará história —embora não pelo motivo que você pode imaginar.

Por causa de seus tênis.

Veja bem, Obiri estará usando o Cloudboom Strike LS, um novo tênis da On, a nova marca suíça fundada em 2010. Mas não se parece com nenhum tênis que alguém já tenha visto.

"Na primeira vez que vi os sapatos, eu disse, 'não'", disse Obiri. "'Não consigo correr com eles.'". Os tênis não tinham cadarços. Eles não tinham um calcanhar —uma placa dura na parte de trás mantinha o pé no lugar. Eles eram feitos de um material estranho, elástico e plástico.

"No vestiário, até meus colegas estavam dizendo, 'é uma piada'", disse Obiri. "Eles estavam dizendo, 'você não pode usar esses sapatos para uma maratona.'"

A imagem mostra um robô industrial manipulando um tênis em um ambiente de laboratório. O robô possui um braço mecânico articulado que segura o tênis, enquanto um homem ao fundo parece estar operando ou monitorando o processo. O ambiente é preenchido com equipamentos e cabos, sugerindo um cenário de alta tecnologia e automação.
Braço robótico nos laboratórios da On em Zurique responsável pela fabricação do Cloudboom Strike LS - On via The New York Times

Mas então ela os experimentou nos treinos. Depois concordou em usá-los na Maratona de Boston em abril. Depois venceu. E então, disse Nils Altrogge, diretor de inovação, tecnologia e pesquisa da On, "ela não queria devolvê-los."

O tênis foi criado a partir de um único monofilamento sintético semitranslúcido com quase um quilômetro de comprimento que foi extrudado por um braço de robô, projetado para se ajustar aos pés de Obiri para ajudá-la a correr da maneira mais eficaz e depois fundido a uma sola de espuma de borracha e fibra de carbono. É chamado de Cloudboom Strike LS —LS significa LightSpray, o nome registrado da tecnologia— e pesa meros 170 gramas, ou cerca de seis onças. Tem 75% menos impacto no meio ambiente do que um tênis tradicional, de acordo com a On. E quando se trata de estilo, tem mais em comum com uma pantufa alienígena do que com qualquer tênis de corrida.

Pense nele como o Tesla do mundo dos tênis. A On espera que o Cloudboom Strike LS tenha o mesmo efeito disruptivo no mercado de tênis que a inovação de Elon Musk teve no mundo dos carros. Se assim for, a On não apenas mudará as convenções de design, mas o modelo de negócios de todo o mercado de tênis.

TÊNIS COM SPRAY GANHAM BRILHO

De vez em quando, o mercado de tênis é reinventado, devido a avanços no design, na tecnologia ou em ambos. Aconteceu em 1979 com o Nike Air Tech e em 1982 com o Air Force 1. Aconteceu com os Adidas Yeezys em 2015. E aconteceu com o Nike Vaporfly e a introdução das placas de carbono em 2017.

A On começou a pensar que poderia mudar o mercado novamente em 2020, quando um dos membros de sua equipe estava na Feira de Design de Milão e viu uma apresentação de um estudante que apresentava um tênis feito com uma pistola de cola quente.

Se isso soa como uma cena do filme infantil "Tá Chovendo Hambúrguer", no qual Flint Lockwood inventa sapatos adesivos de biopolímero elástico em spray (ou até mesmo o vestido em spray da Coperni usado por Bella Hadid na Semana de Moda de Paris em 2022), isso é compreensível. Ao contrário dessas invenções, porém, o Cloudboom Strike LS pode ser facilmente removido e usado novamente.

Avance cinco anos e esse estudante, Johannes Voelchert, é um líder sênior de design conceitual de inovação na On, e o processo que ele iniciou culminou em uma mudança de paradigma.

Imagem de uma corredora cruzando a linha de chegada da 128ª Maratona de Boston. Ela está com os braços levantados em comemoração e usa uma camiseta verde e branca com o nome 'HELLEN' no peito. A linha de chegada é amarela com a palavra 'FINISH' em azul. Duas pessoas seguram uma faixa azul com o texto '128th BOSTON MARATHON' e o logotipo do Bank of America.
Hellen Obiri cruza a linha de chegada na Maratona de Boston - Ziyu Julian Zhu/Xinhua

Em vez dos habituais 150 a 200 componentes de um tênis de corrida, o Cloudboom Strike LS tem apenas sete. Em vez de ser tocado por cerca de 100 pessoas em uma linha de montagem, ele é tocado, em média, por uma. Em vez de ser montado por modeladores, é criado usando princípios de design paramétrico e engenharia computacional.

Em vez de o tecido ser tingido, a cor é adicionada via jato de tinta. Em vez de a produção ser terceirizada para fábricas na Ásia —no caso da On, na Indonésia e no Vietnã— e depois enviada ao redor do mundo, o Cloudboom Strike LS será feito por novas "células de produção" em Zurique e nos outros mercados da On.

Isso significa que o tempo entre a produção e a entrega é muito mais curto. (O Cloudboom Strike LS vai da entressola ao produto final em três minutos.) Também significa que não há desperdício na sala de corte —nenhum material restante ou cola tóxica para ser descartado— e significativamente menos emissões de carbono. Também deve haver menos estoque no final de cada temporada porque o sapato é feito mais próximo da demanda. E como o filamento é um termoplástico, o cabedal pode ser derretido e reutilizado no final da vida útil do calçado.

"É realmente um salto para o futuro quando se trata de fabricação", disse Marc Maurer, co-CEO da On. Quando perguntado sobre as implicações para a cadeia de suprimentos e as pessoas que não serão mais necessárias, ele disse, essencialmente, que a automação e o reaproveitamento são a história da indústria. Porque o tênis é criado por um robô que foi programado para tecer o filamento de forma mais ou menos densa em diferentes áreas, dependendo da biomecânica do pé e da necessidade de suporte e respirabilidade, a empresa teve que construir as máquinas do zero —uma aposta financeira e filosófica enorme.

"Sempre que você tenta redesenhar fundamentalmente uma indústria, obviamente há custos enormes associados a isso", disse Eric Hullegie, líder sênior de design de conceito de inovação da On.

O desafio é fazer isso valer a pena. "Nós sabemos que o sapato é muito rápido", disse Maurer. "Nós sabemos que é superleve. O que não sabemos é se as pessoas vão gostar."

O EFEITO IPHONE

O Cloudboom Strike LS não é o sapato mais leve do mercado —o Saucony Sinister pesa meros 149 gramas (cerca de cinco onças), o Merrell Vapor Glove 6 pesa 5,5 onças e o Nike ZoomX Streakfly pesa seis onças— mas está entre eles. Ainda assim, os tênis, mais do que qualquer outra peça de equipamento atlético, passaram a representar uma sinalização cool e comunitária. O veredicto popular não é simplesmente performático, mas emocional.

Entre os fãs de tênis, a estranheza, a eficácia e a adoção imediata são sua própria moeda. Um visual bizarro, mas exclusivo, pode funcionar para eles.

"Tivemos um grande debate interno sobre o visual", disse Maurer. "Mas você pega um exemplo como o iPhone e pensa em como eram os telefones antes e como ficaram depois."

Isso soa como arrogância, mas a comparação com o iPhone não é aleatória. O Cloudboom Strike LS não é destinado apenas a atletas de elite, mas a todos. A On pretende levá-lo "de um produto puramente de desempenho para algo que você pode vender em milhões de pares para um consumidor do dia a dia", disse Mauer, acrescentando que seu objetivo era dobrar a receita de 2023, que foi de aproximadamente 1,8 bilhão de francos suíços, nos próximos três anos.

As Olimpíadas serão a estreia global do tênis. Alguns modelos estarão disponíveis comercialmente na época, mas o Cloudboom Strike LS não estará amplamente à venda até o outono, na época da Maratona de Nova York. Custando US$ 330, ele está no topo do mercado de tênis, mais caro do que o Off-White x Nike Air Force 1 ou o Yeezys, embora significativamente menos que tênis da moda, que podem custar cerca de US$ 1.100, por exemplo, no caso dos tênis Balenciaga.

Ele também é um tênis para corridas de rua, não apenas para a pista. O plano é expandir a tecnologia para tênis especificamente projetados para outros esportes, incluindo tênis. Roger Federer é um investidor na On e um designer de produto colaborador.

Antes disso, no entanto, todos os olhos estarão em Paris —e em Obiri. Ela está animada com seu novo equipamento. "Quando você confia nos tênis, você tem aquela mentalidade, tipo, 'vou correr rápido'", disse ela.

Além disso, disse Ilmarin Heitz, diretor sênior de inovação da On, "a vantagem psicológica de saber 'eu tenho algo que mais ninguém tem' é uma sensação incrível na linha de largada de corridas muito, muito importantes."

Se os sonhos da On se tornarem realidade, não será apenas a vantagem de Obiri por muito tempo.

Não basta prender, é preciso recuperar, FSP

 A pena no Brasil tem uma dupla finalidade: punir e recuperar. Punir é do caráter retributivo da pena, e recuperar é da sua essência.

Nesse caso, quando o sentenciado, após cumprimento de pena privativa de liberdade, sai da prisão pior do que entrou e reincide no crime, significa que a pena não alcançou seu propósito, ocasionando uma enorme perda de tempo e de recursos públicos.

Não por acaso, segundo o anuário Justiça em Números, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), lançado em 2011, o círculo vicioso do "prende e solta" alcança índices de reincidência de 70%.

Presos sentados, com a cabeça abaixada
Lei de Execução Penal visa proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado

Foi esse o contexto que norteou os trabalhos da comissão que se debruçou com afinco na elaboração da Lei de Execução Penal, de 11 de julho de 1984.

Uma lei moderna, inspirada na legislação de países mais avançados em matéria penal, que consagrou direitos e deveres das pessoas presas e garantiu a progressividade de regimes —fechado, semiaberto e aberto.

A legislação regulamenta saídas autorizadas em datas comemorativas para aqueles que se encontram no regime semiaberto e que possuem mérito. Além disso, estabelece outros dispositivos que permitem ao sentenciado progredir gradualmente rumo à liberdade, sempre com vistas a proteger a sociedade.

Entretanto, sob o argumento da inexistência de vagas nas casas de albergados, nos últimos anos, os presos condenados em regime aberto (pena de até 4 anos) são automaticamente beneficiados com a prisão domiciliar, raramente fiscalizada.

Da mesma forma, sob a justificativa absurda da falta de vagas em regime semiaberto em colônias agrícolas, industriais ou similares, diversos estados passaram a substituir a sanção que deveria ser de privação de liberdade (pena de 4 a 8 anos) para regime semiaberto domiciliar.

Em alguns estados, tal regime foi denominado semiaberto harmonizado, o que significa permanecer em casa com uso de tornozeleiras —que além de serem facilmente burladas, indicam no máximo onde a pessoa se encontra, jamais o que ela faz.

Vale registrar que, em diversas comarcas do Brasil, os presos simplesmente vão para casa após a decretação da sentença, dada a inexistência de dispositivos eletrônicos.

Entretanto, existem magistrados e membros do Ministério Público que resistem bravamente ao retrocesso da Lei de Execução Penal, pois sabem que seu cumprimento integral contribui para a recuperação do delinquente, e, por conseguinte, promove a proteção da sociedade. Mas essas vozes se tornam cada vez mais isoladas.

Como se não bastasse, recentemente, deputados e senadores aprovaram a Lei 14.843/2024, valendo-se de um casuísmo. Essa lei extinguiu o instituto das saídas autorizadas, que servia como período de prova para avaliar se o sentenciado estava apto a progredir para um regime mais brando de cumprimento de pena.

Acabou-se de vez a possibilidade de o preso ser reintegrado ao seio da sociedade paulatinamente, em vez do modo abrupto como já vem ocorrendo.

Tudo indica que a decisão dos parlamentares contribuirá tão somente para acelerar o fim do regime semiaberto nas comarcas onde ele ainda é aplicado. Aqueles que acreditavam ter extinguido os 35 dias de saídas autorizadas em família agora passarão a conceder 365 dias de impunidade.

E, mais uma vez, será a comunidade a arcar com os prejuízos.