Chama atenção a investida do poder municipal contra o Jockey Club de São Paulo: com desdobramentos a serem definidos pela Justiça, os vereadores aprovaram projeto que proíbe corridas de cavalo para apostas na capital paulista. O Jockey argumenta que só o Ministério da Agricultura pode dispor sobre a equideocultura e que a lei municipal não poderia revogar a federal.
Em paralelo, há gigantesca dívida de IPTU do clube com a Prefeitura relativa ao Hipódromo Cidade Jardim, área de 586 mil m², que segundo a gestão municipal chega a R$ 856 milhões. O litígio vai além dos valores e passa por se deve ou não haver a cobrança. Clubes desportivos são isentos, mas a Lei 6989/1966 excetua os locais com poules ou talões de apostas. Disputas judiciais também ocorreram entre o Jockey Club Brasileiro e a Prefeitura do Rio de Janeiro, com decisão do STF favorável ao município em valor superior a R$ 1 bilhão.
A possibilidade de fim dos páreos abriu questão sobre a posse do terreno: o prefeito Ricardo Nunes (MDB) defende que o Jockey recebeu a área da Companhia City para o turfe, e que em não havendo mais tal atividade a posse seria automaticamente da Prefeitura. Porém a matrícula do imóvel prevê que essa transferência só ocorreria com a dissolução do clube.
O que causa estranheza são os detalhes: no dia seguinte à aprovação da lei, Milton Leite (União Brasil), presidente da Câmara Municipal, disse que "iria lá com a polícia" caso seguissem as competições, quando ainda eram previstos 180 dias até a suspensão. E ameaçou: "é bom que o Jockey Club e outros comecem a preparar outro destino, outro endereço, porque aquilo é da prefeitura. E queremos tomar posse". A suspeição cresceu quando poucos dias depois a Câmara liberou a construção de prédios e atividade comercial em quadras vizinhas ao hipódromo.
Seria excelente aquele espaço transformado em área verde de visitação pública permanente, com potencial para se aproximar do rio Pinheiros, com a derrubada do muro e uma alternativa aos veículos naquele trecho da marginal Pinheiros, como defendido pelo paisagista Ricardo Cardim. Entretanto, um hipódromo também é importante para São Paulo, não só para contestadas corridas de cavalo –ora permitidas praticamente no mundo todo—, mas também para shows, eventos e adaptação para o ciclismo, como no Hipódromo de Longchamps, em Paris.
É incongruente proibir apostas em corridas de cavalo bem quando o país regulamenta as apostas esportivas e analisa a legalização de jogos de azar como bingo e cassino. Se a motivação é a causa animal, por que o foco exclusivo no turfe, enquanto o hipismo da Hípica Paulista passa despercebido?
Em duelo de narrativas, o Jockey contra-ataca dizendo que a prefeitura quer desapropriar o hipódromo para especulação imobiliária. Desde o ano passado, o plano diretor prevê que a área se torne um parque, o que torna virtualmente impossível que uma vez em posse da prefeitura, qualquer parte seja destinada ao setor imobiliário.
É necessário que fiquem claras as intenções para a área, mesmo com parceria público-privada, como no suspenso Plano de Intervenção Urbana (PIU) Jockey Club, de 2017. O atropelo estatal pode condenar instituição quase sesquicentenária, e nem um sonhado parque valida atalhos para se apossar da área do Jockey; este, por sua vez, tampouco pode se eximir indefinidamente das obrigações tributárias.
Há interesses convergentes que devem prevalecer ao confronto.
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