"Hoje a PF fez uma busca e apreensão na nossa casa," escreveu Michelle Bolsonaro em uma rede social na semana passada. "Ficamos sabendo pela imprensa que o motivo era ‘falsificação de cartão de vacina’ do meu marido e de nossa filha Laura. Na minha casa, apenas EU fui vacinada".
A fala chamou a atenção do antropólogo Rodrigo Toniol, da UFRJ, por sugerir que Michelle esteja se descolando da família Bolsonaro. "Dizer que tomou vacina serve para duas coisas: ela afirma que é menos radical que o clã Bolsonaro e sinaliza que cuida de si ‘como uma mulher de família deve fazer’". Para Toniol, que estuda o fenômeno evangélico no Brasil, devemos acompanhar de perto a movimentação política de Michelle.
Sua postura tem sido ambígua em relação a seu futuro. Ela foi decisiva na campanha presidencial em 2022, viajou o Brasil conversando com evangélicas e ajudou a costurar alianças com igrejas. Neste ano, assumiu o cargo de presidente do PL Mulher e seu desempenho em redes sociais vem sendo melhor que o do marido.
Para Bolsonaro, ser casado com uma "crente raiz", admirada especialmente entre pentecostais e neopentecostais, é positivo. Sinaliza a essa audiência que ele está no caminho para se converter e que toma decisões com mais serenidade. Antes resistente à ideia de Michelle se candidatar, hoje ele já admite que ela pode concorrer a uma vaga no Legislativo.
Mas Toniol registrou mudanças na postura de Michelle desde o fim do mandato do marido. "A facilidade com que ela declara ter tomado vacina agora é radicalmente distinta da resistência anterior. Agora ela tem autonomia para se apresentar com os valores cristãos que ela preza," ele analisa.
Michelle se vacinou em 2021 para viajar aos EUA e participar de um evento das Nações Unidas. Na ocasião, foi o então presidente que divulgou a decisão: "Minha esposa veio conversar comigo. ‘Tomo ou não tomo a vacina?’. Sabe como é que é esposa, né? Quem tem esposa sabe como é que é. Veio conversar comigo, dei minha opinião para ela. Não vou falar qual foi a opinião. Vou falar o que ela fez: ela tomou a vacina. Ela é maior de idade, tem 39 anos, sabe o que faz".
Ao ouvir essa explicação de Bolsonaro, uma colega de Toniol comentou o fato de Michelle ter se vacinado só no contexto da viagem: "É um caso clássico de relação abusiva. Para fazer o que quer, a mulher precisa sair do território no qual o homem se sente dono".
Agora o governo mudou de mãos. E em tempos de polarização e de fortalecimento do debate sobre costumes, é importante lembrar que, nas periferias, a cara do bolsonarismo é também a cara do evangélico: preto, pobre, periférico e —muito graças a Michelle— feminino.
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