terça-feira, 16 de maio de 2023

É claro que importa quem é o cientista , Suzana Herculano-Houzel - FSP

 Deixa eu começar dizendo que "o" cientista inclui "a" cientista, como eu. Não vou perder mais linhas do que já perdi apontando essa obviedade, consequência da falta de um artigo neutro na nossa língua.

O Twitter, que eu só uso para saber o que andam fazendo meus pares científicos, andou repassando furiosamente um post do editor-chefe da revista Science, Holden Thorp. O título do post, parafraseado aqui, faz alusão ao que aparentemente "virou" controvérsia: reconhecer que cientistas são pessoas e que, como tais, cometem erros e injustiças e são dadas a vieses e preconceitos. Supostamente, tal reconhecimento enfraquece a "crença na ciência".

Thorp conclui, e eu assino embaixo, que não é a ciência ou o cientista que merecem confiança, e sim o processo científico. A razão é que cientistas são, sim, pessoas, que interpretam dados conforme suas crenças pessoais. Não poderia ser diferente, e a subjetividade da "ciência" é algo que nem inteligência artificial resolve: todo dado é interpretado à luz do contexto ao seu redor. Se o contexto é enviesado, o resultado também será –vide chatbots usando o que aprenderam com o conteúdo da internet para criar "declarações de amor" no mínimo preocupantes ao seu interlocutor humano.

Microscópios no Museu de Memória no Instituto Biológico, em São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

O que existe entre a realidade do mundo e a subjetividade do cientista é o processo científico, este, sim, isento.

Já comparei o fazer ciência (está no meu canal no YouTube) a um jogo de "sim" ou "não", no qual é preciso adivinhar um verbo, objeto ou identidade de uma pessoa fazendo perguntas que admitem só uma dessas duas respostas. As observações que se fazem no caminho, objetos do "sim" ou "não", são os fatos científicos: números, achados, constatações. Isso é o que pertence na seção de "resultados" de um artigo científico, o formato oficial para a documentação do processo científico.

É revelador do processo científico, e da subjetividade da ciência, que o tal artigo científico é muito mais do que apenas a seção que registra a sequência de "sins" e "nãos" dos "resultados". A sequência de perguntas importa, assim como importa a razão de ser das perguntas. Para isso, serve a Introdução do artigo, que expõe o tópico de interesse, apresenta a questão em particular e coloca as perguntas específicas que serão feitas naquela iteração particular d’O Jogo. À Introdução segue-se o Método, que define a abordagem experimental, ou as regras d’O Jogo: como as perguntas foram feitas e como os resultados foram obtidos.

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Aí vem a grande dificuldade para o cientista: separar os Resultados da Interpretação dos Resultados, que deve morar em sua própria seção, chamada Discussão. A regra do processo científico é que os Resultados são o que o cientista observou de fato, enquanto na Discussão a pessoa autora discorre sobre o que ela ACHA que observou.

Convide dez cientistas a relatar os mesmos achados e o resultado serão dez narrativas distintas do mesmo núcleo de fatos. É claro que importa quem é o autor do relato, a começar por quais perguntas lhe são interessantes e importantes. Mas os fatos, ah, estes permanecem: o Real é o que sobrevive às nossas opiniões.


Mulher de chefe de esquema de apostas que movimentou R$ 2 milhões vive reclusa, mas não teme prisão, OESP

 Uma casa pequena de portão branco e paredes vermelhas ladeada de residências semelhantes no bairro Jardim Guairaca, zona leste de São Paulo, abrigava Bruno Lopez Moura, apontado pelo Ministério Público de Goiás (MP-GO) como o líder de uma organização criminosa acusada de manipular jogos do Campeonato Brasileiro das séries A e B de 2022, além de Estaduais deste ano. O chefe do grupo morava no local com sua mulher, Camila Silva da Motta, também denunciada pelo MP-GO por envolvimento no esquema. Enquanto o marido está preso preventivamente, ela vive em casa dias de apreensão com o filho de 5 anos e outros familiares, que falaram sob condição de anonimato com o Estadão.

Embora a investigação do MP aponte Camila como responsável por realizar transferências financeiras a integrantes da organização e “laranjas” e também em benefício de jogadores cooptados, a família não teme que ela seja presa. “A Camila não tem envolvimento nenhum”, sustenta um dos familiares. “Estão falando em lavagem de dinheiro? Cadê o dinheiro? Ela mora de favor na casa”, acrescenta.

Após o envolvimento no que se constitui ser o maior escândalo da história do futebol brasileiro, Camila, contam os familiares, permanece em casa com o filho. Desativou as redes sociais e não se sente confortável para sair da residência. Antes de participar do esquema de apostas, ela trabalhou em duas academias e em um laboratório de análises clínicas. Sua última remuneração com vínculo empregatício, em janeiro de 2019, foi de R$ 856,75.

Agora, ao se envolver com Lopez e o grupo que aliciava e cooptava jogadores para fraudar partidas e ganhar dinheiro com as apostas, ela vai responder por constituir organização criminosa. A pena é de três a oito anos de cadeia. Nas investigações, ela aparece dizendo querer ajudar o marido na operação. Ela fazia então toda a “contabilidade” do esquema, pagando os atletas envolvidos nas manipulações.

Conversa entre Bruno e Camila, apontada como operadora financeira do esquema
Conversa entre Bruno e Camila, apontada como operadora financeira do esquema Foto: Reprodução

BC Sports

Esportes

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O endereço da casa em que mora fica também a sede da empresa da qual Camila é sócia com Bruno, a BC Sports Management. Segundo o Ministério Público, foi por meio dessa firma, aberta em janeiro de 2022, que a mulher do “chefe” do esquema, segundo as apurações, movimentou mais de R$ 2 milhões em pouco tempo. Os jogos contaminados no Brasileirão são da edição do mesmo ano da abertura da empresa.

Camila movimentou mais de R$ 2 milhões em pouco mais de seis meses, de março a setembro de 2022, entre entradas e saídas. Um relatório de inteligência registrou operações em dinheiro vivo, depósitos fracionados, burla de limites a serem reportados e movimentação atípica para a renda declarada por ela, de R$ 4,5 mil.

Em seis meses, foram movimentados na conta da empresa de Bruno e Camila a quantia de R$ 1.036.160,00 a crédito e R$ 1.047.233,00 a débito. Segundo a investigação, Bruno Lopez, seguidas vezes, indicou valores e contas para que a mulher fizesse as transferências bancárias, em conduta que perdurou até a véspera da deflagração da Operação Penalidade Máxima.

Partiu de Camila, por exemplo, uma transferência via PIX de R$ 40 mil que liga o esquema de apostas ao empresário Cleber Vinicius Rocha Antunes da Silva, o Clebinho Fera, de Curitiba, empresário amigo de muitos dos jogadores que atuam na elite do futebol brasileiro.

No nome dela constam três carros, inclusive o utilitário esportivo que Bruno Lopez disse, em depoimento, pertencer a ele. Na calçada em frente à casa de Camila estava estacionado um outro carro que o pai, um policial militar aposentado, deu para a filha. A residência onde ela passa os dias reclusa com o filho, na zona leste, também foi o pai que comprou.

Conversas de WhatsApp mostram que o empresário delegou à mulher a tarefa de fazer os pagamentos pela BC Sports de todo o esquema e também de gerenciar os cadastros usados para fazer entradas de apostas fraudulentas em sites como Bet365 e Betano, duas das principais casas que operam no Brasil. A investigação também concluiu que Camila era a encarregada de dar auxílio na prática das manipulações.

Juliano Spyer - É possível protestar contra o Instagram... pelo Instagram?, FSP

 

Em "Matrix", os habitantes da Terra vivem —sem saber— em uma realidade virtual criada por computadores. Isso acontece para que inteligências artificiais se alimentem com a energia elétrica extraída dos humanos.


Hoje é quase automático interpretar essa obra de ficção como uma profecia. Bilhões de pessoas vivem com a atenção sugada por serviços como Instagram e TikTok. Mas quando "Matrix" foi lançado, em 1999, a internet era o contrário disso: um refúgio para inconformistas debaterem assuntos que, por vários motivos, não cabiam nas TVs e nos jornais.

Nos anos 1960, poucos governos e organizações de grande porte podiam comprar computadores. A Arpanet, a "avó da internet", foi um projeto do Departamento de Estado dos EUA criado para proteger dados estratégicos do país. Essa rede servia para as informações de um computador serem distribuídas entre outros em caso de um ataque por mísseis.

Um dia, início dos anos 1970, um engenheiro instalou um programa para a troca de mensagens no sistema da Arpanet. Originalmente ele servia para a comunicação entre pessoas que usavam a mesma máquina em turnos diferentes, mas, a partir da rede, esse serviço permitiu que grupos de pessoas em lugares diferentes trocassem mensagens. Sim, a internet não foi inventada, ela aconteceu.

O princípio de redes sociais e aplicativos de mensagens é o mesmo do mural online da Arpanet: facilitar a comunicação entre pessoas com interesses em comum. Mas, com a abertura da internet para uso comercial, nos anos 1990, as chamadas big techs gradualmente monopolizaram esse ambiente de convívio e de debate público.

A ilustração de Ariel Severino mostra um homem, de terno e gravata, imerso até a cintura no mar. No lugar da cabeça, um celular com imagem de fogo na tela. Nas mãos uma vara de pesca com quatro linhas. As iscas nos anzóis são quatro celulares com a mesma imagem de fogo. Duas grandes ondas à esquerda o ameaçam. Voando em volta do homem algumas traças.
Ariel Severino

Eu acompanho o tema do abuso de poder dessas empresas há muitos anos, mas senti isso na pele quando Alphabet (Google), Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp) e Telegram usaram seu acesso privilegiado a milhões de brasileiros para defender interesses privados. Elas não querem ser reguladas e, portanto, promovem a ideia de que regulamentação é censura.

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O problema real não é só que empresas podem falar com milhões de pessoas. Dependemos delas para protestar contra elas. Por exemplo, se você leu este artigo na internet, você o leu primeiro pela rede social ou pelo site do jornal? Se eles decidirem, por mecanismos silenciosos, regular o alcance da minha voz: game over.

Essa batalha não é só entre governos e corporações. Há alternativas para você proteger conversas privadas e não alimentar algoritmos que usam seus dados para promover agendas que, em geral, você mesmo desconhece.

O melhor de todos é o Signal, recomendado pelo programador e ativista Edward Snowden. É idêntico ao WhatsApp e ao Telegram, mas infinitamente mais seguro.