terça-feira, 9 de maio de 2023

Sobre o que Michelle fala quando fala em vacina, Juliano Spyer. FSP

 "Hoje a PF fez uma busca e apreensão na nossa casa," escreveu Michelle Bolsonaro em uma rede social na semana passada. "Ficamos sabendo pela imprensa que o motivo era ‘falsificação de cartão de vacina’ do meu marido e de nossa filha Laura. Na minha casa, apenas EU fui vacinada".


A fala chamou a atenção do antropólogo Rodrigo Toniol, da UFRJ, por sugerir que Michelle esteja se descolando da família Bolsonaro. "Dizer que tomou vacina serve para duas coisas: ela afirma que é menos radical que o clã Bolsonaro e sinaliza que cuida de si ‘como uma mulher de família deve fazer’". Para Toniol, que estuda o fenômeno evangélico no Brasil, devemos acompanhar de perto a movimentação política de Michelle.

Sua postura tem sido ambígua em relação a seu futuro. Ela foi decisiva na campanha presidencial em 2022, viajou o Brasil conversando com evangélicas e ajudou a costurar alianças com igrejas. Neste ano, assumiu o cargo de presidente do PL Mulher e seu desempenho em redes sociais vem sendo melhor que o do marido.

Para Bolsonaro, ser casado com uma "crente raiz", admirada especialmente entre pentecostais e neopentecostais, é positivo. Sinaliza a essa audiência que ele está no caminho para se converter e que toma decisões com mais serenidade. Antes resistente à ideia de Michelle se candidatar, hoje ele já admite que ela pode concorrer a uma vaga no Legislativo.

Michelle e Jair Bolsonaro em evento na Assembleia paulista - Carla Carniel - 6.mai.23/Reuters

Mas Toniol registrou mudanças na postura de Michelle desde o fim do mandato do marido. "A facilidade com que ela declara ter tomado vacina agora é radicalmente distinta da resistência anterior. Agora ela tem autonomia para se apresentar com os valores cristãos que ela preza," ele analisa.

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Michelle se vacinou em 2021 para viajar aos EUA e participar de um evento das Nações Unidas. Na ocasião, foi o então presidente que divulgou a decisão: "Minha esposa veio conversar comigo. ‘Tomo ou não tomo a vacina?’. Sabe como é que é esposa, né? Quem tem esposa sabe como é que é. Veio conversar comigo, dei minha opinião para ela. Não vou falar qual foi a opinião. Vou falar o que ela fez: ela tomou a vacina. Ela é maior de idade, tem 39 anos, sabe o que faz".

Ao ouvir essa explicação de Bolsonaro, uma colega de Toniol comentou o fato de Michelle ter se vacinado só no contexto da viagem: "É um caso clássico de relação abusiva. Para fazer o que quer, a mulher precisa sair do território no qual o homem se sente dono".

Agora o governo mudou de mãos. E em tempos de polarização e de fortalecimento do debate sobre costumes, é importante lembrar que, nas periferias, a cara do bolsonarismo é também a cara do evangélico: preto, pobre, periférico e —muito graças a Michelle— feminino.

Colapso e chantagem no transporte ferroviário, Alvaro Costa e Silvam ,FSP

 Uma antiga brincadeira-desafio entre cariocas metidos a sabichões consistia em citar as estações dos ramais ferroviários. Perdia quem pulasse ou esquecesse um nome.

De um lado, Praça da Bandeira, São Cristóvão, Maracanã, Mangueira, São Francisco Xavier, Rocha, Riachuelo, Sampaio, Engenho Novo, Méier, Engenho de Dentro, Piedade, Quintino, Cascadura, Madureira, Oswaldo Cruz, Bento Ribeiro... De outro, Triagem, Jacarezinho, Del Castilho, Cintra Vidal, Tomás Coelho, Cavalcante, Magno, Rocha Miranda, Honório Gurgel, Barros Filho, Costa Barros, Pavuna... De outro ainda, Manguinhos, Bonsucesso, Ramos, Olaria, Penha, Penha Circular, Brás de Pina, Cordovil, Lucas, Vigário Geral... Muitas dessas estações foram desativadas e só existem na memória de um tempo mais eficiente.

Todo o transporte ferroviário do Rio –inaugurado em 1854, com a Estrada de Ferro Dom Pedro 2º– está em colapso. Acionista majoritária da Supervia, a empresa japonesa Mitsui informou ao governo do estado não ter mais interesse em prosseguir com o negócio. Alega que as contas não fecham e só tem caixa para operar até agosto.

Controlado pelo setor privado desde 1998, o sistema —com 103 estações e cinco ramais— já mudou de dono três vezes, mantendo o histórico de práticas demofóbicas. Os trens transportam cerca de 350 mil passageiros (chegaram a levar 1,2 milhão de pessoas nos anos 1980, antes da privatização), que se queixam da superlotação e dos atrasos diários, mesmo pagando uma das tarifas mais caras do país (R$ 7,40), a qual em parte é subsidiada pelo estado.

O governador Cláudio Castro reconhece que "o serviço é péssimo", mas não sabe como resolver o impasse. Nem mesmo tem um plano para manter os trens em circulação. Em março, a CCR Barcas também anunciou que ia interromper a operação. Fez um acordo e recebeu R$ 750 milhões. A chantagem da Supervia pode acabar da mesma maneira.

Becky S. Korich Saudades de um clínico geral, FSP

 Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga

Meus cabelos estavam caindo. O cabeleireiro explicou que é normal acontecer no outono e me vendeu um xampu antiqueda de nome francês, uma fortuna, prometendo que em um mês eu teria minha cabeleira de volta. Usei do outono até a primavera, mas o xampu, que descobri que de francês não tinha nada além do nome, não fez nenhum efeito: meus fios continuavam a entupir o ralo do chuveiro. Achei melhor consultar um médico.

Uma dermatologista me prescreveu uma solução capilar e me orientou a parar de usar o creme de testosterona. Mas meu ginecologista, que tinha prescrito a reposição hormonal —depois dos meus níveis de testosterona caírem na mesma proporção dos meus cabelos—, me proibiu descontinuar o tratamento.

Foto mostra mulher de costas. Ela tem cabelos caídos grudados nas costas
Mulher com queda de cabelo - Getty Images

Meu personal trainer veio com uma solução salomônica: testosterona dia sim, dia não, desde que eu suplementasse com whey, creatina, glutamina, caseína e aminoácidos para não perder massa muscular.

Quando contei isso a minha nutricionista, ela quase me trucidou. Mandou comer muita proteína. Como não como carne, me abasteci de ovos. Mas começaram as coceiras. Meu alergista descobriu que tenho alergia à clara de ovo. Apelei para as castanhas de caju. Como sou compulsiva, aumentei 3 kg na balança.

A endocrinologista me prescreveu uma injeçãozinha antes que eu viciasse em oleaginosas. Mas era tarde.

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Minha psicóloga propôs uma terapia de regressão para identificar a origem da compulsão. Isso duraria alguns anos e, pelos meus cálculos, eu estaria com 20 kg a mais. O psiquiatra falou para eu parar de mimimi e deu logo um remedinho, o que deixou meu homeopata irritadíssimo —que me recomendou retomar imediatamente os exercícios de "mindful eating".

Entre uma peteca e outra, sigo aqui com o meu cabelo ralo, comendo castanhas, repondo testosterona, tomando tarja preta, whey e suplementos e tentando uma solução consciente: consciente de que meu caso não tem solução.